HOMENAGEM
ESPECIAL AO JORNALISTA
OSWALDO ANTUNES
O
jornalismo perdeu uma das suas figuras mais emblemáticas.
No dia 11 de abril de 2012, aos 88 anos, encantou-se Oswaldo
Alves Antunes. Durante muito tempo, dirigiu o vetusto “O
Jornal de Montes Claros”, o mais lido e respeitado periódico
da cidade, onde fez escola e formou gerações
de jornalistas.
A sua guerra foi contra a incompreensão, os interesses
subalternos da política, pois não compactuava
com o que lhe ferisse princípios e a consciência
profissional e pessoal. Legou exemplo de austeridade e independência,
sendo, por isso mesmo, considerado o pai da moderna imprensa
da cidade.
O Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, por meio de seus associados - muitos dos quais foram
seus discípulos na arte da escrita - presta, nas páginas
a seguir, uma justa e merecida homenagem ao Dr. Osvaldo, verdadeiro
ícone do jornalismo montanhês.
Parabéns,
Jornalista Oswaldo Antunes
Haroldo Lívio
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana
Parabéns
por tudo que tem feito na vida, por tudo que escreveu até
agora, pela prosa escorreita e pela poesia que reluta em mostrar,
apesar dos elogios recebidos de Alphonsus de Guimaraens Filho.
Principalmente parabéns por estar alcançando
hoje, 21 de outubro de 2009, em pleno gozo de saúde
e de bem com o mundo, a idade bíblica de 85 anos, dos
quais mais de 60 dedicados a uma das mais completas carreiras
no jornalismo, que pode colocá-lo em pé de igualdade
com os nomes mais conhecidos e festejados da imprensa brasileira.
Não há nenhum excesso neste comentário
sobre a trajetória profissional de um jornalista que
fez sua caminhada num jornal do interior, O Jornal de Montes
Claros, deixando de atuar nos órgãos do eixo
Rio de Janeiro e São Paulo, onde se consagra a carreira
e para onde vão os jovens que ambicionam o sucesso
e a fama. Você se contentou com a reputação
adquirida na imprensa de Belo Horizonte, na cobertura política,
em período de efervescência nacional, após
a redemocratização, na década de 1940,
e tomou a decisão de retornar às origens sertanejas,
no momento em que deveria ter se transferido com armas e bagagens
para a metrópole. Foi este o rumo tomado por seus colegas
de redação, Otto Lara Resende, Paulo Mendes
Campos, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Alphonsus
Filho e tantos que tomaram o trem Vera Cruz e foram brilhar
no Rio.
Dá
para acreditar no destino. Bandeira fala da “vida que
poderia ter sido e que não foi.”, que não
é o seu caso, conforme relata em seu livro de memórias.
Aconteceu que foi flechado por Cupido e trocou o sucesso pela
felicidade. Apaixonado por uma beldade loura, mandou o jornal
às favas, tendo decidido casar e abrir uma banca de
advocacia em Montes Claros. Queria apenas ser feliz e acertou
na escolha de seu par, dona Inilta, sua companheira da vida
inteira e musa inspiradora.Juntos,
trabalhando lado a lado, comungando os mesmos pensamentos,
constituíram bela família de que muito se orgulham.
Realmente, foi melhor do que ter ido para o Rio.
A advocacia durou pouco, e o jornalista teve uma recaída,
Comprou
o jornal, que circulou de 1951 a 1990, funcionando como um
baluarte na defesa das reivindicações mais destacadas
da comunidade. Nas grandes crises, abria as baterias e fustigava
as autoridades competentes buscando soluções
para as necessidades prementes, como ocorreu na década
de 1950, com a falta de luz.A campanha cívica que desaguou
na candidatura única de Antonio Lafetá Rebello
para a prefeitura, em 1966, e mudou os rumos da história
política e administrativa de Montes Claros, abrindo
um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social,
foi concebida e gestada de sua pena flamejante.Houve outras
campanhas memoráveis, merecendo destaque a moralização
do tribunal do júri, que fez de Montes Claros uma cidade
finalmente civilizada. Anteriormente, nossos jurados, submetidos
ao domínio dos caciques políticos, absolviam
até cangaceiro, como aconteceu em 1930, no julgamento
do famigerado Rotílio Manduca, com muitas mortes nas
costas e merecedor da pena máxima.
O jornalista corajoso, que não teme cara feia, que
caminha em cima da fumaça, realizou esta obra desafiando
forças poderosas, até sucumbir com o fechamento
do jornal, para não interromper a tradição
de independência e dignidade conquistada em quatro décadas
de circulação.
Croniquinha
proposital
Haroldo
Lívio
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana
Atenção,
amigo leitor, por acaso, você já foi chamado
alguma vez de poeta? Talvez você ainda desconheça
o poeta que traz escondido dentro de seu (pobre) coração.
De médico, poeta e louco, todos nós temos um
pouco, diz o adágio. Certa vez, o historiador Hermes
de Paula, que era médico e gozava de boa saúde,
contou-me, em entrevista, achando muita graça, ter
sido chamado de poeta pelo folclorista Câmara Cascudo.
Ao que se sabe, até aqui, o privilégio de ser
tido nesta alta conta é de Drummond, é de Bandeira,
Vinícius.
O Brasil é muito rico em jazidas de minérios,
de pré-sal e de lirismo puro; em cada esquina você
pode ter a felicidade de bater um papo com um poeta. Gente
assim, inspirada, sentimental, sofredora, não tem estrela
na testa indicando que se trata de um bardo à disposição
de quem seja capaz de saborear um favo de poesia, que é
doce que nem mel, quando fala de amor; e amargo que nem fel,
quando chora um desengano. Antigamente, os poetas eram ouvidos
e queridos, havendo alguns que diziam ouvir e entender estrelas.
Porém, a poesia ainda anda por aí, no meio da
rua, por toda parte, feito nuvem de chuva no céu, feito
tarde de sol no estio, com cigarras cantando, sem que o sujeito,
absorvido pelo cotidiano esterilizante, possa abrir um intervalo
de admiração para contemplar a simplicidade
encantadora da vida. Aponto o exemplo do intrépido
jornalista Oswaldo Antunes que, em mais de meio século
de serviço ativo e producente, construiu imagem de
ser exclusivamente homem de imprensa, de agenda cheia, que
não teria tempo para vagar por aí, tocando viola
e versejando, à luz da lua merencórea.
No entanto, depois de aposentado e com o livro de memórias
publicado, retira a máscara de audaz articulista para
exibir sua verdadeira face de trovador renascentista, revelando,
neste volume, a face preponderante de sua alma de artista.
Intitulou sua obra poética de “Estrela final”,
dando por encerrada a produção do menestrel,
o que não pode ser verdade. Assim como passou a vida
inteira incógnito, sem permitir sua identificação
como poeta de primeira categoria, apresentando-se apenas como
o mestre insuperável da prosa jornalística,
suspeita-se de que esteja ocultando matéria já
pronta, para encher outros volumes de poesia de alta voltagem.
O futuro confirmará esta desconfiança. Por cautela,
é aconselhável ficar de olho nele: tem que publicar.
Retornando ao título, perguntaria como explicar a presença
desta prosaica croniquinha, mero subgênero literário,
ocultada dentro deste ramalhete de versos trabalhados com
o suor do criador e perfumados com a pureza de suas essências
raras. Cartas para a Redação do O Jornal de
Montes Claros.
(Este texto foi aprovado pelo saudoso poeta para a “orelha”
de “Estrela Final”)
Doutor
Oswaldo, um Mestre
Itamaury Teles
Cadeira nº 84
Patrono: Newton Prates
O jornalismo mineiro perde uma das suas figuras mais emblemáticas.
No dia 11 de abril, aos 88 anos, encantou-se Oswaldo Alves
Antunes. Durante muito tempo, dirigiu o vetusto “O Jornal
de Montes Claros”, o mais lido e respeitado periódico
da cidade, onde fez escola e formou gerações
de jornalistas, direta ou indiretamente.
Tive a honra de integrar o corpo de repórteres desse
jornal, a partir de junho de 1971, numa velha casa avarandada,
na Rua Dr. Santos, 104. Guardo ótimas recordações
desse tempo, pois significou para mim um rito de passagem.
De jovem imberbe, chegado de Porteirinha, aos 16 anos, extremamente
tímido, para um repórter policial que incomodava.
O “Doutor Oswaldo”, como o chamávamos,
era figura distante, sisuda, para os “focas” como
eu. Ele só aparecia ao jornal uma vez por semana, pois
já havia feito seu sucessor, o Waldyr Senna Batista,
secretário de redação. Chegava, cumprimentava
os repórteres, e se dirigia à sala do Waldyr.
Depois, ia para a sala dele, contígua à redação,
e ali, vez ou outra, redigia um editorial, que causava impacto
na cidade. Tínhamos por ele respeito reverencial. Era
uma eminência parda, um jornalista paradigma, que sabia
de todos os meandros da profissão. Um mestre dos mestres.
Sabíamos que ele passara, em sua juventude, por prestigiosos
jornais da Capital mineira, e de lá voltara - após
formar-se em Direito
- para fazer jornalismo diferente, profissional, na Montes
Claros dos anos 50, comandada pelos “coronéis”.
Enfrentou,
com altivez, os poderosos de plantão. Destemido, não
se curvava ante as ameaças de “empastelamento”
da tipografia do jornal. Infundiu em todos nós, pelo
exemplo, a busca incessante pela
verdade dos fatos e o equilíbrio sensato no texto objetivo
e isento de adjetivos e de paixões sectárias.
Naquela redação, falava mais alto os interesses
pelo progresso de Montes Claros.
Lembro-me de dois episódios ocorridos comigo, em que
o Doutor Oswaldo esteve ao meu lado. O primeiro, quando chegou
novo delegado à cidade. Nessa época, os delegados
eram coronéis da Polícia Militar, e não
bacharéis em Direito. A primeira decisão do
delegado foi não mais permitir que eu ali atuasse como
repórter, pois
era menor de idade. Quando soube, o Dr. Oswaldo ligou para
o delegado, de forma firme, dizendo que o jornal não
se curvaria à sua
decisão. E eu continuei a fazer o meu trabalho.
Noutra oportunidade, escrevera matéria criticando a
forma truculenta com que alguns presos eram tratados por um
determinado sargento. Desgostoso com nosso comentário,
esse policial, em uma festa no Clube Montes Claros, ao passar
por mim, deu-me um “chega pra lá” com o
ombro, que quase me derruba. Levei o assunto à direção
do jornal. Mais uma vez, o Dr. Oswaldo não se omitiu,
exigindo do comando do 10º. Batalhão o enquadramento
disciplinar do agressor.
Depois de grande ausência da cidade, por razões
profissionais, volto e reencontro o velho mestre, no Café
Galo. Acabamos por estreitar amizade, em prosas contemplando
assuntos os mais variados. Passei a conhecer um outro Oswaldo
Antunes, mais afável, mais sensível, de inteligência
privilegiada.
Nos
lançamentos dos meus livros, sua presença era
sempre notada. Prestigiou-me em minha posse na Academia Montesclarense
de Letras e, recentemente, no lançamento do meu “Balangador
de rede”, mesmo apoiado em uma providencial bengala.
Quando pensou em publicar seu primeiro livro, intitulado “A
tempo”, mandou-me os originais. Fiquei encantado com
a elegância do seu texto escorreito, no qual não
se acrescenta, nem se retira, uma vírgula sequer.
Ajudei-o, como pude, nas tratativas junto à Editora
O Lutador, de Belo Horizonte, que edita os meus livros. Ele
ficou muito satisfeito com a qualidade do resultado final
do seu livro de estreia.
Ultimamente, Oswaldo Antunes só falava de poesia. Reservado,
alinhavava poemas e tinha receio em publicá-los, confidenciou-me.
Depois de muito insistir, mandou-me, a título de “tira-gosto”,
alguns poemas do seu novo rebento - Estrela final - para a
minha apreciação. Faz pouco mais de um mês.
Li e deleitei-me com seus poemas. Profundos, sensíveis,
sonoros, bem escritos.
Há quinze dias, mandei-lhe meus comentários
elogiosos. E mais: sugeria ao velho mestre que buscasse parceria
para musicar seus poemas. Mas que o fizesse com critério,
por meio de maestro competente, para não jogar “pérolas
aos porcos”.
Semana passada, soube que Oswaldo Antunes procurou-me no Café
Galo. Queria conversar comigo. Mas, com viagem agendada, fui
à praia e, depois, pescar no São Francisco.
Quando cheguei, recebi a triste notícia. Fiquei com
assunto pendente com ele. Mas o céu pode
esperar.
Descanse em paz, mestre. Sou-lhe muito grato por tudo. Até
qualquer dia.
Aconteceu
perto de nós
Paulo César Narciso Soares
Cadeira nº 47
Patrono:Hermenegildo Chaves
Guardo na sala de direção da Rádio Montes
Claros 98 FM documento emoldurado que melhor ficaria depositado,
e reverenciado, nos arquivos dos momentos mais altos da imprensa
mineira e brasileira, se este cuidado fosse comum entre nós.
São
as folhas originais do editorial de fechamento de um jornal
de província. No caso, o “O Jornal de Montes
Claros”, que circulou por 38 anos. Jornais, como pessoas,
nascem, vivem e morrem, e assim dão sequência
aos serviços da natureza como resumiu líder
espiritualista mineiro.
Uma coisa distingue este jornal e o seu editorial de fechamento
de quantos são conhecidos.
Na década de 80, o diretor Oswaldo Antunes, da mesma
turma e linhagem de Edgar da Matta Machado, Alphonsus de
Guimaraens Filho, Otto Lara Resende, José Mendonça,
Hélio Pellegrino e Milton Amado, percebendo que não
mais poderia
sustentar o jornal com a altivez e correção
de quatro décadas preferiu, ele mesmo, sufocá-lo.
Matá-lo.
Produziu um documento primoroso. Raro. Extraordinariamente
belo e alto. E, no gesto solitário, sereno, cortou
o caminho que pudesse levar o jornal, como as pessoas, a sangrar
em público e descer pela vida.
Oswaldo
Antunes, assim como Wander Pirolli, Célius Aulicus,
Fialho Pacheco, Hermenegildo (Monzeca) Chaves, Odair de Oliveira,
Teódulo Pereira, Pedro Agnaldo Fulgêncio e muitos
outros, fez escola. Deixou discípulos. Faleceu em 11
de abril, aos 88 anos. Entre as homenagens que recebeu juntou-se
o minuto de silêncio que o Atlético Mineiro enviou-lhe
na tarde ensolarada de domingo, ao saber que tinha em M. Claros,
incógnito, um torcedor tão discreto quanto fervoroso
e honrado.
Por muito tempo se lerá o editorial “Calar Antes
do Fim”, entre a contrição do sagrado
e a veneração discipular. Ensinava o mestre:
“... o órgão de imprensa, como os órgãos
da emoção e da inteligência humana, não
podem viver apenas para sobreviver. E quando essa sobrevivência
somente seria possível com a mancha do dinheiro fácil,
a ser conseguida no campo da corrupção e da
submissão dos ideais, é melhor parar antes de
sujar as mãos e a consciência. (...)
Este jornal viverá enquanto forem lembradas suas lutas,
enquanto aqueles rapazes e moças que passaram pela
redação continuarem, em outros órgãos
de imprensa, a exercer com bravura, independência e
inquietação social, tudo que aprenderam nesta
casa, que souberam honrar e amar mais do que a pequena remuneração
que recebiam. (...)
Um jornal acaba menos por se calar com honra e mais por submeter-se
a interesses que não sejam os da comunidade. Por isso
mesmo, resolvemos calar antes do fim!” Na noite em que
foi velado, enquanto a notícia se espalhava pela cidade
de quem é o pai da imprensa, refletiram todos na ausência
que impunha o coração que deixara de pulsar,
mas não de viver. Inevitável era revisitar o
“Calar Antes do Fim”.
Para
concluir que o editorial, extraído das cumeeiras morais
mais altas, doeu mais naqueles que o leram, de súbito
na tarde inadvertida da mocidade, do que no Homem que serenamente
o datou e assinou, tão certo estava da convicção
que o compelia. São momentos raros na vida dos povos.
Existem. Aconteceu perto de nós e faz pouco tempo.
Sobre
o último Editorial de “O Jornal de Montes Claros”
Calar
antes do fim
Osvaldo
Antunes
“Felizes
por não sermos excessivamente felizes; no barrete da
Fortuna, nós não somos o botão.”
Shakespeare
Episódios
mais poderiam ser relembrados se fosse prudente ampliar o
espaço dos rascunhos e o tempo a ser cobrado de possíveis
leitores. Prevaleceu o propósito de torná-lo
menos enfadonho. A quem interessar, pode ser uma cozinha de
jornal em que os assuntos são tratados sem muito raciocínio,
ao sabor do tique-taque das máquinas, das conversas
e interrupções costumeiras. Poderá satisfazer
a curiosidade dos filhos, dos netos e de quem se interessar
pela história da família e de sua influência
na vida obscura de uma imprensa considerada menor. Resta dizer
como findou o sonho de jornalismo quase utópico exercido
pelo O JORNAL DE MONTES CLAROS - casa que abrigou a inconformidade
dos homens e mulheres que precederam, acompanharam ou antecederam
o jornalista, fora e dentro da cadeia dos relacionamentos
de origem familiar. E dizer, no fim, o que seria mais apropriado
no começo:
- Vim cumprir o meu destino, não vim mandado.
Vadim foi jornalista na conta imprevisível do tudo
e do nada.
Aceitou grande peso nos ombros mercê de um idealismo
talvez insensato, mas também como animal ferido por
obsessões ancestrais. Ao atender o pedido dos filhos,
do modo como pôde, desaponta-se ao perceber que as brumas
do Mistério não foram afastadas nem resolvidas.
A sabedoria mostra tempos de plantar e de colher; há
também tempo de prosseguir, assim coma chega o tempo
de parar. Fecunda estação da vida havia, circunstancialmente,
chegado ao fim para o jornalista, na direção
do seu JORNAL. Culpas pelo aparente insucesso? Se houve, não
as procura. Sabe apenas que fluiu a quadra propícia,
madurou o gesto de resignação. Era já
impossível reter nos dedos, embora ainda firmes, a
chuva ou a areia, agora soprada pela procela que mudou rumos
e impediu a continuidade no velejar. Ante
a vontade instintiva de prosseguir na vocação,
restava o consolo de haver combatido sem pieguice - como fez
o grande mensageiro -, acrescentando, entretanto, não
ter a espada perdido o gume, pois apenas se embainhou.
Os sonhos passariam a ser lembranças, dariam vida a
coisas
inanimadas. À velha prensa Aluzet de Rui Barbosa, de
êmbolos e roldanas diariamente lubrificadas que garantiu,
durante anos, a circulação do Jornal. Tão
submissa e eficiente, parecia velha amiga, adquiriu a personalidade
das coisas que se animam na imaginação. Tinha
alma feita de ferro e sangue. Mas se tornara obsoleta, por
ser sua impressão em plano e o municiamento manual.
Para agilizar a tiragem, o jornalista tentou um passo à
frente e errou. Em vez das máquinas em offset e composição
pelo processo eletrônico, já recomendadas, optou
por impressora tipográfica semi-automática,
máquina insubmissa e sem alma; permaneceram também
as muitas e pouco eficientes linotipos. A composição
computadorizada, incipiente no interior do Estado, provocava
o receio de faltar assistência
técnica quando se fizesse necessária. Esse erro
de diagnóstico levou ao agravamento da crise anginosa
e ao sufoco. A feição gráfica, antes
razoavelmente boa, perdeu-se no desconhecimento da regulagem
de tinta e gravação da impressora insensível,
que fora remontado sem a plastia correta, apesar de tempo
e dinheiro gastos com técnicos e técnica já
superada, de manutenção difícil.
Teria
sido possível evitar a queda, buscando, após
o erro, o sistema de impressão conveniente? Sim, mas
com necessidade de ajuda, em vão solicitada. O JORNAL,
apesar de propriedade particular, era antes de tudo benevolência
para com a cidade. O dinheiro, quando houve disponibilidade,
fora empregado na aquisição da impressora e
de compositoras de linhas e títulos. Proposta de abertura
do capital da empresa para novos sócios, ninguém
se moveu. Waldyr Senna Batista, auxiliar eficiente em tantos
momentos difíceis, estava afastado da direção
e fez falta nessa hora. O filho Márcio tentou ajudar,
mas carecia, àquele tempo, de experiência maior.
O
JORNAL se sustentara, sem ajuda da comunidade, durante 36
anos. Aos olhos de muitos a crise pareceu manha e embromação.
Mal sabiam já estar a pequena renda da propriedade
particular sacrificada na remuneração dos funcionários,
compra de tinta e de papel.
Enquanto isso, surgiram dois jornais de boa impressão,
já no sistema offset, vindos quase como desaforo. Embora
ambos carecessem, no nascedouro, de maior despojamento pessoal
dos dirigentes, tinham nitidez de texto e estampas policromas
de fazer inveja. Vozearam, ao mesmo tempo, várias estações
de rádio e emissoras comunitárias; a televisão
invadiu os lares com suas imagens, novelas, noticiário
multicolorido. Os sites eletrônicos começaram
a aparecer. Ante a representação dinâmica
dos fatos e a voz empostada nos aparelhinhos de rádio,
pareceu à gente parva que o JMC já não
se fazia necessário e cumprira, sem ninguém
pedir e por isso nada lhe deviam, o papel de reformador dos
costumes quase bárbaros encontrados quando começou.
Faltou, na hora precisa, a compreensão - hoje já
despontando, ante a necessidade de um órgão
independente - de ser o jornalismo não um oficio meramente
técnico, nunca repositório de vaidade, nem simples
meio de diversão ou entretenimento, como é,
em parte, a televisão. A imprensa escrita exige responsabilidade
moral permanente, ao fazer trabalho que é, a cada dia,
a edição de um documento; nela se levantam e
fixam anseios de progresso
individual ou coletivo, e são escriturados os problemas
aflitivos que influenciam a evolução da comunidade.
Esse jornalismo é, e possivelmente continuará
sendo, de insubstituível função social.
Mas precisa ser - principalmente agora quando a dubiedade
moral apavora - eminentemente ético, apesar da urgência
sempre pedida na veiculação da notícia,
no comentário dos fatos. Foi esse o jornalismo proposto
ao menino pelo seu sangue e vigorante
por mais de três décadas em Montes Claros.
Decidido
o fechamento de O Jornal, o editorial de despedida afirmou,
sem propósito de retórica, mas lastimosamente:
“Este será o último número do O
JORNAL DE MONTES CLAROS, depois de trinta e oito anos de trabalho
e bravura invejável. Nosso desejo inicial era calar
também e deixar, como quis um grande homem, que o passado
enterrasse seus mortos. Mas nos rendemos ao dever de dar aos
leitores explicação, mesmo incompleta, das razões
que levaram a interromper a circulação do jornal.Entendemos
não se justificar a existência de um órgão
de imprensa, jornal, rádio ou televisão, pela
ganância imoral do dinheiro,
por benesses que possa encontrar junto ao poder ou pela facilidade
de viver sob a tutela de grupos econômicos. Jornal é
forma de criar e exercer consciência crítica,
em face ao problema de comportamento social que faz a criatura,
semelhança de Deus, revoltar-se contra a situação
de submundo em que vive. Por isso mesmo, o órgão
de imprensa, como os órgãos da emoção
e da inteligência humana, não podem viver apenas
para sobreviver. E quando essa sobrevivência somente
seria possível com a mancha do dinheiro fácil,
a ser conseguida no campo da corrupção e da
submissão dos ideais, é melhor parar antes de
sujar as mãos e a consciência.
Jornais se sujeitam a depender de situações
que os obrigam a não ter idéias nem ideais.
Ficam no hiato de sombra onde a liberdade de critica deixa
de existir como luz, energia e motor de suas atividades. Nós
sempre sustentamos, perante os leitores, a inclinação
pela liberdade de expressão - sem a autocensura malandra
dos vendidos - como parte inseparável das liberdades
cívicas. Há algum tempo o JORNAL DE MONTES CLAROS
chegou ao ponto crítico, além do qual, para
sobreviver, precisaria abdicar de sua independência.
Antes que o pior acontecesse, preferimos encerrar-lhe as atividades.
Para um jornal que, durante trinta e oito anos viveu, honestamente,
dos próprios recursos de pequena empresa, sem chafurdar-se
em interesses mesquinhos, o melhor que decidimos foi calar
com honra, em vez de falar sem dignidade e credibilidade.
Ao silenciar, com o fechamento do jornal, algumas vozes destemidas
que lhe dignificaram a existência, estamos convencidos
de que esse silêncio, como o silêncio da germinação
da vida na História, vai dar ênfase a tudo que
o Mais Lido fez em favor da coletividade montes-clarense e
norte-mineira. Este jornal viverá enquanto forem lembradas
suas lutas, enquanto aqueles rapazes e moças que passaram
pela redação continuarem, em outros órgãos
de imprensa, a exercer com bravura, independência e
inquietação social, tudo que aprenderam nesta
casa, que souberam honrar e amar mais do que a pequena remuneração
que recebiam.
Durante
esses trinta e oito anos, cometemos imprecisões, aqueles
erros a que está sujeita a diuturna atividade de lidar
com a versão dos fatos e os interesses das pessoas.
Mas esses erros se deveram mais a limitações
do que ao desejo de errar.
Não
estamos nos despedindo, porque a esperança de uma imprensa
livre não acaba. Queremos afirmar a certeza de que
o JORNAL DE MONTES CLAROS deixa herança. Fomos, como
aqueles que lidam com a esperança do povo, instrumento
de revolução nos costumes e no progresso da
sociedade montes-clarense, revolução forjada
nas oficinas e na redação, sobre as máquinas
e as mesas de trabalho. Cumprimos nossa parte no dever que
é de todos.
Um jornal acaba menos por se calar com honra e mais por submeter-se
a interesses que não sejam os da comunidade. Por isso
mesmo, resolvemos calar antes do fim!”
Oswaldo
Antunes
Petrônio Braz
Cadeira nº 18
Patrono: Brasiliano Braz
Com
o devido respeito, ouso discorda de Drummond quando ele afirma
que o tempo é “os homens presentes, a vida presente”.
Informa o professor de literatura brasileira Hélio
de Seixas Guimarães, da USP, que as mais de mil crônicas
escritas por Machado de Assis, ao longo de 50 anos, e publicadas
em jornais do Rio de Janeiro no Século XIX, estão
sendo reunidas por especialistas da obra machadiana. Machado
não se inscreve entre os homens presentes e, lamentavelmente,
também Oswaldo Antunes não mais se encontra
entre nós, mas suas obras estão presentes.
Todo cronista deveria coletar seus escritos dispersos e republicá-los
em livro, como uma forma de preservação cultural
e até mesmo pessoal. Foi o que fez, com sucesso, o
jornalista Carlos Lindenberg com o livro Quase História,
que retrata suas atividades como jornalista político,
onde nos oferta lembranças pessoais dos últimos
trinta anos e profissionais, de uma atividade séria
de irrepreensível conduta, a partir de 1900.
Os jornais, onde as crônicas são dadas ao leitor,
são de vida efêmera como as flores que fenecem
no próprio dia em que se abrem. O jornal de ontem já
é velho em presença do jornal de hoje.
Ainda para dizer do influxo manifesto do tempo pretérito
e de sua própria existência, vamos ao encontro
de uma crônica de Oswaldo Antunes, publicada em 2007:
“O comportamento político da maioria dos
nossos homens públicos tem tudo a ver com antecedentes
históricos regionais. No entanto, pesquisas nesse sentido
- ou seu aproveitamento por uma psicologia social que devia
ser aplicada - sempre foram casuais. Gilberto Freyre foi o
primeiro a mostrar a formação da família
brasileira sob a influência dos costumes da economia
patriarcal. O sucesso de Casa Grande e Senzala ressaltou o
fato de uma pesquisa
histórica regional, possibilitar a análise desse
mosaico social e humano que é o passado brasileiro.
Houve contribuições posteriores importantes,
como ocorreu em Minas com Guimarães Rosa e Mário
Palmério, entre outros menos citados. Mas nunca houve
a preocupação maior de aproveitar no ensino
o estudo sistemático da interação social
dos indivíduos, apesar de a história ser fruto
genético dos processos mentais que, ao longo de gerações,
influenciam e até transformam o comportamento humano”.
Lembrou o mesmo Oswaldo Antunes que “foi como jornalista
que Karl Marx começou sua influência sobre o
meio social e, ciente da obrigação de bem formar
a opinião pública em benefício do ser
humano, formulou ideias que influenciam ainda hoje a valorização
do trabalho e a distribuição das riquezas”.
Nos sertões de Minas Gerais, Oswaldo Antunes, advogado,
jornalista, poeta e escritor, precursor da imprensa em Montes
Claros, valendo-se de sua experiência no campo da literatura
e do jornalismo, de larga vivência no seio da sociedade
cultural mineira, tendo compartilhado do convívio com
Mário de Andrade, Edgar da Matta Machado, Alphonsus
de Guimaraens Filho, Milton Amado, Hélio Pellegrino,
Otto Lara Resende, João Etiene Filho e outros, em seu
livro A Tempo, lançado em outubro de 2007, nos ofertou
a tempo, com a ousadia de linguagem que lhe era peculiar,
uma obra bem escrita e elaborada com esmerado cuidado. O jornalista,
na direção do “Jornal de Montes Claros”
fez história e viu passar o tempo e, com ele, os fatos
da vida urbana de Montes Claros e da região no curso
de quarenta
anos, que ele relembrou em detalhes.
Falando em tempo, nada melhor do que compartilhar com Oswaldo
Antunes lendo o seu poema Dádiva: “Poderia esconder
a todo mundo / os pés abrindo sulcos sob a terra, /
esse afogado anseio da memória / e o caminho deixado
à retaguarda. / Sequer olhar o céu que, moribundo,
/ escondeu o horizonte atrás da serra / e trouxe a
fadiga dessa história / que anda comigo e paciente
aguarda. / Mas ouviria as vozes do caminho, / do verde ermo
o canto irrealidade, / pensamento aberto como lenho. / Veria
a rosa, presa em seu espinho. / E na névoa que desce
sobre a tarde / esconderia o tempo que ainda tenho”.
Nos saudosos idos do ano de 1944, em Belo Horizonte, no Hotel
Tamoios, onde morávamos, eu estudante e Oswaldo Antunes
estudante e já jornalista, estava eu a tentar escrever
um acróstico à minha namorada, quando ele se
aproximou e perguntou-me:
- Estudando, muito?
- Não - respondi. - Estou tentando escrever um acróstico.
Ele apanhou o papel e o lápis e, em menos de dez minutos,
concluiu a poesia, para minha satisfação.
O
pai da imprensa
Waldyr Senna Batista
Cadeira nº 16
Patrono: Athos Braga
Oswaldo Alves Antunes, falecido no dia 11 de abril de 2012,
foi o pai da moderna imprensa da cidade. Em 1954, quando ele
adquiriu “O Jornal de Montes Claros”, já
se usava a composição a quente (linotipo), porém
a impressão se dava com o uso da velha “Alouset”
de quase um século de idade.
O JMC era um jornal vibrante, opinativo e desvinculado de
grupos, que buscava influir nos acontecimentos da cidade,
levantando o debate em torno dos problemas que realmente interessavam
à comunidade. Era o que ele denominava de “jornalismo
de confronto”.
A mudança de comando deu-se pelo “enxugamento”
do texto, do qual se eliminou a adjetivação
e em que se adotou o estilo impessoal e profissional, sem
o tratamento de “doutor” ou de “prendada
senhora” que caracterizava os jornais da época.
O importante passou a ser a notícia, que era buscada
na fonte pelo repórter, aliás uma figura até
então inexistente na imprensa local. O jornal ganhou
estrutura, com páginas dedicadas a cada setor: esporte,
polícia, assuntos gerais, o que hoje se conhece como
editorias. E adotou o editorial, que espelhava a opinião
da direção do jornal, no que Oswaldo Antunes
era mestre. Essa reformulação processou-se com
a utilização de recursos humanos recrutados
na própria cidade, rapazes que mostrassem pendor para
a atividade e que recebiam treinamento exercendo a função.
Essa adequação profissional produziu jornalistas
da melhor qualidade, muitos aproveitados em jornais de circulação
nacional.
Suprida
essa etapa, o jornal passaria a se dedicar ao debate em torno
dos problemas da comunidade. Começou pela moralização
do Tribunal do Juri, que era escandalosamente manipulado pelos
chefetes políticos, que se atribuíam o poder
de condenar ou absolver os que se submetiam aos julgamentos.
Graças à insistente campanha,
passou-se a fazer periódica revisão da lista
de jurados, que era a mesma havia décadas. Reformulada
sem a influência espúria, o tribunal adquiriu
credibilidade.
O combate ao porte ilegal de armas foi outro capítulo
importante. Os revólveres eram exibidos como troféus
ou meros brinquedos, em plena praça Dr. Carlos, à
luz do dia. Esse episódio custou ameaças de
“empastelamento” das oficinas do jornal, mas ele
não se calou enquanto não alcançou seu
objetivo.
O impacto dessas campanhas marcou a presença do JMC
e mostrou que a imprensa pode muito mais do que a mera divulgação
da literatice ou do anedotário inocente da época,
aspectos que divertiam a opinião pública, enquanto
os acontecimentos que realmente importavam ficavam sem registro
histórico.
O debate em torno de medidas estruturais começou pela
reivindicação de serviço telefônico
que fosse confiável e eficiente. Isso resultou na criação
de empresa local, que manteve o serviço até
que a legislação federal impôs a unificação
do sistema.
Na década dos anos 50 do século passado não
existia o termo “apagão”, mas a energia
elétrica em Montes Claros era desligada às 23
horas. O JMC abriu o debate, mostrando o absurdo da situação.
Criou-se comissão, cuja presidência foi confiada
ao valente bispo D. Luiz Victor Sartori. Seus integrantes
foram a Belo Horizonte exigir do então governador Juscelino
Kubitschek solução para o problema. Ele mandou
instalar motores a Diesel para a manutenção
do serviço e garantiu que Montes Claros seria das primeiras
cidades a receber energia elétrica de Três Marias,
em construção. E foi.
Outras
campanhas vieram, com apoio do jornal e por sua iniciativa:
elaboração de plano diretor para a cidade; asfaltamento
da BR-135; instalação do sistema de telefone
interurbano; ampliação e asfaltamento do aeroporto;
incentivo às entidades de classe; criação
das associações de amigos de bairros; e, seu
feito mais expressivo: a pacificação política,
com o lançamento de candidato único à
Prefeitura: o fazendeiro Antônio Lafetá Rebello,
indicado pelo jornal e que correspondeu à expectativa.
A
lista é longa e o espaço é limitado.
Fica o relato como homenagem ao cidadão que influiu
efetivamente no desenvolvimento da cidade que amava e que,
nos últimos tempos, mostrava-se angustiado devido à
acelerada deterioração que a acomete. E compreende-se
sua angústia: faltava-lhe aquele poderoso instrumento
que foi “O Jornal de Montes Claros”.
Lembranças
do Dr. Oswaldo
Alberto
Sena Batista
Sócio correspondente - Belo Horizonte - MG
Uma
das imagens marcantes que conservo dele faz o ponteiro do
relógio da vida girar em sentido contrário num
mergulho ao início da década de 1970. O corpo
de um homem havia sido encontrado, carbonizado, no município
de Brasília de Minas. A princípio as suspeitas
eram de que o crime tivesse sido encomendado por questões
relativas à seara da política local. Veio de
Belo Horizonte o coronel PM Humberto, que acabou virando delegado
de Montes Claros, para apurar o assassinato praticado com
características de pistolagem.
Segundo a polícia, a vítima teria sido morta
em Montes Claros e o corpo fora levado para o município
de Brasília de Minas, de certo com intenções
de transferir responsabilidades e criar dificuldades para
apuração.
À época, eu era “foca” no jornalismo
como se é em verdade a vida inteira. Coube-me fazer
a cobertura do assassinato e corria a boca pequena que um
suspeito havia sido preso. O caso foi acompanhado por uma
promotora vinda de Belo Horizonte especialmente para essa
missão. O “foca” em questão era
tímido ou nem mesmo sabia como abordar as autoridades
da época para colher informações.
Cheguei
à redação e ele foi logo me perguntando,
e devo confessar, levei um susto. Foi mais ou menos este o
diálogo: - Alguma novidade sobre o caso de Brasília
de Minas?
- Não.
Disse-lhe.
- Como não?
- A polícia não quer dar nenhuma informação.
Eu disse.
E então ele entrou para o escritório dele, contiguo
a redação, pegou o telefone preto e discou para
a promotora que se encontrava em Brasília de Minas.
Conversou com ela durante uns dez minutos, tempo suficiente
para arrancar dela uma manchete de impacto, considerando que
o caso ganhou repercussão nacional.
Enquanto ele conversava com a promotora, caneta e papel a
mão, anotava tudo com agilidade, de modo que ao terminar
de falar com a mulher, apanhou algumas laudas de redação
e ao invés de sentar-se à máquina para
escrever, ele, em questão de poucos minutos escreveu
de próprio punho a reportagem e a levou para os linotipistas
Andrezzo e Milton gravarem em chumbo.
Da
redação, sentado de frente a porta do escritório
dele, eu observava a maneira como ele escrevia e para mim
aquilo foi marcante porque o tinha na melhor conta. Sabia-o
homem de respeito, competente, que além de advogado
trabalhara nos bons tempos do Diário de Minas, em Belo
Horizonte, onde fora colega de redação de profissionais
de renome ainda hoje na ativa.
Evidente que a essa altura quem o conheceu em vida sabe que
falo do Dr. Oswaldo. Ele era chamado assim. Do lado da redação
ficava a sala do secretário Waldyr e do outro era a
sala dele. Se a gente queria entrevistar alguém por
telefone, o melhor lugar era a sala do Dr. Oswaldo porque
mais calma. A sala dele havia do lado esquerdo janelas basculantes
que davam para um pequeno quadrado de área
onde reinava um pé de goiaba.
Isto foi no tempo em que O Jornal de Montes Claros era na
Rua Dr. Santos, 103, ali onde fica hoje uma agência
bancária. O espectro da cidade atual já se podia
vislumbrar, mas Montes Claros mantinha ainda os seus costumes,
os hábitos acolhedores de uma cidade sempre hospitaleira.
Pelas
mãos do Dr. Oswaldo e de Waldyr passaram nomes importantes
da imprensa. Em verdade digo que na redação
do jornal Estado de Minas, O Jornal de Montes Claros era famoso
e passou a ser chamado de “Escola de Jornalismo”,
numa época em que escola nenhuma de jornalismo havia
em Minas.
Foi
uma pena que o Dr. Oswaldo tenha sido levado a encerrar a
circulação do O Jornal de Montes Claros. Pena,
digo eu porque se a nossa cidade é o que é hoje,
em termos de desenvolvimento, damos graças ao empenho
do O Jornal de Montes Claros, principalmente, porque naquela
época, quando escola de jornalismo não havia
em Minas, a imprensa de Montes Claros (O Diário de
Montes Claros e a Rádio ZYD7) tornou-se uma referência.
Montes Claros é cidade hospitaleira, mas tem demonstrado
não venerar na medida certa o nome dos homens e das
mulheres que fizeram a força e a grandeza da cidade
de hoje. O Dr. Oswaldo foi um deles e deve ser lembrado até
o final dos tempos.
Adeus,
caro mestre!
Augusto José Vieira Neto
Sócio Correspondente - Belo Horizonte - MG
Perdemos
o grande Oswaldo Antunes, uma das maiores expressões
culturais de minha aldeia. Fui a Montes Claros para o lançamento
de seu livro “A Tempo”. O salão do Automóvel
Clube estava lotado de pessoas do mais elevado nível
intelectual. Ouvimos as palavras introdutórias de Waldyr
Senna Batista, a apresentação da obra pelo escritor
Petrônio Braz e a breve e calorosa fala do autor. Corri
para a fila de autógrafos, porque também representava
dois grandes amigos do mestre: José Bento Teixeira
de Salles (...) e Roberto Elísio de Castro Silva. O
mestre sorriu quando me viu e deu os três autógrafos.
Agradeceu, na dedicatória, minha modesta colaboração,
porque eu havia feito uma breve revisão, a pedido dele.
Em casa, antes de dormir, abri
o livro e só o fechei depois de reler sua última
página, na manhã do dia seguinte. Mais uma vez
vi desfilar sob meus olhos a vida pessoal do escritor, que
também é a vida do seu e nosso “Jornal
de Montes Claros”. Mas o que mais me fascinou foi saber,
pelo artístico marcador de páginas, em que está
inscrito o poema “Caminho”, que o mestre está
preparando mais um: “Estrela Final”. É,
minha gente, esse macabeuzinho-caramuru-brasilminense-moquenho,
em sua longa e merecida vida, jamais deixou o comando da resistência
à invasão dos “borás”, só
que, após a infância, passou a usar sua arma
predileta: a escrita precisa, honesta, artística, profundamente
eivada de filosofia de vida, de amor à sua família
e ao semelhante. Publiquei em meu site um de seus últimos
textos, “O Deus em que não creio”, onde
ele mostra sua grande intimidade com Deus. Espero que a família
reúna, na “Estrela Final”, todos os seus
poemas, pérolas literárias que não podem
ficar escondidas em ostras. Descanse em paz, mestre Oswaldo
Antunes, na “Nova Estrela” que surgiu para abrigá-lo,
carinhosamente, no firmamento e para iluminar nossas vidas,
tanto quanto você o fez enquanto esteve aqui conosco!
Doutor
Osvaldo
Carlos Lindenberg Spíndola de Castro
Sócio correspondente - Belo Horizonte - MG
De Oswaldo Antunes - “doutor Oswaldo”, como o
chamávamos - não ouso falar mais do que falaram
os outros que me precederam. E com propriedade. A dor da perda
me impõe o silêncio respeitoso. Direi apenas:
“Ao mestre, obrigado. Com saudades.” Carlos Lindenberg,
desde sempre repórter do JMC, onde recebi de mãos
hábeis e inteligência brilhante, o suficiente
para seguir em frente.
Adeus, Grande Mestre
Flavio Henrique Ferreira Pinto
Sócio correspondente - Belo Horizonte - MG
Há tempos não o via. Talvez uns dez anos,quando,ano
atrasado me viu passar e me chamou, à porta do Mercado
de Montes Claros.
E foi aquela velha prosa, saborosa, vinda dum homem possuidor
de uma cultura acima de poucos mortais que conheci, pessoalmente,
sobre tudo e todos, com o mesmo poder de análise. Diferenciado,
como se diz modernamente.
Deu
palpites sobre meu primeiro livro e só lamento que
foi embora sem saber que estou lançando outro. Adoraria
sua opinião.
Se falar que foi diálogo, estaria mentindo.
Pois preferia mais ouvi-lo. Sempre.
Desde aquele dia, em 1962, na verde ignorância de meus
saudosos dezessete anos, quando cheguei à redação
do JMC, passando pela varanda da Rua Dr.Santos (ao lado da
casinha de madeira de Tuia, o velho escravo que sempre me
reconhecia e sorria) e obtive (de Waldir também, sorte
minha) os ensinamentos e caminhos certos a percorrer nessa
inglória e difícil arte de escrever. .
Hoje talvez ainda eu possa ser inculto e estar muito a desejar
como escrevinhador, porém, verde, nunca mais, a partir
dali.
PergunteiporKonstantin,outrogênio,àépocaaindaaquicomagente.
Contou as últimas e finalizou: “somos uns sobreviventes,
caro Flavio”.
Que nunca serão esquecidos, Doutor Oswaldo.
Tenho certeza.
Ideal
de grandeza
Manoel
Hygino dos Santos
Sócio correspondente - Belo Horizonte - MG
A
televisão mostrou a cena da jornalista francesa Edith
Bouvier, ferida na cidade de Homs, na Síria, de regresso
à pátria, depois de muitos dias sem assistência
médica. Também foram mortos a jornalista americana
Marie Colvin e o fotógrafo francês Remi Ochlik.
A Unesco reprovou. As autoridades sírias desrespeitam
a Convenção de Genebra sob as guerras, em que
o trabalho da Imprensa deve ser preservado.
Mas o problema não é restrito. Relatório
do International News Safsty Institute colocou o Brasil como
o sétimo lugar mais perigoso para jornalistas no mundo.
Não há apenas a morte de Wladimir Herzog a lamentar.
Em 2011, no Brasil, foram mortos cinco profissionais, do total
de 124, em 40 países. Os profissionais perdem a vida
no cumprimento do dever ou simples mente pelo cumprimento
do dever. Faço estas considerações quando
registro, com pesar, o falecimento de um homem de Imprensa
que honrou seu compromisso, mais forte do que o diploma, que
valida uma definição de vida, ininterruptamente
exposta.
Refiro-me a Oswaldo Antunes, que partiu no entardecer do dia
11 último, ele que foi o pai da Imprensa moderna de
uma cidade, na expressão de Paulo Narciso, que a seu
lado esteve expressivo período na redação
do “O Jornal de Montes Claros”, na rua Dr. Santos.
O dizer de outro companheiro daquela época, José
Prates, nele se sentia competência e dignidade. Graças
à sua conduta e idealismo, manteve a folha mais lida
do norte-mineiro por longos anos, primando pela independência
e imparcialidade, missão penosa em todos os lugares
e tempos.
A sua guerra foi contra a incompreensão, os interesses
subalternos da política, pois não compactuava
com o que lhe ferisse princípios e a consciência
profissional e pessoal. Daí, ter legado exemplos, não
daqueles referidos pelo prefeito da cidade, em nota, ao aludir
a “profissionais da Imprensa hodierna”. De um
jornalista de escola, sobrevivente talvez de uma fauna em
extinção, ouvi: “Sentiremos saudades,
muitas. O dr. Oswaldo, depositado no chão do sepulcro,
ao pé do qual estive, pareceu-me mesmo maior do que
vivo - como na frase francesa, famosa”. No único
livro que deixou publicado, e que honrosamente me submeteu
à leitura antes de editá-lo, Oswaldo Antunes
conta sua odisséia para manter um ideal de grandeza.
Ele faz parte de “O Diário”, folha que
alcançou números enormes de circulação
no país, editado em Belo Horizonte, e do qual seria
eu colaborador, depois diretor de redação e
presidente.
Na antiga folha belo-horizontina, foi redator político
nos anos 40-50, suas colunas recebiam e abrigavam talentos
como Edgar da Matta Machado, Hélio Pellegrino, Alphonsus
de Guimarães Filho, Otto Lara Resende, Milton Amado,
o nosso excelente José Mendonça. Sem esquecer
João Etienne Filho, Mello Cançado, João
Camillo de Oliveira Torres, além de Tristão
de Athayde, e ases do noticiário político, como
Geraldo Magela Andrade e Geraldo Rezende. Houvera espaço
e mais diria. Creio, porém poder concluir com um pensamento
que Oswaldo Antunes apreciaria, de Tocqueville: “A Imprensa
é, por excelência, o instrumento democrático
da liberdade.”
ARTIGOS
DE ASSOCIADOS
Nota da Coordenação
A ordem de publicação dos artigos dos sócios
obedeceu à sequência alfabética dos nomes
dos autores. A Revista não se responsabiliza por conceitos
e declarações contidos em artigos publicados.
A revisão dos originais foi feita pelos próprios
autores.
Presença
Africana: as Comunidades de Gerais Velho
e Vila Biúca no município de Ubaí, Minas
Gerais
César Henrique de Queiroz Porto
Cadeira nº 13
Patrono: Ângelo Soares Neto
Gefferson Ramos Rodrigues
Mestre em História pela UFF
O
objetivo deste ensaio é discutir o processo de formação
de duas Comunidades de passado escravista, Gerais Velho e
Vila Biuca, distritos de Ubaí, no sertão de
Minas Gerais. Procura apresentar, mais precisamente, duas
hipóteses de trabalho a respeito da origem e formação
das referidas localidades.
Situado mais precisamente no norte de Minas Gerais, o município
de Ubaí faz parte da área mineira da Superintendência
de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), ou seja, região
reconhecidamente pobre, onde o governo federal precisa atuar
na realização de políticas públicas
para promover o desenvolvimento. Antes de dar início
aos objetivos propostos pelo texto, algumas observações
preliminares se fazem necessárias.
Muito próximo a Vila Biúca está o distrito
de Raiz, ou Raiz dos Mocó (como era chamado antigamente
em razão da abundância que existia deste pequeno
animal numa pedreira situada entre as duas Comunidades), e
a história desses dois pequenos lugarejos praticamente
se confundem, sendo bastante provável que tenham se
formado simultaneamente. Mas algumas diferenças entre
eles são bem acentuadas. A Vila Biúca é
habitada eminentemente por pessoas afro-descendentes e mestiças;
já a Raiz também conta com população
afro-descendente, mas um maior número de pessoas mestiças
e uma pequena quantidade de indivíduos brancos.
Além de possuir uma população predominantemente
afro-descendente, para usar o termo mais atual, a Vila Biúca
ainda apresenta outro traço marcante que é a
de ser habitada praticamente por pessoas da mesma família.
Portanto, muito embora possam ter sido formadas simultaneamente,
ambas possuem singularidades bem significativas.
Quanto ao processo de formação em si, ainda
que sejam distritos pertencentes a um mesmo município
- o município de Ubaí - é bastante provável
que tenham tido origens bem particulares.
O autor que primeiro conjeturou a esse respeito foi o saudoso
Sr. Joaquim Veloso nas valorosas memórias que deixou
escrita.1 Segundo o autor os moradores
que se estabeleceram nesses, e mesmo em outros lugares, eram
ex-escravos - alforriados com a Abolição de
1888 - de um grande proprietário da região de
Contendas, atual Brasília de Minas, o Capitão
João Nepomuceno Bernardino de Barros. De acordo as
memórias do Sr. Joaquim Veloso, o Capitão João
Bernardino era dono de várias propriedades. Uma delas
se estendia da localidade de Almas até o Touro, além
da fazenda situada no local denominado Cacimba, às
margens do córrego Jataí. Mas sua maior propriedade
era a fazenda Sabões, também chamada de Pindaíba,
e conhecida atualmente por Bolívia. A maior das propriedades
ficou de herança para o filho Domingos Nepomuceno e
com a sua morte, a viúva Dona Mariquena vendeu a terra
para Américo Martins.
Além de extensas propriedades e muitos escravos, João
Bernardino possuía uma certa benevolência e conta-se
que, antes mesmo da Abolição o Capitão
costumava conceder cartas de alforria e terras a seus cativos
para constituírem família, o que posteriormente
teria dado origem a pequenos agrupamentos. Esta teria sido
a procedência de vários deles como Raiz dos Mocó
- por conseguinte, a Vila Biúca - e Gerais Velho, e
localidades na região chamada de Gameleira, sendo os
dois aqui estudados os que ficaram mais conhecidos. Os descendentes
dos ex-escravos do Capitão João Bernardino estariam,
assim, espalhados nas áreas rurais de São Bento
- atualmente Bentópolis - e do município de
Ponto Chique, regiões que passaram a abrigar os
antigos núcleos de habitação.
Em vista dessas considerações algumas semelhanças
também podem ser traçados entre a Vila Biúca
e o Gerais Velho.
___________________________________
1 Foi possível ter acesso as memórias
do autor graças a sua filha Helen Sira, a quem
se registra todos os agradecimentos. A versão original
do texto ainda se encontra
manuscrita.
___________________________________
O
Gerais também conta com um número considerável
de pessoas da mesma família, porém não
na mesma proporção que a Biuca. O Gerais está
mais próximo do São Francisco e, portanto, é
mais provável que sua história esteja mais relacionada
as fazendas que se situavam a beira do rio, principalmente
sob a esfera de influência de São Romão.
Já a Vila Biúca, por sua vez, está mais
próxima a bacia do rio Verde, sugerindo que sua formação
esteja mais filiada, neste caso, a Contendas, atual Brasília
de Minas.
Desse modo, tanto os moradores de Gerais Velho quanto da Vila
Biuca possuem inegavelmente um passado de origem escravista,
e importante tarefa a ser feita é buscar junto aos
órgãos competentes o reconhecimento de “Comunidades
tradicionais”, ou “Comunidades remanescentes de
quilombo”. Esta iniciativa já foi cumprida para
o Gerais Velho mas espera-se que o mesmo ainda seja feito
para a Vila Biuca.
Vila
Biúca
Como
foi dito anteriormente, segundo a hipótese levantada
pelo Sr. Joaquim Veloso, os primeiros moradores que se estabeleceram
na Vila Biúca eram ex-escravos alforriados com a Abolição
de 1888, anteriormente pertencentes ao grande proprietário
da região de Contendas, o Capitão João
Bernardino Nepomuceno de Barros. Certamente, antes desse importante
momento histórico, os ex-escravos pertencentes ao proprietário
ao receberem alforria costumavam assinar com o sobrenome “Nepomuceno
de Barros”, ou simplesmente “de Barros”.
Por extensão, todas as pessoas que assinassem com o
sobrenome “de Barros”, seriam assim descendentes
de ex-escravos pertencentes ao Capitão João
Bernardino Nepomuceno de Barros. Este teria sido o caso, por
exemplo, de Pedro Nepomuceno de Barros, segundo o Sr. Joaquim
Veloso, um escravo de seus serviços domésticos,
ou em suas palavras “um nego de estimação”.
Pedro e sua mulher Marcelina teriam sido exemplos de beneficiados
pela benevolência do Capitão. Pedro por sua vez,
era mais sugestivamente conhecido como Pedro Rico por ter
conseguido algum recurso. Dionísio Preto, Cristino
Preto, Preto e Inácio Preto, foram alguns dos filhos
do casal, sendo que quase todos eles constituíram família.
Dionísio, por exemplo, uniu-se a Felisbina com quem
teve Isidoro que pelo menos até os anos 1990 residia
em Ubaí. Preto se mudou para São Francisco e
teve como filho Crispim e Diodalo. Inácio teve um filho
por nome Eurico, que desfrutava de boa reputação
com o influente Lindolfo Cardoso. Já Cristino Preto
era muito popular em Ubaí.
Sr. Joaquim Veloso, a principal fonte utilizada aqui, ao tentar
fornecer com detalhes os membros dessa importante família,
é impreciso em algumas passagens do seu texto o que,
neste caso, leva a apontar alguns membros da família
de Pedro Rico, apenas como seus descendentes, não se
sabendo exatamente se seriam seus filhos. É o caso
de “Tiburcio Paulino de [leia-se, casado com] Teresa
Braga”2 além de “Antonio
casado com Iolanda” e Manoel José. A confusão
se encontra no seguinte trecho: “Pedro Nepomuceno de
Barros o sobrenome do seu Senhor este negro era avô
de Tiburcio e Preto então bisavô de Paulino que
erra casado com Tereza Braga Crispim de Preto também
erra bisneto dele” (grifo nosso). Em algumas passagens
de suas memórias menciona dois nomes para Pedro Rico;
na primeira referência escreve Pedro Nepomuceno de Barros
já em outro lugar grafa como, Pedro Ferreira de Barros.
Isto não invalida, no entanto, o valor documental das
memórias do Sr. Veloso. Com efeito, na Vila Biuca há
várias pessoas com o sobrenome “de Barros”,
o que em certa medida, parece apontar para a confirmação
de sua hipótese.
Outro exemplo de beneficiado pela benfazeja atitude de Bernardino
de Barros foi Camila, irmã de Pedro Rico. Sua ex-escrava
casou-se com Estácio que por seu turno descendia de
uma escrava de São Romão. Camila e Estácio
tiveram como filhos João Pereira José do Meio
Romualdo Tintino e Virgulino. “Estácio era irmão
de Pedro [ileg.] pae de nono e Zé Martins”; “Pedro
Rico e Camila tinha mais irmão inclusive o pai dos
Mulato que era Teodoro, Domingos, José,
Julia e João...”.3
Diferentemente do Gerais Velho que se encontra numa área
abstrusa, a Vila Biúca se localiza numa área
mais acessível, situada num descampado de terras férteis
e relativamente bem servido de água. Também
cercada por uma pedreira, é claro que a vegetação
que se conhece atualmente se alterou muito, de modo que, não
é a mesma de 100 anos atrás, sendo plenamente
possível que no passado também fosse uma localidade
de difícil acesso. Isto poderia ser mais um dos elementos
a apontar para um passado quilombola do lugar. Todavia o Sr.
Joaquim Veloso, uma testemunha abalizada, indica que sua formação
se deu pós-abolição de 1888, o que aqui
se concorda. Ademais, os moradores da Vila Biúca se
mostraram bastante receptivos com os visitantes, cabendo lembrar
que ela se situa muito próxima a Raiz dos Mocó,
localidade que conta com parcela de brancos e mestiços
entre os seus moradores. Essas evidências sugerem uma
maior integração da Biuca, com a sociedade em
geral.
______________________________
2 Um dos problemas do precioso texto do Sr. Joaquim Veloso
é a falta de pontuação, o que em algumas
passagens alteraria completamente o sentido de determinadas
frases.
Exemplo disso é quando escreve “Tiburcio Paulino
de Teresa Braga,” quando pretende apontar os descendentes
de Pedro Rico. Assim a frase tanto pode ser Tibúrcio,
e Paulino que era casado com Teresa Braga. Atualmente se encontra
em fase de preparação uma versão crítica
e comentada do texto.
3 Mais uma vez o texto não contém virgulação
e aqui estabeleceu-se a pontuação pois o
trecho contém apenas nomes próprios.
_____________________________
Uma
das expressões culturais que ali se manifesta esta
uma devoção religiosa. Os moradores da Vila
Biúca cultuavam uma pequena devoção,
“o Santo da Pedra”. Como a região é
cercada por formações rochosas, em determinadas
localidades julgam que se assemelham a um Santo, sendo possível
enxergar somente aqueles que possuem muita fé. Com
ou sem fé, possível ou não de enxergar,
o fato é que a localidade é alvo de peregrinações
e já houve o registro de milagres alcançados
como o de uma mulher que paralítica voltou a andar.
Conforme Anastácia, moradora local, em depoimento concedido
no ano de 2005, “Tem o Santo da Pedra, o São
José da Pedra, que as pessoas tinham muita devoção
no tempo de Zé Botelho”.
Mesmo que contendo algumas imprecisões há que
se considerar muito autorizado o testemunho do Sr. Joaquim
Veloso, visto a sua longa experiência de vida e também
por ter sido oficial de Cartório de Registro Civil,
logo bastante conhecedor de documentação. Ademais
deve-se acrescentar ainda que o autor das primeiras “Memórias
de Ubaí”, que se tem conhecimento, conheceu boa
parte dos homens a respeito de quem escreve, quando não,
bebeu na rica tradição oral.
Uma questão central que envolve as Comunidades remanescentes
de quilombo diz respeito ao acesso a terra. O fato de muitas
delas se situarem em áreas de difícil acesso,
fazia com que seus habitantes fossem invariavelmente seus
primeiros moradores, o que teriam seus direitos assegurados
pela lei de uso capião. Não é demais
lembrar que além de praticarem a agricultura também
se dedicavam a caça e a pesca, o que seria possível
graças a fartura de terras. Todavia, a ação
de grileiros e projetos encampados pelo próprio governo
federal - sobretudo na época do Estado de Exceção
com a Ditadura Militar - reduziram drasticamente a área
que ocupavam.
Sabe-se que na Vila Biuca, as terras que habitam atualmente
pertenciam originariamente a Sr. Lezin, grande proprietário
com raízes em Brasília de Minas, a antiga Contendas.
Herdadas de seu pai, Tiburcio José Botelho, Sr. Lezin
cedeu as terras aos moradores da Vila Biuca. Todavia o habitante
mais antigo que aqueles que residem ali dão conta era
um certo Inácio, pai da Dona Biúca. Sr. Inácio
deixou a maior parte das terras a sua filha Domingas Alves
da Silva, a Dona Biuca. Esta por sua vez as repartiu entre
seus filhos: Calixto, Juvenal,
João. Leocádia, Benzino, José Antonio
Alves, Anastácia, Santa, Rita e Heloísa. Alguns
dos filhos de Dona Biúca assinam com o sobrenome “Alves
da Silva”, por parte da mãe, outros assinam com
o sobrenome “Ferreira de Souza” por parte do pai.
A Vila Biuca parece não ter tido uma sina muito diferente
das Comunidades remanescentes de quilombos no que diz respeito
ao acesso a terra. Segundo Anastácia, filha de Dona
Biúca, e portanto neta do Sr. Inácio, seu avô
“deixou muita coisa, o povo foi cercando, tomando”.
Mesmo cerceados de boa parte de suas terras os moradores não
deixaram de se dedicar a agricultura. Normalmente extraíam
gordura de coco macaúba, plantavam feijão e
vendiam um pequeno excedente em Ubaí.
Hoje em dia não se dedicam mais a essas atividades
pois “os pés de coco não querem mais carregar
e já não dão mais tanta gordura”;
o feijão também já não se produz
com tanta fartura já que “no lugar havia água
que saía de umas pedras, atualmente secou tudo”.
Apesar disso a Vila Biuca ainda encanta por suas belezas naturais.
As terras na Vila eram comuns a todos e tanto a produção
quanto o consumo eram coletivos. O pequeno excedente produzido,
principalmente de feijão, era comercializado com o
núcleo urbano mais próximo, Ubaí.
Vila Biuca, traduz o nome de uma das primeiras moradoras da
Comunidade, a Dona Biúca. Dentre as suas filhas não
há como deixar de fazer menção a uma
das mais conhecidas, Santa, mais popularmente chamada de Santa
Bala. A filha mais popular da Dona Biúca gozava de
boa reputação por ser bastante trabalhadeira.
Afetada por problemas mentais chegou a se perder em São
Paulo ficando por mais 4 anos desaparecida. Recolhida por
uma instituição de caridade, foi aos poucos
recobrando a memória dizendo ser de Minas Gerais sendo
transferida para Belo Horizonte, onde um dia se lembrou completamente
de onde era, até ser conduzida de vez para o seu lugar
de origem. Assim como fazia sua mãe, Santa também
vendia feijão, normalmente embalado em garrafas, em
Ubaí. O ato pode ser tomado como símbolo da
integração do mundo dos negros com o dos brancos.
Como não desfrutava plenamente de suas faculdades,
Santa era freqüentemente alvo de vexação
dos moradores, em geral, crianças e adolescentes, que
a aterrorizava e tudo que fazia para se
defender era correr atrás de quem a insultava. Por
muito tempo foi o terror de crianças e adolescentes.
Esta figura inofensiva, jamais foi capaz de fazer mal a alguém
e apesar de todos os problemas que enfrentou, não impediu
que constituísse família, e vivesse hoje na
Vila que leva o nome de sua estimada mãe.
Gerais
Velho
Mesmo
considerando o testemunho do Sr. Joaquim Veloso muito abalizado,
e tomando-o como ponto de partida, aqui se procura sustentar
outros argumentos, sobretudo acerca da formação
do Gerais Velho. Da Vila Biúca, ainda que com algumas
reservas, certas questões possam ser ponderáveis,
concorda-se em essência com os argumentos defendidos
nas memórias, ou seja, de que a Comunidade da Vila
Biuca seja remanescente de escravos. O mesmo não se
pode dizer, exatamente nos mesmos termos, para o caso do Gerais
Velho.
Partindo desse pressuposto, é possível conjeturar
pelo menos duas suposições sobre sua formação.
A primeira delas é a de que a localidade tenha se originado
a partir da própria lei Áurea de 1888, como
se tem dito, pois como é sabido a maioria dos ex-escravos
se recusaram terminantemente a permanecer nas fazendas na
condição de empregados, optando por migrar para
as cidades ou se estabelecerem em áreas rurais distantes
da esfera de influência de algum proprietário.
Outra possibilidade é a de que o local seja uma Comunidade
remanescente de quilombo, ou mocambo, como talvez seja mais
apropriado. Este tipo de agrupamento, que tinha como característica
essencial ser integrado por escravos fugidos, normalmente
se situavam em locais de difícil acesso, o que torna
essa possibilidade um tanto mais provável em razão
do lugar se encontrar numa área abstrusa, de geografia
bastante acidentada. Outro aspecto, que pode reforçar
a possibilidade do Gerais Velho ser remanescente de quilombo
é o próprio comportamento dos seus moradores
em relação as pessoas de vem de fora. Durante
as entrevistas realizadas no ano de 2005, embora acompanhado
de um morador local, os entrevistados se mostraram em princípio
bastante arredios.4
_____________________
4 Aproveito para agradecer o Sr. Cícero que muito
gentilmente me conduziu até a
Comunidade.
____________________
A
formação do Gerais Velho é de difícil
comprovação empírica, e ainda que existam
várias limitações para se asseverar sua
origem, a Comunidade conta com uma marcante expressão
cultural. Uma de suas mais ricas manifestações
é a dança do batuque, vivenciada pelos seus
moradores, também conhecida como dança do “roncôi”.
Em projeto realizado pela Professora de Língua Portuguesa,
Valdenice Freire Rocha junto a Escola Estadual Professora
Hilda Braga, instituição onde leciona, a educadora
realizou uma descrição dessa manifestação,
“O grupo de “Dança do Batuque” é
composto, em média, por 24 (vinte quatro) integrantes,
todos da raça negra, que se reúnem para dançar
ao som do “Roncolho”, instrumento fabricado de
madeira oca, cujo nome é originado do som por ele produzido
que se aproxima de um ronco e ao som de canções
entoadas pelos animadores do grupo.
Para os momentos de apresentação, as mulheres
se vestem com saias compridas e os homens procuram sempre
usar calças largas e camisas de mangas longas.
A “Dança do Batuque” se dá com ligeiros
movimentos e leves toques nos ombros dos parceiros.”
A essas descrições ainda é possível
fazer mais alguns comentários. Nessa dança,
normalmente homens e mulheres vestiam roupas inteiramente
brancas. As mulheres de saia longa e um pano amarrado na cabeça;
os homens de calça folgada e camisas de manga comprida.
Todos de roupas bem soltas para acompanhar o movimento da
dança. Ao som de 2 ou 3 tambores se movimentam em volta
de uma roda. Entoando versos, a dança ainda apresenta
uma linguagem corporal quando dão ligeiros toques nos
ombros uns dos outros.
A dança possui ainda um sentido religioso quando os
moradores se reúnem especialmente para as festas do
mês de agosto. Segundo os praticantes além dessas
ocasiões especiais a dança ainda era realizada
de maneira mais esporádica e espontânea, normalmente
ao cair da tarde, depois de um dia inteiro de trabalho árduo.
O
que embala a todos é o instrumento de fabricação
própria, feito de madeira oca com aproximadamente 1
metro de comprimento e 30 centímetros de circunferência,
tal como um cilindro. Em uma das extremidades é pregado
um couro, normalmente de veado, por ser bem fininho, ou de
boi, quando bem curtido e esticado. No couro é fixado
uma vareta - ligeiramente maior que a madeira - que percor
re todo o interior do tambor. Grosso modo, o formato se assemelha
ao de uma cuíca, porém para tocá-lo é
necessário duas pessoas, uma em cada extremidade. Posiciona-se
o instrumento no chão e para reproduzir seu som ainda
é preciso uma bacia d’água, a fim de auxiliar
um dos percussionistas. Enquanto um deles, montado no instrumento,
rufa o tambor, o outro se posiciona na parte detrás
a puxar a vareta com as mãos molhadas na água
da bacia. Com a emissão de um som que se assemelha
ao de um ronco, daí vem o nome do instrumento, “roncôi”,
por conseguinte o da dança. Embora este seja o nome
mais usual outras designações ainda são
encontradas, como “Dança do batuque” e
“Carneirada”.
Não se deve perceber a dança como um fenômeno
isolado. Ela apresenta pontos em comum com manifestações
correlatas a exemplo do tambor de crioula do Maranhão,
e o jongo do Vale do Paraíba. Seria particularmente
interessante fazer algumas comparações com essas
manifestações, principalmente, em relação
ao tambor de crioula, em que parece apresentar maior proximidade.
A dança mesclava, elementos sagrados, quando era praticada
nas festas religiosas, e profanos, quando praticada também
como entretenimento. Apresentava, desse modo, essas duas faces.
Para se reforçar a idéia do Gerais Velho ter
se formado a partir de escravos provenientes das fazendas
próximas ao rio São Francisco, essa mesma dança
ainda é praticada, mesmo que num sentido mais folclórico,
no município de São Romão. Até
onde as fontes permitem afirmar o mais provável é
que o Gerais seja remanescente de quilombo, formado a partir
de escravos fugidos das fazendas de gado do rio São
Francisco, principalmente das imediações de
São Romão.
Considerações
finais
As
Comunidades aqui tratadas foram absolutamente importantes
para o desenvolvimento do município de Ubaí,
mais especificamente, e para a região, de modo geral,
e é fundamental que sejam estudadas de maneira mais
aprofundada.
A partir das conversas mantidas com os moradores das localidades,
é bem notório que tanto aqueles que residem
no Gerais, quanto na Biuca, serviram de mão-de-obra
barata para os fazendeiros do município e mesmo da
região. Em geral, os homens eram empregados como trabalhadores
braçais na lavoura, ou como peões nas propriedades
do lugar; as mulheres, por sua vez, frequentemente serviam
de domésticas nas casas das famílias mais abastadas,
ou ainda trabalhavam gratuitamente em troca de moradia e estudo.
Tanto num
caso, como noutro serviam como mão-de-obra barata.
Mesmo aqueles que decidiram permanecerem nas Comunidades e
se dedicarem as suas terras - coletivas, em sua maior parte
–, vendiam seus produtos a preços módicos
na cidade. Os moradores mais velhos, quando aposentados, ao
receberem seus salários na única agência
bancária que existe, aproveitavam para comprar no mercado
local aquilo que não produziam em suas terras contribuindo
para incrementar o comércio.
Por todos esses motivos, e por outros que ainda precisam ser
investigados, é que é necessário voltar
um pouco as origens desses dois lugares. Conforme os resultados
apresentados até agora o que se permite considerar
é que a Vila Biúca tenha sido de fato formada
a partir da iniciativa de ex-escravos que partiram das fazendas
de Contendas. Já o caso do Gerais Velho tudo indica
que sua origem se reporta as fazendas próximas ao rio
São Francisco, nomeadamente daquelas situadas no entorno
de São Romão.
Bandinhas
Clarice
Sarmento
Cadeira nº 31
Patrona: Dulce Sarmento
Os
primeiros grupos musicais chamados bandinhas, antecederam
ao Conservatório e foram criados por D. Marina Lorenzo
Fernández, com a finalidade de desenvolver o senso
rítmico de seus alunos de piano, ao mesmo tempo em
que aumentava seus conhecimentos da música brasileira
e do folclore.
Primeira fila: Eleuza Teixeira da Carvalho
- Maria Belmice Sarmento da Silva - Abigail Costa Pereira
-Elizabeth Mesquita - Maria Nereuda da Silva –I ranildes
Cardoso de Oliveira (maninha) - Maria Neida
Mendes. Segunda fila: Heloisa Helena Sarmento - Maria de Lourdes
Versiani Alencar - Izeine Maria
Cardoso de Oliveira - Maria Neide Mendes - Gilda Verônica
de Paula (ausente na foto). Terceira fila
(em pé): Clarice Maciel - Marília Cunha - Selda
Cabral - Maria do Carmo Maciel - Maria das Graças
Dias Alencar - (Greice) - Bernadete Alves de Aguiar - Laura
Gusmão Braga - Maria Aparecida Dias
Alencar - Lídia Pereira - Maria Sheila Pimenta Teles.
Eram
dois grupos: o das mocinhas e o dos rapazinhos. O repertório
do grupo feminino era essencialmente folclórico, de
músicas regionais, acompanhado por dois acordeons,
pandeiros e outros instrumentos de percussão: chocalhos,
triângulo, agogô, pratos, atabaques, bongô
e tarol.
CURUMINS
Este grupo de meninos era mais erudito, pelo repertório
e acompanhamento de piano, instrumentos de percussão
tocados com coreografia e com alguns instrumentos inventados,
como o caso de uma engenhoca percussiva feita a partir de
um penico, criada por Augustão Bala Doce (sua irreverência
já despontava). Tinha também um berimbau, tocado
com coreografia. O grupo chamava-se “Curumins”
Entre as peças apresentadas podem ser citadas:
- Ari Barroso: Aquarela do Brasil
- Zequinha de Abreu: Tico-tico no Fubá, Pintinhos no
Terreiro e
Sururu na Cidade
- Ernesto Nazaré: Apanhei-te cavaquinho e Brejeiro
- Ernesto Lecuona: Malaguenha
- Isaac Albeniz: Astúrias
- Lorenzo Fernandez: Cateretê
Todos os meninos acompanhavam por partituras, nas quais D.
Marina anotava a entrada de cada instrumento.
Apresentávamos em quase todas as festas e reuniões
sociais que aconteciam no “Clube Montes Claros”,
na maioria das vezes. Infelizmente não encontrei nenhuma
foto dos “Curumins”. Faziam parte do grupo: Ricardo
e Eduardo L. Fernandez Silva, Eduardo, Ricardo e Claudio Tupinambá,
José Eymard, Roberto Luiz e Paulo Cesar Oliveira, Carlos
Guilherme, Marcus Alexandre e Augusto Vieira, Artur Ramos
era o Pianista.
Estes grupos faziam o maior sucesso no final dos anos 50 (1958-1959).
Com a saída de muitos para cursar faculdades em Belo
Horizonte, os grupos se desfizeram.
TABATORIBA
Em 1962 é formado outro grupo, desta vez de alunas
do Colégio Imaculada Conceição e, como
os anteriores, sob orientação de D. Marina Lorenzo,
sempre pronta a incentivar e orientar toda iniciativa de âmbito
musical. Chamava-se TABATORIBA (grupo alegre, em Tupi-guarani).
Na revista deste Instituto (vol.V pag. 46), Geralda Magela
Sena, no artigo ”O que será TABATORIBA?”
descreve como foi criada e a atuação desta “bandinha”.
OUTRAS
BANDINHAS:
Em 1964, eu lecionava Educação musical para
as alunas do curso de formação de professoras,
na Escola Normal Oficial de Montes Claros (Somente no ano
de 1968, o nome da escola passaria para Colégio Normal
Estadual Professor Plínio Ribeiro).
As aulas de Educação musical, (três por
semana), eram assim distribuídas: Uma para o repertório
infantil, outra para desenvolvimento teórico (ritmo
e afinação) e uma terceira para História
da Música e Apreciação Musical. Para
as atividades, canto coral e grupos instrumentais, por serem
com alunos selecionados, os ensaios aconteciam em horários
e locais diferentes. Estas atividades não eram remuneradas.
Como minha experiência na bandinha de D. Marina foi
altamente enriquecedora, quis criar uma bandinha também
com minhas alunas do 20 ano normal, no que fui incentivada
e ajudada pela minha mestra, com toda sua criatividade e disponibilidade
em ajudar. O diretor da escola, Dr. Luis Pires, era um grande
entusiasta e dava a maior força às atividades
artísticas.Ensaiávamos
no auditório do Conservatório, fora dos horários
de aula. Fizemos diversas apresentações na Escola,
no Automóvel Clube e no Conservatório.
Na
primeira fila, da esquerda para a direita: Leila Veloso: acordeom
- Tânia Dutra Nicácio: pratos -
Clarice Sarmento: agogô - Terezinha Laughton: pandeiro
- Dorinha Amaral: atabaque - Maria Luisa
Costa (Bisa): Tarol - Iraides Peixoto: acordeon. Segunda fila:
Gerinha Figueiredo: pandeiro - Baby
Figueiredo: pandeiro - Irani Peixoto: tantã - Marília
Ferrante: pandeiro - Fátima Pinheiro: pandeiro
- Rosemary Tófani: pandeiro - Teresa Cristina Oliveira:
bongô. - Maria Tersa Lafetá: afouxê - Silvia
Machado: pandeiro - Cristina Pinto: pandeiro.
Com
o término do ano letivo, tivemos que refazer o grupo
no ano seguinte. Só que, desta vez, participavam alunas
do 10, 20 e 30 anos e sua atividade teve maior duração,
de 1965 a 1966.
Da
esquerda para a direita: Primeira fila (assentadas): Maria
Helena Gonçalves - Terezinha Mary
Parrela Mendes - Maria Dalva Versiani Alencar* - Segunda fila
(em pé): Iris Ferreira Leal - Felicidade
Maria do Patrocínio Oliveira - Regina Maria Malveira
de Sousa - Maria das Mercês Miranda Rocha -
Josefina Emília Amorim Tupinambá. Terceira fila:
Terezinha Ferreira da Silva - Cleuza Coelho Godinho
- Mirtes Margarida Mendes - Vera Lucia Fernandes - Maria Lúcia
dos Anjos Câmara. Quarta fila: Maria
Ondina de Paula - Ruth Alkmim - Lenita Arruda Batista.
Apresentações:
- Auditório do Colégio Normal Oficial
- Salão da Indústria de açúcar-
Presente o Conde de Matarazzo e funcionários da indústria
- Teatro de Ouro Preto
- Festival do Colégio Isabela Hendrix, TV Itacolomi,
recepção na casa do avô de Eleusa Braga
(Belo- Horizonte)
Ficaram hospedados em Belo-Horizonte, na Colônia de
Férias Silla Veloso (SESC). Acompanharam o grupo: Dr.
Hermes de Paula, a professora Cibele Milo, Dona Marina Lorenzo
Fernandez e a professora Clarice Sarmento.
Observação: Estes dados foram coletados por
Maria Dalva Versiani Aguiar, participante do grupo e incansável
na busca de todos os elementos da pesquisa.
BANZÉ
Fundada no Conservatório em 1968, na classe de folclore
da professora Maria José Colares, esta “bandinha”
teve também toda orientação inicial feita
pela professora D. Marina Lorenzo. Sob a coordenação
da professora Maria José Colares e a professora Antonieta
Silvério, participante do grupo, recebeu professores
e membros da comunidade, tornando-se um grupo de grande repercussão
nacional e internacional, recebendo muitos prêmios e
troféus.
Encampado pela UNIMONTES em 1993, continua hoje sua trajetória
de sucessos. (Ver site www.grupobanze.com.br/histórico.htm).
SARUÊ
Também na Unimontes, um grupo sob a orientação
de professores de Educação Física, apresenta
danças com temática folclórica do norte
e nordeste do país e se apresenta em eventos da universidade
e comemorações sociais da cidade e região.
ZABELÊ
Com a saída do grupo Banzé para a UNIMONTES,
foi criado no Conservatório, em 1994, o grupo Zabelê,
sob a coordenação da musicista e professora
de dança folclórica, Maria Lúcia Macedo.
Voltado também para a pesquisa, tem promovido a divulgação
do folclore em todo o território nacional e exterior,
tendo participado de nove festivais internacionais de dança
folclórica em Montes Claros e um em Gravataí
(RS). Participou do X Encuentro Internacional de S. José
(Uruguai) e tem um CD gravado com as músicas que apresenta.
Está em plena atividade e tem alcançado grande
sucesso.
FITAS
Fundado em 2005, na Fundação Cultural Marina
Lorenzo Fernândez, sob a direção de Ênio
Telles, é um grupo bastante apreciado, tendo se apresentado
em numerosas cidades da região. Participou dos festivais
internacionais de dança folclórica em S. Bernardo
do Campo (2008), no Peru (2009) em Recife(2011) e já
tem agendadas apresentações em Belo Horizonte
e no festival do Rio Grande do Sul (2012). Hoje está
sob a direção de Marco Aurélio Dumont.
Ver Site www.fitasgrupo.com.br.
Estes grupos divulgaram o nosso folclore regional, projetaram
Montes Claros no cenário artístico nacional
e internacional, alegraram reuniões e atividades culturais.
O Zabelê, o Banzé, o Saruê e o Fitas, hoje
em plena atividade, são motivo de orgulho para a “Cidade
da Arte e da Cultura”, difundindo nosso folclore e destacando
nossa região.
In
Memoriam
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nº 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
“A morte vem de manso, em dia
incerto e fecha os olhos dos que têm mais
sono...”.
(Alphonsus de Guimaraens – ossa mea, i.)
Escreveu Lean Cocteau que “o verdadeiro túmulo
dos mortos não é o cemitério, mais o
coração esquecediço dos vivos”,por
isso, há de se lembrar deles por uma eternidade. O
nosso Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, com apenas seis anos de existência já
contabilizou, com muita tristeza, oito baixas no seu quadro
de sócios efetivos. Agora, num esforço hercúleo
para não ultrapassar os limites da emoção,
estamos relembrando os seus nomes, que ajudaram a escrever
a história no nosso Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros e que agora estão no plano superior.
Todos eles foram possuidores de elevada cultura e merecedores
das homenagens, com méritos, que hoje estamos fazendo
para publicação na Revista do Instituto. Vejamos
então: João Botelho Neto, Adhebal Murta de Almeida,
Reivaldo Simões de Souza Canela, Olyntho Oliveira da
Silveira, Necésio der Morais, Reginauro Rodrigues da
Silva, Maria Fernanda Reis Monteiro e Brito Ramos e Ajax Amaral
Tolentino.
João Botelho Neto nasceu no dia 31 de outubro de 1932,
filho de José (Zezé) Botelho e de dona Emília
Neves Botelho, na cidade de São Francisco/MG e faleceu
em Montes Claros no dia primeiro de novembro de 2007. Segundo
o nosso confrade Haroldo Lívio, o saudoso João
Botelho estava concluindo o seu trabalho de pesquisa sobre
o Rio São Francisco. Era, também, membro da
Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco.
“Sua alma partiu para a Eternidade, no dia de todos
os santos. E seu corpo desceu ao jazigo, no dia de todos os
finados”. No IHGMC ocupava a Cadeira 37 que tem como
patrono Francisco Barbosa Cursino (Atual ocupante: Jussara
Veloso Ferreira Antunes).
Adhebal Murta de Almeida nasceu em Rubelita/MG,
aos 8 de maio de 1921 e morreu no dia 8 de maio de 2008. Ele
era filho de Adhemar de Almeida e de dona Emília de
Almeida Miranda. Foi vigário nas cidades de Monte Azul,
Brasília de Minas, Bocaiúva e Montes Claros.
Pertence à Ordem dos Premonstratenses, tendo realizado
o curso de Filosofia Pura, em São Paulo. Dirigiu o
Colégio Brasil, em Ervália/MG e o Colégio
São Norberto, em Montes Claros no decorrer de 32 anos.
Membro da Academia Montesclarense de Letras e da Academia
de Letras, Ciências e Artes do São Francisco.
Escreveu várias crônicas nos jornais de Montes
Claros. No IHGMC ele ocupava a Cadeira 99, que tem como patrono
Waldemar Versiani dos Anjos (vaga)
Reivaldo Simões de Souza Canela, poeta
(sonetista) e escritor. Era filho de Cândido Simões
Canela e de dona Laurinda Prates, nasceu no dia 31 de julho
de 1933. Era membro da Academia Montesclarense de Letras e
foi eleito para a Academia de Letras, Ciências e Artes
do São Francisco, que não chegou a tomar posse.
Aluno brilhante do curso de Direito pela Unimontes e gostava
de escrever crônicas para o Jornal de Notícias,
no Suplemento Mulher. Deixou publicado o seu livro de crônicas
“Menino Pescador”. Morreu no dia 22 de outubro
de 2008. Sobre Reivaldo, escreveu Wanderlino Arruda: “Nobre
Reivaldo Canela, os que viveram próximo a você
e todos nós, companheiros e amigos, continuaremos por
aqui vivendo e saudando-o mais do que calorosamente. Você
foi sempre amado e admirado. E árvore plantada com
amor, nenhum vento derruba. N em mesmo num grave momento de
despedida”. No IHGMC ele ocupava a Cadeira 21, que tem
como patrono Cândido Canela (Atual ocupante: Terezinha
Gomes Pires).
Olyntho Oliveira da Silveira nasceu em Brejo
das Almas no dia 25 de agosto de 1909. Era filho de Jacinto
Alves da Silveira e de dona Maria Luiza de Araújo da
Silveira. Escreveu, em parceria com a esposa Yvonne de Oliveira
Silveira, o livro “Brejo das Almas”. Ainda escreveu
“Cantos e Desencantos”, “Minha Terra e a
nossa História”, “Postais versificados”,
“O Filho da Enfermeira” entre outros. Era membro
da Academia Montesclarense de Letras, da Academia Municipalista
de Letras de Minas Gerais. Escreveu nos jornais de Montes
Claros. No IHGMC ele ocupava a Cadeira 50, que tem como patrono
Jair Oliveira (Atual ocupante: Délio Pinheiro Neto)
Necésio Velloso de Morais nasceu no
ano de 1922 na cidade de Pedra Azul/MG, que antes chamava
Fortaleza e morreu em Montes Claros aos 22 de agosto de 2010
quando a cidade que tanto amou e honrou estava em festa, louvando
o Espírito Santo, São Benedito e Nossa Senhora
do Rosário. “Era uma enciclopédia viva.
Era um contador de histórias, um Forrest Gump norte-mineiro,
que destilava sabedoria auxiliada por sua memória infalível
por datas, fatos, nomes e pessoas” (Blog de Flávio
Colares) No IHGMC ele ocupava a Cadeira 58, que tem como patrono
o poeta seresteiro João Souto (Atual ocupante: Maria
Ângela Figueiredo Braga).
Reginauro Rodrigues da Silva nasceu na cidade
de Almenara/ MG, no dia 18 de janeiro de 1950. Ele era filho
de Rebeldino Gomes da Silva e de dona Laura Rodrigues da Silva.
Fez o curdo de Direito na Unimontes. “Como teatrólogo
Reginauro Silva ajudou a divulgar a arte de representar e
brindou Montes Claros com um de seus textos mais criativos,
uma homenagem à cidade que tanto amou. “Montes
Claros, a formiga que queria ser cidade e virou Princesa”.
Também é de sua lavra a peça “Seu
marido sabe que você tem outro homem?”, primeiro
trabalho do ator gurutubano Jackson Antunes, antes de estrear
na Rede Globo de Televisão” (Blog A Província).
Morreu no dia 21 de maio de 2012. No IHGMC ele ocupava a Cadeira
11 que tem como patrono Ary Oliveira (vaga).
Maria Fernanda Reis Monteiro e Brito Ramos
nasceu em Nova Friburgo, Estado do Rio de Janeiro e muito
jovem ainda foi morar em Portugal. Casada com Arthur Loureiro
Ramos o casal veio residir em Montes Claros. Conforme carta
patente do presidente português, Mário Soares,
dona Fernanda Ramos foi nomeada Cônsul Honorária
de Portugal em Montes Claros. Ela era membro da Academia Municipalista
de Belo Horizonte e presidente honorária do Elos Clube
de Montes Claros. Morreu dona Fernanda Ramos no dia 25 de
junho de 2010, em Belo Horizonte. Em artigo publicado na Revista
do IHGMC, disse a nossa confreira Felicidade Patrocínio
que “tudo isto e mais que sei dela me causa incontida
admiração, mas o que mais me encanta é
quando ela deixa escapar o seu jeito de menina grande, não
escondendo franqueza nem verdade, enquanto lhe transbordam,
ainda, graça, força e determinação”.
No IHGMC ela ocupava a Cadeira 49 que tem como patrona a Irmã
Beata. (vaga).
Ajax Amaral Tolentino nasceu na cidade
de Riacho dos Machados no dia 4 de setembro de 1940 e morreu
em Montes Claros no dia 25 de julho de 2012. Ele era filho
de Walduque Soares do Amaral e de dona (...). Fez o curso
de Direito na Unimontes. Escreveu os romances “Amor
Cigano” e “Na Terra do Pequi” e, ainda,
participou da Antologia Poética do “Psiu Poético
2010 – Cinepoesia” com três poemas. No IHGMC
ele ocupava a Cadeira 22, que tem como patrono Carlos Gomes
da Mota e como sua fundadora a professora Ligia dos Anjos
Braga. (vaga)
Todas as nossas anotações se referem num momento
de saudade, gratidão e de respeito profundo às
reminiscências dos nossos sócios falecidos. Numa
certa ocasião o nosso saudoso confrade João
Guimarães Rosa, com a sua inspiração
poética à flor da pele, nos disse com muita
propriedade que as pessoas não morrem, elas ficam encantadas.
O presidente francês François Miterrand, por
sua vez, disse no leito de morte que ele não temia
morrer, mas sentia pena de deixar de viver.
Livros consultados
Poetas Ilustres – Dário Teixeira Cotrim;
Revistas do IHGMC (os volumes I a VIII);
Os Blogs: “Flávio Colares”, “A Província”
e “O Norte”;
Antologia da Academia Montesclarense de Letras - Volume II;
Na Terra do Pequi – Ajax Amaral Tolentino.
Um
jeito novo de comemorar
Felicidade Patrocínio
Cadeira nº 20
Patrono: Camilo Prates
Ficará marcada de forma indelével na memória
do povo simples
de Serra Nova e adjacências, a festa que a família
Silveira, mais especificamente, os irmãos Patrocínios
fizeram para comemorar o centenário de nascimento do
seu patriarca Dário Dias Silveira.
Tudo começou em Agosto de 2009, quando José
do Patrocínio,
em gozo de férias do Senado, há muito vencidas
e postergadas e movido pelas impressões de um sonho
que tivera com o seu falecido pai, viaja até Serra
Nova, “distrito anexado ao município de Rio Pardo
de Minas, localizado entre os vales do Jequitinhonha e do
São Francisco, abrigando hoje o Parque Serra Nova que
acolhe um braço da Serra do Espinhaço com extensão
de quase 50 mil hectares, vários rios e cachoeiras,
de 1.455 metros de altitude.” Ali mesmo, onde se inicia
o famoso romance “Grande Sertão Veredas,”
de Guimarães Rosa, onde, de acordo com pesquisas do
historiador Dário Cotrim e informações
passadas pela população mais antiga da vila,
aconteceu a passagem dos revoltosos da coluna Prestes. Ali,
José, na companhia da esposa e irmãs Márcia
e Felicidade Patrocínio, inicia os preparativos de
uma grande festa para o ano seguinte em comemoração
ao centenário do seu pai, nascido naquele povoado.
Todos os seus irmãos e descendentes, residentes nos
quatro cantos do país, aderiram. Daí nasceu
um programa de festa diferente, baseado na lembrança
dos benefícios que Dário, grande benfeitor do
lugar, sempre oferecera à vila e a seus pobres moradores,
mesmo residindo na distante Montes Claros. E o trabalho começou
através de contatos com autoridades próximas
e distantes, reivindicações de melhorias das
vias de acesso ao distrito, terraplanagem e compactação
das ruas do povoado, construção da praça
central em redor da igreja, passarelas, meios fios, restauração
e pintura da grande escola de 1° e 2° graus que abriga
500 alunos da região. Aquilo que José não
conseguiu das autoridades, resolveu fazer às próprias
expensas: ampliação da igreja, construção
da torre do campanário, restauração do
grande sino de bronze e muito mais. Durante um ano de idas
e vindas, José e familiares, apoiados por parentes
residentes em Rio Pardo, de maneira especial pela tia Nenzinha,
a mais idosa dos Silveira, cuidaram dos preparativos.
Nos dias 13, 14, e 15 de Agosto de 2010, durante a novena
em homenagem à santa padroeira N. Sra. do Patrocínio,
aquela que Dário homenageou, estendendo o nome aos
filhos, Serra Nova conheceu um novo modo de festejar a gratidão
por um homem exemplar e pai extremoso. A todo instante, foguetes
pipocavam anunciando a chegada dos Silveira, vindos de toda
parte do Brasil. Eram carros, carrões, ônibus,
adentrando as vielas do lugarejo com pessoas alegres e felizes
saudando o chão da ancestralidade.
Pelas ruas da vila, atendendo à solicitação
do irmão José, a escultora Felicidade Patrocínio,
filha de Dário, pregava placas artísticas de
cerâmica indicativas dos nomes e, na praça da
igreja, confeccionou um artístico chafariz que agora
oferece beleza e água à população.
Via-se também, plantando árvores, Sebastião
Patrocínio, outro filho de Dário que chegara
mais cedo e arborizava toda a vila com as 130 mudas de árvores
selecionadas e retiradas do seu viveiro de Brasília.
Na
Sexta-feira à tarde, no ginásio coberto da escola,
iniciou-se a programação oficial com o lançamento
do livro editado pela família contendo artigos de todos
os filhos do homenageado, pesquisas e redações
selecionadas dos alunos e professores da escola, sobre Serra
Nova e o cidadão Dário. O Coral da Serra, composto
de alunos da mesma escola, ensaiado por Márcia Patrocínio,
professora de música em Visconde de Mauá (RJ),
apresentou lindas músicas. Discursos eloquentes se
fizeram ouvir pelos organizadores do livro, José e
Roberto Patrocínio, pelo ex-senador que veio do Tocantins,
Carlos Patrocínio, todos filhos de Dário, pelas
autoridades de Rio Pardo, inclusive seu prefeito. Logo após,
o historiador Dário Cotrim fez palestra apresentando
o resultado da sua pesquisa sobre a história do lugar.
Presentes, estavam quase toda a população e
a Silveirada.
O ex-senador Carlos Patrocínio discursando
na inauguração do busto de seu pai,
Dário Dias Silveira, escultura de autoria da filha,
Felicidade Patrocínio
À
noite, após os ritos religiosos, foram comemorados
com trufas e guaranás, os aniversários da semana.
Na madrugada de sábado, todos acordaram ao som dos
foguetes e da alvorada; uma multidão se juntou aos
músicos e cantores nas ruas e após foi servido
um lauto café comunitário. A seguir, e novamente
no ginásio da escola, os presentes participaram de
um show com os artistas Ruy Tupinambá e Eliana Delfino,
cujo roteiro valorizava mensagens educativas e éticas,
seguido de um gostoso almoço comunitário.
À tarde, causou impacto a beleza da cavalgada, cuja
chegada de 150 cavaleiros mostravam blusas estampadas com
fotos da santa padroeira e a efígie do homenageado.
Junto ao ritmo cadenciado do trote dos cavalos, ouviam-se
vivas a Dário Silveira, no som tonitruante das vozes
masculinas. A seguir, as rezas, como nos relatos de Guimarães
Rosa, tudo cantado e comentado no linguajar puro, devoto e
espontâneo do povo nativo. E então, o levantamento
do mastro.
A inauguração do busto de Dário Silveira,
esculpido em bronze
sobre um elegante socle de granito preto, que o José
encomendara a sua irmã Felicidade, foi precedida pelo
show pirotécnico que desenhou formas inusitadas e coloriu
o escuro céu sobre as montanhas, causando verdadeiro
êxtase na grande multidão que viera de todos
os arredores. Apresentou-se então a folia de reis,
tradição preservada por grupo de músicos
e senhoras de Rio Pardo e após esta, o show com cantores
e bailarinas de fora, contratados pelo festeiro, no grande
palco armado na praça. Foi necessário ao José,
entre outras providências, encomendar, a preço
de ouro, geradores de energia para a iluminação
feérica que possibilitou os festejos.
Descendentes
de Dário Dias Silveira em volta do seu busto de bronze
inaugurado na praça de Serra Nova
Assim
amanheceu o Domingo com missa, coroação da santa
na
praça, por anjos ricamente vestidos seguida da procissão
que finalizou os ritos da devoção. Tudo foi
acompanhado pelo farto pipocar de foguetes executados por
Lourival e Donério, também filhos de Dário.
A confraternização entre os Silveira foi efetiva
e profunda, pois estavam presentes todos os ramos da família
da matriarca Felicidade Silveira, a mãe de Dário.
Lá estavam os descendentes, em várias gerações
dos filhos de Dário e dos seus irmãos, Durvalina,
Arlindo e Donério.
Antes de terminar a festa, as irmãs Márcia,
Zélia, Graça (filhas do homenageado) e o primo
Zé Cícero Silveira, distribuíram 60 cestas
básicas de alimentação completas, assim
como 60 caixas com utensílios de casa e objetos pessoais,
doadas às famílias mais carentes do lugar.
Assim, felizes e já saudosos, nutridos pelo amor e
pelas sementes das suas raízes, foram todos se despedindo
e tomando os rumos de volta para casa. Então vi que
o José estava em paz. Ao retribuir, através
de significativo tributo, o amor do seu pai por sua família,
por aquela terra e por aquela gente, permitira que nós,
seus irmãos, também nos redimíssemos
nesse resgate. Emocionada com tudo isso, deixei rolar algumas
lágrimas, percebendo mais uma vez, que se quisermos
e fizermos, o mundo pode ser melhorado, bastando para isso,
vivificar com um “sopro” o amor que dorme em nossas
sombras.
Centenário
de Jader Figueiredo
Haroldo Lívio
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana
Há
precisamente oitenta anos atrás, no ano de 1932, um
jovem montes- clarense de vinte anos, quase adolescente, alistou-se
para combater os paulistas na Revolução Constitucionalista.
Pena que ele tenha escolhido a bandeira errada, porque os
sediciosos de São Paulo estavam lutando por um ideal
democrático, porém o espírito da mineiridade
falou mais alto e o fez envergar o uniforme da Força
Pública de Minas Gerais. Por seu grau de instrução
de ex-aluno do célebre Gymnazio Leopoldinense, recebeu
a patente provisória de 2º Tenente e partiu para
a frente de combate comandando um pelotão. Participou
de escaramuças, no teatro de operações,
até que veio a celebração do armistício,
com a rendição dos bravos paulistas que clamavam
pela convocação de uma constituinte. Após
o cessar-fogo, o tenente Jader foi designado governador militar
da cidade de Leme, então ocupada por tropas mineiras.
Ocupou a prefeitura e passou a administrar o município,
sem contar com o apoio da população, que o rejeitava.
No começo da interventoria, mal podia sair à
rua, pois os moradores, humilhados com a presença do
inimigo, batiam as janelas à passagem do governador
militar que, habilmente, encontrou meios para aproximá-lo
dos cidadãos lemenses. Tomou gosto pela administração
municipal e deixou marcos de sua passagem pelo governo, ao
fim do qual conseguiu efetivar diversos melhoramentos urbanos.
Conquistou,
finalmente, a simpatia da cidade inteira, tanto que ao encerrar
seu período deixou Leme debaixo dos aplausos da cidadania
agradecida, que compareceu maciçamente ao seu embarque
de volta para casa. Quem praticou esta proeza política
foi um garoto de vinte anos, mal despertado para a vida.
Jader Dias de Figueiredo, o tenente de que falamos, faleceu
há
dez anos e nasceu há cem anos, no dia 15 de março
de 1912. Poucos montes-clarenses amaram o seu berço
com a mesma intensidade que ele o amou. Ele era apaixonado
por sua terra natal, sendo capaz até de violência
para beneficiá-la, como o fez quando obteve de JK,
seu grande amigo e confidente, a transferência da diretoria
da Comissão do Vale do São Francisco (hoje Codevasf)
de Pirapora, na beira do rio, para Montes Claros, no seco.
Por estas e outras, sempre que surgia uma empreitada difícil,
tipo missão impossível, lembravam-se de confiá-la
ao comando de Jader Figueiredo, tido como o homem
providencial e capaz de operar milagres em situações
aflitivas.
Por ocasião do rumoroso crime passional do Hotel Trampolim,
no Rio de Janeiro, em 1953, envolvendo o pecuarista João
Alencar Athayde em duplo homicídio, Jader comandou
uma força-tarefa de homens destemidos dispostos a correr
perigo em defesa do amigo em apuros, ferido e exposto à
sanha dos colegas das vítimas, dois policiais civis.
Não só garantiu a integridade física
do pecuarista, com seus fieis escudeiros, como também
teve participação primordial na coordenação
da defesa do réu em juízo, sendo um dos artífices
da estruturação da tese de legítima defesa,
que foi admitida na sentença de impronúncia
que dispensou o júri popular, isentando-o de culpa.
O criminalista Sobral Pinto, patrono da causa, tornou-se grande
admirador da inteligência e da habilidade diplomática
do montes-clarense, lamentando que não fosse advogado.
Engano do mestre, pois o nosso personagem já tivera
experiência de advogado criminal, em tempos idos, na
comarca de Coração de Jesus, quando o juiz o
nomeava defensor dativo do réu pobre que não
dispusesse de recursos para contratar advogado. E diplomata,
representando o Brasil, ele o foi também em 1956, chefiando
a delegação brasileira em um congresso iberoamericano
de municípios, em Madri. Esteve em Roma e foi recebido
pelo Papa Pio XII, em audiência especial na residência
de verão de Castel Gandolfo. Voltou de lá com
a bênção apostólica do sumo pontífice,
mas não mudou nada por este motivo. Continuou vivendo
como gostava de viver e achava que valia a pena viver.
Foi
vereador, foi deputado, foi nomeado secretário de administração
pelo governador Bias Fortes e não quis tomar posse.
Passou bom período morando só em uma ilha fluvial,
observando a natureza e refletindo. Quem poderia entender
o que passava por sua cabeça de elevado QI. Contudo,
foi o norte-mineiro mais bem relacionado na vida pública
nacional, depois do ministro Francisco Sá, não
resta a menor dúvida. Esteve bem próximo de
Juscelino, de Jango, de Santiago Dantas, de Tancredo Neves,
mas nada pleiteou para si desfrutando da intimidade dos poderosos.
Gostava da tranquilidade, do pôquer com os amigos, de
recordar os bons tempos do cassino da Pampulha, onde deslizava
pelos salões ao som caribenho da orquestra Lecuona
Cuban Boys, quando o jogo era livre; das partidas no Clube
Montes Claros e no Automóvel Clube de Belo Horizonte.
Na Capital, ele e Hermenegildo Chaves, o Monzeca, depois de
fechado o clube e já nos primeiros albores da manhã,
iam para o Mercado Central comer feijoada e matar saudades
de Montes Claros.
Jader não envelheceu esquecido num canto, embora quase
não
saísse. Tinha a casa sempre cheia de amigos e recebia
o afeto da família, que não lhe faltou. Sua
cidade, por projeto da vereadora Fátima Pereira, destinou
seu nome à rua situada na lateral esquerda da Codevasf,
em agradecimento pelos serviços prestados, faltando
apenas colocar a placa. Solenemente, com fogos e banda de
música, como manda o figurino.
Quem
foi Joaquim Nagô?
Itamaury Teles de Oliveira
Cadeira nº 84
Patrono: Newton Prates
Joaquim
Nagô
Andei
à procura do meu chapéu Panamá desaparecido,
inclusive por meio de crônica, no jornal e na internet.
Solidários, leitores sugeriram que me apegasse a São
Longuinho - dando três pulinhos - que eu o encontraria.
Todavia, preferi mesmo foi invocar o Joaquim Nagô, conhecidíssimo
em Montes Claros, onde inaugurara o cadafalso, na antiga Rua
da Forca.
Fiz apenas pedido mental, sem balbuciar coisa alguma. Sem
rezas ou velas acesas, por não me ser agradável
o cheiro de parafina queimada...
Acredite
quem quiser, mas o meu chapéu foi re-encontrado no
dia seguinte. Atribuí o achado ao Joaquim Nagô,
em nova crônica. Mas ficou no ar a curiosidade popular
sobre quem fora
ele, principalmente entre os não nascidos em Montes
Claros.
Joaquim Nagô - ou Joaquim Africano - era um jovem escravo,
natural de Nagô, na África, que fora condenado
à forca por um crime que não cometera.
Ele foi acusado de haver assassinado, a 22 de abril de 1835,
Joaquim Antunes de Oliveira, em São José do
Gorutuba. A acusação baseou-se estritamente
em provas testemunhais, “por ouvir dizer”. Ao
longo do processo, praticamente fora seu único defensor,
negando a autoria do crime. O julgamento, por júri
popular, o condenou à “pena de morte natural
por enforcamento”, o que foi confirmado pelo Regente,
em nome do Imperador. Em 26 de março de 1836, ordenou
a execução do réu “com as solenidades
de estilo”.
Em patíbulo montado nas cercanias do atual Café
Galo, seu enforcamento não foi fácil. Segundo
relato do historiado Nelson Vianna, em seu livro “Serões
Montesclarenses”, a corda se partira duas vezes. A sentença
de morte só foi cumprida, pelo famoso carrasco Fortunato
José, depois de utilizado forte laço de couro
trançado e ensebado, que Francisco Xavier do Ó,
conhecido por Xico do Ó, cidadão que assistia
à cena, buscara em sua casa.
Embora os assistentes pedissem clemência para o réu,
o escravo Joaquim jazeu dependurado pelo pescoço. Isso
aconteceu em 30 de maio de 1836...
Muitos anos depois, em Diamantina, um tropeiro agonizante
confessa a autoria do crime atribuído a Joaquim Nagô:
a morte de Joaquim Antunes, na vila de São José
do Gorutuba (atual distrito de Porteirinha).
Para o historiador Hermes de Paula, em seu livro “Montes
Claros: sua história, sua gente, seus costumes”,
Joaquim Nagô “não chega a ser um santo
completo com poderes de realizar milagres, atos sobrenaturais.
Contudo, sua alma se purificou, tornou-se acessível,
capaz de ouvir e atender às donas de casa em pequenas
aflições, como achar uma agulha ou tesoura perdida,
abrandar tempestades, chegando às vezes a intervir
em acontecimentos graves, sempre ligados à esfera doméstica.
Com uma auréola de semi-santidade e protetor dos aflitos,
é conhecido e respeitado; há casa onde a sua
devoção chega às raias da impertinência
- dez vezes por dia “pegam” com a alma de Joaquim
Nagô, quase sem motivo - acostumaram-se a lhe dar serviço.”
Agora,
Virgínia de Paula, filha do historiador, pesquisa para
saber onde Joaquim Nagô fora sepultado. Segundo já
apurou, teria sido em antigo cemitério onde hoje se
situa o bairro Delfino Magalhães, que seria exclusivo
para a última morada de escravos. Mas muito longe do
centro da então Vila de Montes Claros de Formigas,
no entorno da Praça da Matriz.
Sabe-se que havia cemitério mais próximo, na
Malhada das Almas, onde a Catedral de Nossa Senhora Aparecida
foi posteriormente erguida, no início do século
passado. Acho mais plausível tenha sido ali a última
morada do semissanto Joaquim Nagô, que, ainda hoje,
inspira a devoção de muitos montes-clarenses...
A
Revista do Instituto
Ivana Ferrante Rebello e Almeida
Cadeira nº 56
Patrono: João Luiz Lafetá
O
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
fundado em 27 de dezembro de 2006, vem cumprindo seu papel
de difundir, entre os filhos de Montes Claros e de toda a
região norte mineira, valores, conhecimentos e matérias
circunscritos ao patrimônio histórico, artístico
e cultural regionais. E a empreitada não configura
trabalho de pouca monta: requer pesquisa, dedicação
e idealismo dos seus membros. Estes, reunidos pelo amor à
cultura e dotados do espírito de doação,
acreditam na educação como princípio
norteador dos valores maiores e creditam ao conhecimento a
respeito de seu lugar de origem e dos homens que o fizeram
as bases para as conquistas futuras. Na vida cultural brasileira,
o papel desempenhado pelos Institutos Históricos e
Geográficos foi determinante para descobrir valores
e cristalizar bens imateriais.
Esta nona edição da Revista do IHGMC vem consolidar
uma
publicação semestral de artigos, ensaios e textos
opinativos, todos pautados pela vocação cultural
e pela ambição de lutar em prol da preservação
dos patrimônios culturais de uma região sabidamente
esquecida do estado de Minas Gerais.
Os “Gerais” mineiros, boa parte do que compõe
o Sertão imortalizado por Guimarães Rosa, até
pouco tempo eram tidos como terra de excentricidades (refiro-me
ao sentido lato do termo), de violências, de atraso
e pobreza cultural. Não é. No local onde existiam
os fazendões de gado - e a despeito da ausência
das políticas públicas, que ignoraram durante
anos essa parcela do Estado - vigorou um povo forte e trabalhador
e uma cultura rica e diversificada. A língua, substrato
do processo inventivo de que se municiou Guimarães
Rosa para escrever seus livros, ficou aqui conservada como
nos tempos da colonização, diferenciando-se,
portanto, do falar de qualquer outra parte do Brasil. Petrônio
Braz, escritor e pesquisador, registra em seu livro, O Léxico
Barranqueiro, incontáveis verbetes desse falar sertanejo.
Essa é uma prova de que a idealização
e a constituição de um Instituto Histórico
e Geográfico da região eram mais que necessárias.
O
IHGMC veio cumprir uma lacuna entre as associações
e academias existentes nesses Gerais mineiros. E esta publicação
vem resgatar um desejo natural de promover valores e bens
que o tempo, naturalmente, concorre para corroer. A escrita
destes artigos representa uma luta contrária ao poder
destruidor do tempo, imortalizando, pelas letras, as histórias
e personalidades que constituem a identidade do nosso povo.
E essa razão já é suficiente para recomendar
a leitura da revista que ora se apresenta.
A despeito de não se constituir uma publicação
científica, no que tange à formatação
e à proposta, trata-se, entretanto, de um periódico
cuja natureza é, sim, investigativa, e cumpre bem seu
papel de divulgar nomes, lugares, valores e fatos que constituem
a formação do sertanejo. Trata-se, portanto,
de matéria de ciência, mas contém, especificamente,
o saber e o saber da nossa gente.
Isabel
Rebello de Paula, a mulher
que sonhou a Unimontes
Ivana Ferrante Rebello
Cadeira nº 56
Patrono: João Luiz Lafetá
RESUMO:
Este trabalho é fruto de uma entrevista concedida a
mim por Isabel Rebello de Paula. A intenção
era redescobrir os movimentos fundadores da então Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras do Norte de Minas, a
FAFIL, matriz da Universidade Estadual de Montes Claros. Na
ocasião, a entrevistada disponibilizou para leitura
e reprodução os arquivos pessoais, guardados
com inegável desvelo, nos quais encontrei dados constantes
desse texto. Além de desvelar os trâmites do
nascimento da Unimontes, encontrei uma História, ainda
encoberta que identificava o pioneirismo e a luta de um grupo
de mulheres, responsável pelos novos rumos culturais
da região norte mineira. Palavras- chave: Isabel Rebello,
Fafil, História, Unimontes.
Nos cento e vinte mil quilômetros quadrados do sertão
mineiro,
então chamado “polígono da secas”,
numa área correspondente a 1/5 do território
de Minas Gerais, havia 57 estabelecimentos de ensino de nível
médio, que atendia uma população de mais
de um milhão de habitantes. Os poucos que conseguiam
terminar os estudos ficavam paralisados, impotentes para vencer
as distâncias de todos os níveis que delegava
ao sertão norte- mineiro o atraso e o esquecimento.
Entre os poucos afortunados que saíam em busca de aprimoramento
em nível superior, muitos desistiam, vencidos pelas
dificuldades advindas, em sua maioria, da posição
marginal do estado em relação às políticas
públicas. Outros se deixavam ficar nos grandes centros,
atraídos pelas oportunidades das metrópoles.
Entre os 57 estabelecimentos de ensino, 97% eram de iniciativa
particular, o que testemunhava o olhar preguiçoso do
estado em relação aos Gerais Mineiros. O berro
do boi e o braço forte do sertanejo marcavam o compasso
da vida.
Montes Claros de 1961 contava com pouco mais de 70.000 habitantes.
Era uma cidade de ares interioranos, como uma menina vestida
de chita, sertaneja em tudo, escondida entre montanhas, afastada
dos grandes centros, cuja economia desenvolvia-se basicamente
em torno da pecuária de corte. Mas era uma cidade com
pretensões de ser grande. Na cidade norte-mineira fervilhava
um espírito de luta e destemor, espírito acolhedor
de tantos quantos aqui chegassem, com mãos fortes de
fazer e ideias de construir.
No entanto, a cidade de Montes Claros tinha a vocação
do ensino, conforme testemunha a professora Isabel Rebello
de Paula, em artigo antológico do nº 1, da revista
Vínculo, que até hoje é publicada no
Departamento de Comunicação e Letras da Universidade
Estadual de Montes Claros.(5) Em tal artigo, a historiadora
Isabel Rebello registra que a Montes Claros daquele tempo
já contava com um terço de sua população
em bancos escolares. E era a localidade que mais comprava
livros entre todas as cidades interioranas de Minas Gerais.
Mas a terra fértil, o clima e a tradição,
que vinculava a cidade aos Currais de Gado da província
de Pernambuco, já tinham desenhado as linhas gerais
de uma história que só seria modificada porque
uma mulher ousou sonhar.
Nesse aspecto, ressalte-se que a História que conhecemos,
e que habitualmente encontramos nos manuais de História,
foi escrita pelos homens, sobretudo a história dos
Gerais mineiros, consolidada num patriarcado feroz e numa
ferrenha luta pelo poder travada entre coroneis e jagunços.
A mulher, conforme os poucos registros documentais e uma ainda
incipiente historiografia literária da região,
ficava confinada no espaço doméstico e na tarefa
de procriar e criar a prole, quase sempre numerosa, que lhe
cabia.
Na década de sessenta do século XX, esse modelo
social pouco se tinha alterado na cidade de Montes Claros,
sobretudo se considerarmos a escassez de escolas e as raras
oportunidades que se abriam aos jovens. Profissionalmente,
era aceitável que a mulher se constituísse como
professora, mas, então, a figura da mestra escolar
pouco se diferia do modelo da mãe abnegada, o que nos
leva a crer que o magistério era pouco mais que a extensão
do próprio lar.
________________
5
A revista Vínculo, Ano I, nº 1, foi publicada
em março de 1973. Sua diretora e fundadora foi Isabel
Rebello de Paula.
______________________
Nesse
quadro, em que o ritmo da vida muito se assemelhava ao celebrado
por Drummond em “Cidadezinha Qualquer”, uma mulher
ousou sonhar e a História de Montes Claros, a partir
daquele sonho, efetivamente mudou.
Tal registro importa por duas razões: primeiramente
pela tendência cada vez maior de se retomar os documentos
do passado, procurando neles as marcas de silenciamento e
as rasuras impostas pelas interdições e pela
censura. A voz de muitas mulheres desbravadoras, corajosas
e atuantes começa a surgir desses guardados e redesenha
outros traços constituintes de novas identidades e
de novas relações sociais. O que se tem descoberto
é que o papel da mulher foi mais expressivo e forte
do que originalmente se supôs. A outra razão
é que os estudos atuais possibilitam a oitiva de outra
História - dessa vez, contada por mãos de mulher.
Assim, para corrigir uma lacuna da História que conhecemos
e para ser justa com a memória dos homens e mulheres
montes-clarenses é que retomo a gênese da Universidade
Estadual de Montes Claros, para onde confluem tantos nomes,
tantos esforços conjuntos e o ideal comum de se fundar
uma instituição de ensino superior em Montes
Claros.
Era uma pequena cidade sertaneja que abrigava grandes mulheres.
E entre essas mulheres destaca-se uma jovem, seus vinte e
poucos anos, seus livros, seus ideais, sua coragem. Essa jovenzinha
era Isabel Lafetá Rebello, que cursava o último
ano de História, na Universidade de Minas Gerais, em
Belo Horizonte. Era o ano de 1961, aproximavam-se as férias
escolares, o caminho de volta a Montes Claros parecia traçado,
mas Isabel lança a Maria Dalva Dias, então cursando
Geografia na mesma instituição, a pergunta decisiva:
E se fundássemos uma faculdade de Filosofia em Montes
Claros?
A hipótese, lançada ao ar, ganhou força
e ares de realização. Juntaram-se as duas em
conversação com o fundador da Faculdade de Filosofia
da UMG, Professor Tabajara Pedroso, para saberem da viabilidade
da ideia. Essa conversa - cujo teor somou entusiasmo e advertências
acerca das inúmeras dificuldades que encontrariam,
selou os rumos daquela ideia, que, naquele momento, já
se tinha convertido em ideal, propósito e projeto.
Havia
uma manifestação, sob forma de lei estadual,
que “criava” a Universidade Norte Mineira e estabelecia,
em seu artigo 9º, que as primeiras unidades a se implantarem
na região seriam uma Escola de Agronomia e Veterinária
e um Instituto Superior de Pesquisas da Região. O interesse
do legislador, coerente com a vocação agropecuária
da região, não encontraria ressonância
entre os nascidos em Montes Claros.
Em 30 de julho de 1962, no auditório do Colégio
Imaculada Conceição, o professor Zair de Carvalho
Rocha, representando o então governador do Estado,
Magalhães Pinto, procedeu à “instalação”
da universidade. Era pretensão de o governo convocar
a população local para uma espécie de
“esforço de guerra”, pois caberia à
dita população sustentar essa universidade que
lhe fora outorgada por Lei. O resultado é que a sonhada
empreitada entrou num estágio de desânimo, descrédito,
até chegar à “desativação”.
Eis por que aquela pergunta lançada por Isabel Rebello
à colega Maria Dalva Dias de Paula iria encontrar em
solo montes-clarense outro propósito para florescer.
Isabel acreditava firmemente que formar educadores seria o
passo prioritário para colocar a pequena cidade de
Montes Claros no caminho do desenvolvimento e do progresso.
Em palestras, conversas e entrevistas feitas por Isabel a
boa semente seria lançada e ganharia adeptos. Montes
Claros tinha fome de saber. Estava lançada a pedra
fundamental, em cujas bases se construiria a Unimontes.
Isabel Rebello e Maria Dalva Dias reuniram, em Montes Claros,
um grupo de mulheres entusiastas, afeitas à educação,
idealistas, corajosas, movidas pela inquietude de realizar.
Esse Grupo Fundador era formado por Isabel Rebello, Maria
Dalva Dias, Maria Florinda Ribeiro Marques, Maria da Consolação
Figueiredo, Maria Isabel Figueiredo Sobreira. Formaram-se,
a partir daí, várias comissões de trabalho,
unidas pelo mesmo ideal. Em 2 de agosto de 1963, a Fundação
Educacional Luiz de Paula (FELP) encampou a luta que se travava
e abraçou o ideal da constituição de
uma escola de ensino superior em Montes Claros. Estavam presentes
os senhores Luiz de Paula Ferreira, José Monteiro Fonseca,
José Carlos Lafetá, Simeão Ribeiro Pires,
Alberto Celestino Ferreira, José Lopes de Oliveira,
João Valle Maurício, Francisco Antônio
Oliveira e Genésio da Costa Zuba. Esses senhores, ouvindo
o apelo daquele grupo de mulheres, engajaram-se na luta estabelecida
para viabilizar a primeira instituição de ensino
superior de Montes Claros. Tais foram as pioneiras daquele
ato fundador: Isabel Rebello, Maria Dalva Dias, Maria Florinda
Ramos, Heloísa Veloso dos Anjos, Maria Isabel Magalhães
Figueiredo, Yêdde Ribeiro Christova, Maria da Consolação
de Magalhães Figueiredo, Marlene Veloso Pereira, Maria
de Lourdes Santos Zuba, Glacira Guimarães Mendes e
Maria Jacy Ribeiro. Na ocasião, constituiu-se uma Diretoria
Provisória, formada pelos componentes do grupo de trabalho
que vinha atuando juntamente com a FELP, tendo a professora
Isabel Rebelo na presidência. Em 19 de setembro do mesmo
ano, a FELP encaminhou expediente à Diretoria de Ensino
Superior do Ministério da Educação e
Cultura comunicando a criação da Faculdade.
Nesse ato, também se nomearam as comissões de
trabalho, que assim se estabeleceram: Comissão de Documentação
da Entidade Mantenedora: Dr. Luiz de Paula Ferreira, Conselho
Curador e Conselho Diretor da FELP; Comissão de Elaboração
do Regimento Interno: Florinda Ramos Peres, Maria Dalva Dias
e Isabel Rebello; Comissão de Organização
Didática: Isabel Rebello, Maria Dalva Dias, Maria Isabel
Figueiredo e Maria da Consolação Figueiredo;
Comissão de Documentação do Corpo
Docente: Isabel Rebello e Geraldo Lafetá Rebello.(6)
A ideia de Isabel Rebello de Paula ganhava, dessa forma, força
documental e registro definitivo. Em outubro de 1963, a Diretora
Executiva da FELP, Isabel Rebello, esteve no comando do Curso
Preparatório, destinado a aqueles que desejassem prestar
o concurso de habilitação para o ingresso na
recém-criada faculdade. No mês de dezembro, foram
aprovados o Regimento Interno e a Organização
Didática da Faculdade, que se iniciaria com os cursos
de Letras, Geografia, História e Pedagogia. Em 1964,
as salas de aula, que então funcionavam nas dependências
do Colégio Imaculada Conceição, abriam-se
para acolher os primeiros alunos. Esse foi o ano de batismo
da Fundação Universidade Norte Mineira; esse
foi a marco fundador da UNIMONTES.
A instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras do Norte de Minas Gerais surgiu das bases, refletia
o anseio e a coragem das suas jovens idealizadoras e o inconformismo
de uma região cujo destino parecia ser o da marginalidade
e da pobreza. O esforço empreendedor de tantos quantos
se uniram para sua criação, manutenção
e viabilidade, reflete bem a força do sertanejo, quando
se trata de resolver problemas.
Em 12 de outubro de 1964, chega a Montes Claros, atendendo
convite da Faculdade de Filosofia do Norte de Minas, o professor
Joseph Damien Saunal, catedrático da Sourbone, e então
adido à Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas
Gerais. As conferências proferidas na ocasião
- com temas que versavam sobre Chateaubriand e a Independência
do Brasil, Camus e A Peste - atraíram um grupo ávido
por debates intelectuais, causando no professor visitante
vívida impressão. Em entrevista ao Diário
de Montes Claros, o professor Saunal declara o que hoje se
configura como predição: “O desenvolvimento
intelectual da cidade vai fazer de Montes Claros a capital
intelectual do Norte de Minas.” 7
____________________________
6 - Os dados constam da Ata de Fundação da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras do Norte de Minas. Arquivo
pessoal de Isabel Rebello de Paula.
7
- A entrevista pode ser lida na íntegra no Diário
de Montes Claros, Ano III, nº 349, de 13 de outubro de
1963, p.1. Esse jornal, bem como outros documentos relativos
à fundação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras do Norte de Minas (FAFIL), fazem parte
do arquivo pessoal de Isabel Rebello de Paula.
____________________________
Isabel
Rebello de Paula foi Professora de História na FAFIL;
fundadora da revista Vínculo; Vice-diretora da FUNM,
presidente da Comissão Técnica De Concursos,
chefe do Departamento de Ciências Humanas da FAFIL,
Fundadora e coordenadora do centro de Estudos Históricos
da FAFIL, Diretora Executiva da Fundação Educacional
Luiz de Paula, Co-fundadora e primeira diretora da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Montes Claros. Essa
filha de Montes Claros, nascida na família de Jayme
Rebello e de Dolores Lafetá Rebello, tem-se destacado
por sua inteligência, sua elegância natural, sua
discrição. Multiplicou-se em muitas mulheres,
cumprindo um destino tradicional a todas nós.
A
História, escrita por mãos de mulher, dá
curso a uma necessidade de se recuperar, por entre a corrosão
natural do tempo, os vestígios da presença da
mulher norte- mineira na construção de uma cidade
que, doravante, encontraria outro curso. Desnecessário
é lembrar a influência e participação
da Unimontes na economia, no ensino e na cultura local. Estendendo-se
a várias localidades circunvizinhas, a Universidade
Estadual de Montes Claros alcança proporções
talvez não imaginadas por aquele Grupo Fundador, constituído
de mulheres. Se a bota do tropeiro e a “precata”
do sertanejo pisaram o barro, lutaram contra os desafios da
seca e conquistaram as terras, foi pela voz e pelo movimento
inquieto da mulher que a cidade sertaneja expandiu sua cultura.
Um rio nasce pequenino por entre as pedras da montanha. Mas
ele irrompe com força por sobre os obstáculos
do caminho, abrindo espaço entre montanhas, rodeando
pedras e lajedos, descendo montanhas, alimentando-se das águas
de outros rios para ir mais longe, cumprir seu destino de
ser parte do mar. Esse rio nasceu há muito tempo, no
coração de uma jovem mulher. Nasceu como ideia,
cresceu como vocação e cumpriu seu destino natural
de provocar os lugares enrijecidos, amealhar riquezas, desbravar
territórios do saber. Esse rio tinha o nome de progresso,
alimentou-se do trabalho e do sonho de muitos, mas teve uma
mãe.
Isabel Rebello de Paula foi a mulher que sonhou a primeira
instituição de ensino superior para Montes Claros,
que deu origem à Universidade Estadual de Montes Claros.
REFERÊNCIAS
Ata de Fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras do Norte de Minas. Montes Claros, 2 de agosto, 1963.
Diário de Montes Claros. Montes Claros, 13 de outubro
de 1964. Ano III, nº 349, p. 1.
REBELLO, Isabel. “Pequena resenha histórica da
Fafil”. Revista Vínculo, 1973, p. 9-12.
REBELLO, Isabel. “FAFIL: seus ideais, seu compromisso,
suas necessidades, seus valores.” Revista Vínculo,
1987, p. 9-18.
Coisas
do passado V
Juvenal Caldeira Durães
Cadeira nº 81
Patrono: Nathércio França
Na
década de trinta, o ensino era acanhado e fora do alcance
das classes menos privilegiadas. O curso primário na
cidade de Montes Claros resumia em poucos estabelecimentos.
Na zona rural, era precário, ministrado em casas inadequadas
e mantido pelos moradores. O ensino secundário era
raro, e o superior não existia na nossa região.
De modo geral, a educação era deficiente e de
difícil acesso. Só os afortunados tinham oportunidades
de fazer os seus primeiros estudos aqui, para depois continuar
com cursos superiores nos grandes centros.
Com o passar do tempo, as coisas foram evoluindo e o ensino
também, mas a passos lentos. Em 1955, ao terminar o
1º grau em Londrina, regressei à cidade de Montes
Claros com o propósito de matricular-me no curso científico
(2º grau). Para a minha surpresa, esse curso não
existia na nossa região. Apenas funcionava o curso
normal no Colégio Imaculada e na Escola Normal. No
Instituto Norte Mineiro, era ministrado o curso técnico
de contabilidade.
Juntei-me a um grupo de jovens amotinados que também,
pleiteava o curso científico e fomos para as ruas,
para a Escola Normal e às casas de políticos
atrás de soluções para o funcionamento
do referido curso. O tempo passava, as promessas tornavam-se
vazias e a nossa pressão aumentava, até que
o bondoso bispo D. José Alves Trindade resolveu o problema
com a instalação provisória do curso
no Colégio Imaculada com anuência das irmãs,
enquanto preparava o Colégio Diocesano para nos receber
e dar continuidade as nossas pretensões.
Destacaram como alunos pioneiros do curso cientifico em Montes
Claros: Délcio Gonçalves (líder do movimento),
Franklim Santos, Juvenal Caldeira Durães, Antálcidas
Drumond, Cícero Medeiros, Célio Dourado, Homero
Meira, Lúcio Benquerer, João Élcio Rocha,
Bernardo, Celso, Paulo Ponciano, Cláudio Pereira, Marlene
Veloso, Dulce Mendes Cardoso, Maria Zoé, Miriam Dalva,
Ione Ribeiro, Juracy Sena, Mário Vasconcelos, Humberto
Queiroz e outros.
Como professores colaboradores do curso: Engº Dr. João
Antônio Pimenta de Carvalho, Dentista Dr. Fábio
de Castro, Monsenhor Gustavo de Souza, Pe. Joaquim Cesário
de Macedo, Pe. Paulo Pimenta de Carvalho, Pe. Stanislau, Irmã
Branca, Irmã Galgânia, Irmã de Lourdes,
Irmã Nina, Engº Dr. Américo, Farmacêutica
Santinha Dias, Dentista Dr. Francolino Santos e outros, profissionais
liberais e religiosos de boa vontade. Profissionais do Ensino:
Professor de História Pedro Santana e a Professora
de Filosofia e Espanhol Maria de Lourdes Freitas.
O tempo passou, Montes Claros cresceu e o Ensino não
ficou para trás. Acompanhou o efervescente crescimento
da cidade, levando-a à categoria de centro universitário
e de cidade pólo do rincão Norte Mineiro. Hoje,
contamos com uma universidade estadual que vi nascer, crescer
e amadurecer. Além de várias faculdades particulares,
cursos pré-vestibulares, colégios de 1º
e 2º graus.
Venho
seguindo e participando da evolução e trajetória
do Ensino no Norte de Minas. No período de 1955/57,
fui aluno do curso científico. No curso superior, participei
desde seus primórdios na década de 60, como
aluno das primeiras turmas dos cursos de Pedagogia em 1964
e de Matemática em 1968. Como professor de Matemática
e Física (Reg. da CADES/MEC) a partir de 1957, chefe
de departamento de Matemática, vice-diretor por várias
ocasiões e como diretor do Centro de Ciências
Humanas/CCH./UNIMONTES até 1997, com a aposentadoria.
Baseado nessa vivência desde 1955 no meio educacional,
pensei produzir um histórico detalhado sobre o assunto,
mas como o espaço é curto, tratarei apenas de
alguns detalhes, aparentemente simples, mas imprescindíveis
à história do Ensino em geral, a partir de 1958
e a dos 50 anos da UNIMONTES, por ter servido de sustentáculos
nos bastidores dos colégios e do moroso e penoso trabalho
de implantação da FUNM, por pessoas abnegadas
e devotadas ao bem comum.
Além
dos professores pioneiros do curso científico, acima
citados, enumeramos os principais professores que compunham
o corpo docente da Escola Normal Oficial (Efetivos da Congregação
e contratados):
Português: Márcio Aguiar, Rosita Aquino, Eloísa
Neto, Tereza Barbosa; Matemática: João de Almeida
Filho, Waldir Rametta, Juvenal Caldeira Durães, José
Carlos Callado, Alcides de Carvalho e Rosa Terezinha Durães;
Latim: José Amâncio; Francês: Terezinha
Guimarães;
Inglês: Jane Crosland Guimarães, Edmundo Andrade
Santos;
Ciências: Francolino Santos, Aloísio Pimenta;
Geografia: Francolino Santos, Neize Melo Franco e Neuza Maciel;
História: Pedro Santana, Neide Melo Franco;
Desenho e Artes: Zorilda Madureira e D. Taúde ( também
diretora);
Música: D. Dulce Sarmento e Clarice Sarmento;
Educação Física: Naide Veloso, Piloto
e Lígia Dias;
Biologia: Luiz Pires;
Química: Simeão Ribeiro;
Magistério Primário: Heloísa Sarmento,
Terezinha Pimenta e outros.
Em 1962, a saudosa Escola Estadual Oficial foi transferida
do velho casarão da rua Cel. Celestino nº 75 para
o novo e suntuoso prédio que levou o nome de seu benfeitor
Dr. Plínio Ribeiro, possibilitando a ampliação
de turmas e a admissão de novos professores para atender
ao crescimento e ao curso científico implantado.
A congregação dos “intocáveis”
da velha Escola Normal foi democratizada e acessível
a todos os professores concursados, mudando profundamente
a sua filosofia e passando a funcionar com mais 4000 alunos.
A nova denominação de “Escola Estadual
Prof. Plínio Ribeiro /EEPPR”, não mudou
o habitual e tradicional nível elevado de ensino do
educandário até pouco tempo, caindo com a defasagem
óbvia proveniente das medidas governamentais, apesar
do empenho
e qualificação superior dos professores.
O ensino superior começou com a eficaz e valiosa atuação
do
deputado Cícero Drumont junto às autoridades
governamentais em prol da criação da FUNM em
1962, sendo transformada em 1990 em “Universidade Estadual
de Montes Claros/UNIMONTES”.
Não
podemos esquecer do movimento e empenho das incansáveis
“meninas loucas” como disse a professora e escritora
Yvonne Silveira num de seus discursos em referências
às recém-formadas em Educação
na capital Belo Horizonte, que regressaram à nossa
terra com o propósito de lutar para a criação
do ensino superior que, até então, não
passava de um sonho dos norte-mineiros. Esse grupo de revolucionárias
formadas pelas irmãs gêmeas Mary e Baby Figueiredo,
Florinda Ramos, Dalva Dias, Isabel Rabelo, diretora dos primeiros
cursos com início em 1964 nas dependências do
Colégio Imaculada: Português, Geografia, História
e Pedagogia, do qual tive a honra de ser aluno ao lado de
uma elite pensante que esperava por uma oportunidade para
desabrochar seus conhecimentos acumulados pelas experiências
vividas, como a escritora Maria Pires, a famosa diretora educacional
D. América Nogueira, D. Elisa Pires e outras personalidades
de mesmo nível e com suas situações profissionais
definidas.
Posteriormente o grupo foi reforçado para manter os
cursos com eficiência, com a chegada de Glacira Mendes,
Maria de Lourdes Freitas e Sônia de Quadros, também
formadas nas faculdades de Belo Horizonte e, ainda aproveitaram
intelectuais, profissionais liberais e religiosos de notório
saber, para completar o corpo docente para aprimoramento e
crescimento da Instituição criando novos cursos,
como o de Matemática em 1968, criado por empenho dos
professores leigos de Matemática, junto a então
diretora Sônia de Quadros. O companheiro do movimento
Wandaik Wanderley foi designado para intermediar e trazer
o Prof. Francisco Basto Gil de São João Del
Rey para dar início ao curso. Os 64 aprovados no vestibular
formaram duas turmas, porém, só 16 alunos chegaram
ao final em 1971. No ano seguinte eu, José Soares e
Rosa Terezinha P. Durães fomos aproveitados pela FUNM
como professores de Matemática, Física e Estatística
respectivamente. Tempo depois, fui eleito vice-diretor da
FAFIL na chapa da Profª. D. Lourdes Ribeiro e depois
eleito diretor do Centro de Ciências Humanas UNIMONTES/(CCH),
tendo como vice a eficiente e zelosa Profª. Maria Aparecida
e a colaboração de Josy e Marta Aurora Mota,
até a minha aposentadoria em 1997.
Não
podemos esquecer, também, dos dirigentes, professores,
funcionários que se destacaram pela eficiência
e trabalho honesto, como: Antônio Jorge, sua esposa
Zinda, vindos de BH para reforço do ensino e, mais
tarde, nossos ex-alunos egressos dos cursos, passaram a assumir
às lides da Instituição com eficiência,
na posição de funcionários zelosos, professores
competentes e até alcançando altos cargos da
administração e do magistério, como:
Rosina Nuzzi, Dilma Mourão, Ruth Tolentino, Rosa Terezinha
Paixão Durães, José Soares, Rosivaldo,
Édson, João Barbosa, Rômulo, Sebastião
Alves, Luiz Ribeiro, Benedito Said, Otávio Braga, Humberto
Veloso, Cibele Veloso Milo, Maria Luiza Silveira e também,
o pessoal das secretarias e dos serviços gerais e,
outros de igual valor, tornando a UNIMONTES, orgulho do norte
de Minas e cartão postal de Montes Claros.
Como nada é de graça, esses acontecimentos não
caíram das nuvens, tiveram início com o trabalho
incansável do laborioso Dr. Hermes de Paula, respaldado
pela assessora Adélia Miranda (“Eterna Secretária
da FAFIL”), do dinâmico Dr. Mário Ribeiro
e outros de mesma estirpe e importância para a comunidade
universitária. Devemos ainda, destacar com justiça,
como bem-feitor o Dr. João Vale Maurício, que
usando sua visão de administrador perspicaz escolheu
e adquiriu da Mitra Diocesana o lugar adequado e estratégico
para a implantação da então FUNM, dando-a
estabilidade e condições de crescimento ininterrupto
e definido, para que o seus sucessores, Dr. Raimundo Avelar
e Dr. José Geraldo de Freitas Drumond, também
de tino administrativo refinado, pudesse fazer, com eficiência
e brilhantismo o seu trabalho, apoiado por assessores e funcionários
abnegados, legando à Instituição estruturas
sólidas com a implantação de modelos
novos de departamentos funcionais, sem esquecer do crescimento
físico com construções modernas e práticas
para o enriquecimento do patrimônio da comunidade universitária
e bem estar de seus usuários. Não descuidou
da expansão de centros e cursos, levando-os às
cidades vizinhas para o desenvolvimento regional da educação,
além de proporcionar a comodidade dos estudantes norte
mineiros, evitando-lhes “do vai e vem” das viagens
penosas, para receber aulas distantes de seus domicílios,
diariamente. Tenho o prazer de dizer, que de certo modo e
modestamente, participei desse movimento efervescente e edificante
do Reitor Dr. José Geraldo de Freitas Drumond, como
professor de Matemática e diretor do CCH e, ainda do
processo de implantação e da direção
do primeiro centro criado, para funcionar na cidade de Januária.
Enfim, foi um período de gestação salutar
para criar e solidificar um trabalho, com o propósito
de preparar a UNIMONTES para o bem comum e para e continuidade
tranquila das administrações de seus sucessores.
Nessa jornada, sem intenção de promover-me,
mas, a bem da verdade, eu assisti e participei dos avanços
do Ensino em Montes Claros irmanados com companheiros entusiastas
e de espírito solidário, todavia não
faltaram as dificuldades naturais de bastidores geradas por
circunstâncias diversas e por alguns elementos de difícil
relacionamento que, às vezes, dificultavam e até
desestabilizavam o trabalho sério das pessoas no cumprimento
de seus deveres. Contudo, os frutos vieram e vingaram para
o bem geral. O trabalho em grupo nem sempre é fácil.
Precisa paciência e sabedoria como lidar com as intempéries
da vida, para realizar metas e alcançar objetivos almejados
em prol da sociedade.
Muitos fatos ainda serão contados e outras pessoas
de peso aparecerão como protagonistas dos acontecimentos
no cenário educacional, como os atuais dirigentes da
UNIMONTES, o Reitor Dr. João Canela e a Vice-Reitora
Profª. Maria Ivete Soares Almeida que, com a paciência
e competência que lhes são peculiares, continuarão,
com suas valorosas equipes de colaboradores, o progresso desse
patrimônio cultural em benefício do povo de Montes
Claros e do Norte de Minas.
O
10º Batalhão na mudança da Capital
Federal
Lázaro Francisco Sena
Cadeira nº 04
Patrono: Des. Antônio Augusto Veloso
O
10º Batalhão participou ativamente da operação
de transferência da Capital brasileira, da cidade do
Rio de Janeiro para Brasília, dia 21-04-1960, com a
missão de “vigiar e manter a segurança
dos pontos importantes” da então BR-7, rodovia
Belo Horizonte-Brasília, “ tendo-se em vista
a possibilidade de sabotagem, com o fim de dificultar o êxito
daquele histórico empreendimento” . Além
disso, os policiais-militares ali empregados tinham por dever
“orientar os transeuntes, prestando-lhes todas as informações
solicitadas, bem como socorrer as vítimas de acidentes
verificados nas proximidades de seus postos”. O Batalhão
era comandado pelo TenCel Armindo Pereira Fernandes, tendo
como Sub Cmt o Maj Aderbal Correa da Silva.
Através da “Ordem de Serviço Nº 1”,
de 12 de abril de l960, foram empregados 94 (noventa e quatro)
homens, cerca de 20% (vinte por cento) do total da Unidade,
acampados ao longo da rodovia, no período de 17 a 22
daquele mês, distribuídos nos seguintes setores
e postos de sentinela:
- 1º Setor, com sede em João Pinheiro, sob o comando
do Cap
Geraldo Tito Silveira, auxiliado pelo 3º Sgt Celso Fernandes
de Souza, compreendendo 10 (dez) postos, cada um deles ocupado
por 1Cb e 4 Sd, nas seguintes localidades:
-
P 01, ponte sobre o rio Curral das Éguas, Km 172;
- P 02, ponte sobre o rio Abaeté, Km 178;
- P 03, ponte sobre o rio Santo Antônio, Km 212;
- P 04, ponte sobre o ribeirão Facão, Km 221;
- P 05, ponte sobre o córrego João Fernandes,
Km 230;
- P 06, ponte sobre o Ribeirão das Almas, Km 234;
- P 07, ponte sobre o Rio do Sono, Km 248;
- P 08, ponte sobre o córrego Taquara, Km 254;
- P 09, ponte sobre o Rio da Prata, Km 305;
- P 10, ponte sobre o córrego Poções,
Km 314;
-
2º Setor, com sede em Paracatu, sob o comando do 1º
Ten Idimar Vilas Boas, auxiliado pelo 3º sgt Albertino
Pereira de Souza, compreendendo 5 (cinco) postos, nas seguintes
localidades:
- P 11, ponte sobre o córrego Extreminho, Km 319;
- P 12, ponte sobre o rio Escuro, Km 332;
- P 13, ponte sobre o córrego Rico, Km 341;
- P 14, ponte sobre o córrego Fecha-Mão, Km
353;
- P 15, ponte sobre o rio São Marcos, Km 403.
Os
serviços de almoxarifado e aprovisionadoria estiveram
a cargo do 2º TenAdm Agostinho Geraldo de Melo, auxiliado
pelo 3º Sgt Antônio Lopes dos Santos. Informa-se
que os Oficiais e Sargentos foram armados de revólver
calibre .45 e os Cabos e
Soldados com fuzil. Foram previstas 5 (cinco) viaturas: um
jipe, uma caminhonete e três caminhões, sendo
que o Batalhão dispunha apenas do jipe e dois caminhões,
solicitando-se, “por
empréstimo”, um caminhão FNM do DNOCS
e uma caminhonete do DER, com os respectivos motoristas.
TenCel Geraldo Tito Silveira,
Comandou a operação, quando era Capitão
Passados
52 (cinquenta e dois) anos daquela operação,
podemos comentar alguns detalhes do emprego do Batalhão
naquele evento de cunho nacional. Convém registrar
que muitos participantes daquele trabalho já são
falecidos, inclusive o seu comandante, o então Capitão
Geraldo Tito Silveira. Outros, todavia, ainda estão
entre nós, citando-se alguns deles, com as graduações
que detinham na oportunidade:
1º TenIdimar Vilas Boas;
3º Sgt Celso Fernandes de Souza;
Sd Adão Geraldo de Faria;
Sd Ulisses Ribeiro dos Santos;
Sd Elesbão Camilo da Hora e
Sd Vicente de Abreu Moreira.
O Batalhão tinha, na época, estrutura e preparo
essencialmente militares, o que aparece bem caracterizado
no armamento (revólver calibre .45 e fuzil 7mm), no
uniforme (de campanha) e nos equipamentos. Destaque para a
precariedade
e impropriedade dos veículos usados no transporte do
pessoal, em carroçaria de caminhões sem ao menos
uma cobertura de lona, como faziam os “romeiros”
para Bom Jesus da Lapa, na Bahia, sem falar da situação
das estradas até o local da operação,
todas sem asfalto e cheias de buracos. Outro aspecto negativo,
a olhos de hoje, é a ausência total deumesquema
de comunicações, não só entre
a sede do Batalhão e o comando da tropa empenhada,
como também entre as frações distribuídas
pelos diversos postos; predominava o sistema de mensageiro,
embora já existisse comunicação via rádio,
mas a Polícia Militar não dispunha dos aparelhos
necessários. Em síntese, nem parece que a operação
foi realizada pelomesmoBatalhão que hoje conhecemos,
ali mesmo no “coração” de Minas
Gerais, há tão pouco tempo decorrido. Nenhuma
dificuldade, todavia, era impedimento para um perfeito cumprimento
da missão, pois tudo era compensado pela estrita observância
da hierarquia e da disciplina.
Buscando testemunhar os fatos com depoimentos atuais, entrevistamos
o 2º Tenente Vicente de Abreu Moreira, do Quadro de Oficiais
da Reserva, popularmente conhecido como Tenente Macarrão,
que participou da operação como Soldado.
2º Ten Vicente de Abreu Moreira
Veja
as perguntas e respostas aqui formuladas:
1ª - Você se recorda da operação?
Lembra-se de algum fato em especial?
Respondeu que se lembra perfeitamente da operação,
inclusive de que o seu posto de serviço foi na ponte
do rio São Marcos, na divisa dos municípios
de Paracatu-MGe Cristalina-GO. Alguns acontecimentos ainda
permanecem em sua memória, mas destaca o defeito apresentado
pelo caminhão em que viajava, que “pifou”
exatamente sobre os trilhos da estrada de ferro, na passagem
da cidade de Várzea da Palma, onde ficaram por cerca
de seis horas, até que a viatura fosse consertada.
Outra situação de que ainda se recorda foi a
dificuldade para receber alimentação no local
de trabalho, ao ponto de passar fome, até a chegada
das marmitas de campanha, com a “bóia”
totalmente fria. Outro fato interessante de que se lembra
foi da preleção preparatória do comandante
do Batalhão, antes da partida da tropa, recomendando
expressamente que todo mundo deveria levar uma “muda”
de roupa limpa.
2ª - Como foi o deslocamento da tropa até o local
da operação? Disse que a tropa foi transportada
em dois caminhões velhos, que nem bancos de madeira
possuíam, sendo que os PM sentavam-se no fundo da carroçaria
e se seguravam em cordas amarradas de lado a lado. Seguiram
por estradas de terra, passando por Jequitaí, Várzea
da Palma e Pirapora, onde cruzaram o Rio São Francisco,
pela ponte de ferro, até Buritizeiro, daí seguindo
até a rodovia Belo Horizonte/ Brasília, no local
denominado Trevo JK.
3ª - Qual foi o serviço efetivamente executado
pela PM ?
Afirmou que cada posto de serviço era ocupado por uma
equipe de um Cabo e quatro Soldados, que ali permaneceram
acampados durante a operação. O Cabo e o Soldado
mais antigo se revezavam no comando, enquanto os três
Soldados mais modernos se revezavam na sentinela, cumprindo
duas horas de guarda por quatro de descanso, em turnos sucessivos.
O Soldado de guarda ficava sobre a ponte, de fuzil com baioneta
“calada”, passando de um lado para o outro periodicamente,
com a arma em posição de combate.
4ª - Como foi o trânsito na rodovia naqueles dias?
Disse que o trânsito foi bastante intenso, com destino
a Brasília, com muitos ônibus e caminhões
nos dias anteriores e, na véspera, muitos carros, inclusive
de placas oficiais do Rio de Janeiro. Ressaltou que a estrada
já era toda asfaltada e não houve notícia
de acidentes ou socorro a veículos enguiçados.
5ª - Houve algum problema de segurança, de qualquer
ordem,
durante a operação?
Não se lembra de qualquer alteração da
ordem pública no local
da operação. A preocupação principal
era evitar a prática de atos de sabotagem para destruir
as pontes da rodovia, por parte de minorias insatisfeitas
com a mudança da Capital, ou simplesmente para perturbar
a ordem pública e o governo constituído.
6ª - O que comentavam os Soldados, entre si, sobre a
operação e a própria mudança da
Capital?
Não havia comentários maldosos ou jocosos entre
os Soldados,
mesmo porque a tropa ficou dispersa ao longo da rodovia. Por
outro lado, prevalecia o espírito de hierarquia e disciplina,
evitando-se qualquer comentário que pudesse influenciar
negativamente o sentido da operação.
Minha
história com a Unimontes
Maria da Glória Caxito Mameluque
Cadeira nº 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza
Era
o ano de 1973. Eu acabara de chegar de São Francisco,
onde meu marido tinha sido Prefeito até janeiro daquele
ano. Anteriormente ele ocupava o cargo de Diretor Comercial
da Companhia de Navegação do São Francisco,
em Pirapora e já havia sido Prefeito daquela cidade,
de 1963 a 1965. Tínhamos muitas mordomias e o cargo
era bem remunerado. Mas eis que uma noite chega à nossa
casa uma caravana de homens de São Francisco, sob a
direção de Petrônio Braz, convidando,
ou melhor, convocando meu marido para voltar e candidatar-se
novamente para um período de dois anos (1971 e 1972).
Para tanto, ele teria que desligar-se do cargo ocupado para
candidatar-se. Foi uma reviravolta em nossa vida: novamente
campanha política, desassossego e toda sorte de acontecimentos
que uma política do interior carrega.
Relutei muito, mas ao final, não houve jeito. Mesmo
contra a minha vontade, tive de acompanhar meu marido, com
uma promessa que, se saísse vitorioso, assim que terminasse
a gestão, nos mudaríamos para outra cidade para
começar de novo.
Assim aconteceu: vitória nas urnas, período
tumultuado, muitas cobranças, pois em dois anos, pouco
se pode fazer. Mas dentro do possível, muito foi feito.
Terminado o mandato, estávamos sem emprego, sem economias
e com quatro filhos pequenos. Era preciso recomeçar
do nada. Decidimos mudar para Montes Claros, pois eu era funcionária
da Coletoria Estadual e consegui uma transferência.
A cidade nos oferecia mais oportunidades de estudos para nossos
filhos, de vez que em São Francisco só havia
o ensino fundamental, antigo ginasial.
Em pleno carnaval de 1973, colocamos nossa bagagem em cima
de um caminhão e aportamos em Montes Claros, numa casa
que alugamos na Ovídio de Abreu. Os meninos foram estudar
no Grupo Escolar Armênio Veloso bem perto da nossa casa.
Apenas o mais velho, Gustavo, que já concluira o 4º
ano primário, foi matriculado no Colégio Marista,
e posteriormente no Colégio Polivalente, onde todos
foram estudar depois.
Os primeiros tempos foram difíceis. Pedro viajava todas
as semanas para São Francisco, para advogar, recuperando
seus antigos clientes e eu, na Superintendência Regional
da Fazenda, em dois expedientes.Mas nada como o tempo para
ir acomodando as coisas.
Nessa época meu salário era pouco mais que o
salário mínimo e eu percebi que para melhorar
minha situação funcional (cargo em comissão)
era exigido o curso de Direito, Economia ou Administração.
Eu tinha o curso de Enfermagem, que abandonei quando me casei,
por falta de oportunidade de trabalho nessa área, que
na época não era tão valorizado, como
é hoje.
Aproximava-se o vestibular e impulsionada por meu marido que
me incentivou, decidi fazer inscrição para o
curso de Direito na antiga FADIR, depois transformada e agregada
na UNIMONTES.
Foi uma correria, pois trabalhando o dia todo e com quatro
filhos ainda pequenos, quase não tinha tempo para estudar.
Preparei-me sozinha, com o programa, no pouco tempo que me
sobrava. Estudei muito e logrei o segundo lugar no vestibular
daquele ano, para o Curso de Direito.
Tivemos um trote interessante: pintaram o nosso cabelo, louro
de um lado apenas ( o direito) e fizemos uma passeata na rua
até à porta do Fórum. Tudo muito civilizado
e ordeiro.
Começou a minha maratona: trabalhava em dois expedientes,
na Rua Cel. Joaquim Costa. Saía às seis horas
da tarde, corria à minha casa na Ovídio de Abreu,
para conferir se os meninos tinham feito os deveres de casa
e saía novamente para a Faculdade, que ficava no casarão
do fundo da Matriz, pois a aula começava às
sete e dez. Ter minada a aula, ia novamente para casa, percorrendo
a Rua Dr.Santos até à altura da Praça
Cel.Ribeiro e dali prosseguia, passando pela antiga rodoviária
até chegar em casa, o que acontecia lá pela
onze horas ou mais. Todo esse percurso de ida e volta, era
feito a pé.
Como morávamos em casa de aluguel e o proprietário
pediu a
casa, tivemos que procurar outra e minha escolha caiu em alguma,
mesmo que velha e com pouco conforto, nas imediações
da Faculdade, para facilitar minha vida. Fomos morar então
na Rua Gonçalves Figueira, nos últimos dois
anos de Faculdade, de onde eu ouvia a sirene para o começo
das aulas e para onde eu ia, quando havia horário vago.
Tudo ficou mais fácil: não precisava mais fazer
aquele longo percurso de antes.
Nessa
época, estava sendo implantado o pagamento do pessoal
pelo sistema informatizado, área onde eu trabalhava
e era um trabalho que exigia muita atenção.
Lembro-me de que muitas vezes, eu sentia tanto cansaço,
que entrava no banheiro da repartição, sentava
no chão e tirava um cochilo, pois já não
me aguentava mais de sono.
OS
PROFESSORES
Começaram as aulas: minha primeira aula foi com o professor
Augusto Vieira Neto, o popular “Bala Doce”. Ele
começou a aula de Direito Constitucional narrando a
tragédia grega escrita por Sófocles. Antígona,
filha de Édipo e Jocasta, deseja enterrar seu irmão
Polinice, que atentou contra a cidade de Tebas, mas o tirano
Creonte promulgou uma lei impedindo que os mortos que atentaram
contra a lei da cidade fossem enterrados, o que era uma grande
ofensa para o morto e sua família, pois a alma do morto
não faria a transição ao mundo dos mortos
e ficaria vagando na margens do rio, sem passar para o outro
lado. Antígona, enfurecida, vai então sozinha
contra a lei e enterra seu irmão. É capturada
e sentenciada à morte.
Com essa história, o professor inteligentemente quis
mostrar para nós alunos, que existe uma lei maior que
todas: o Direito Natural. Em meio a piadas e palavrões,
o professor ia despejando sobre nós, a sua sabedoria.
Para contrabalançar, eis que surge uma professora culta,
bonita, educada, fina, por coincidência, esposa do primeiro
professor, Heloisa Helena Ruiz Combat Vieira, que nos abre
as portas do Direito Civil, com maestria e finesse. Heloisa
é hoje Desembargadora do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais.
E
não poderia faltar a Introdução ao estudo
do Direito, ministrada pelo professor Hélio Oscar Valle
Moreira. Aprendemos com ele que o Direito é uma matéria
“gelatinosa” que se não tivermos conhecimento
e competência, nos escapa às mãos.
E aí vão desfilando outros professores, ao longo
do curso: Dr. Georgino Jorge de Souza, com aulas magistrais
sobre o Direito Penal, quando teatralmente nos mostrava como
se defende um réu no Tribunal do Júri, dando-nos
vários exemplos de sua longa carreira; Dr. Ubaldino
Assis, com os meandros do Direito Comercial e de quem guardo
até hoje uma máxima, sempre repetida por ele:
“Quem paga mal, paga duas vezes...”; Dr. João
Luiz de Almeida (o pai e o filho) que era o terror dos alunos
na hora da prova (o pai), com situações incríveis
que teríamos que decifrar e aplicar a capitulação
certa; o professor Eustáquio Crusoé, que um
dia me fez um elogio inadvertidamente, ao responder uma minha
pergunta: “Você, tão inteligente, me perguntar
isso?”
No decorrer de cinco anos, vieram outros e muitos outros:
Dr.
Hélio Lessa, com seus mortos e dissecações
nas aulas de medicina legal; Dr. Danilo Borges, mostrando-nos
os caminhos intrincados do Processo Civil; Dr. João
Casassanta, Direito do Trabalho; Dr. Sidônio Paes Ferreira,
Processo Penal... Até aulas de Português tivemos,
com o Padre Zuba, pois advogado que se preze tem que escrever
bem. Aprendi muito com ele e sempre tirava boas notas.
OS COLEGAS
Éramos duas turmas. Como sempre acontece, existem aqueles
com quem temos mais afinidades, mas nos dávamos bem
com todos e sempre tínhamos reuniões e festinhas.Tanto
que após formados, todos os anos nos reuníamos.
E em 2008 fizemos uma celebração e um jantar
para comemorarmos os 30 anos de formatura. Entre muitos, posso
citar Luiz Tadeu Leite (atual Prefeito Municipal), Dr.Gilmar
Clemente de Souza (Juiz de Direito), Reginauro Silva, Benedito
Alves, Benedito Monção, Duplanil Nunes Neto,
Jarbas Pinheiro, Manoel Muniz, Maria Luiza Barbosa, Maria
das Neves, Mário e Mary Mendes, Myrthes Almeida, Terezinha
Jardim, Wilson Silveira.
Nossa formatura aconteceu com uma missa na Matriz e colação
de grau no antigo Cine Montes Claros. Nosso paraninfo, o Dr.
Hélio Lessa e orador o colega Wilson Silveira. Eu tive
o privilégio de receber o diploma Dr. João Luiz
de Almeida, como a melhor aluna da turma. Meu pai que morava
conosco, já doente, emocionou-se até as lágrimas
quando anunciaram o meu nome para receber o prêmio de
melhor aluna. Foi um presente para ele também.
Pouco
tempo depois, a FADIR foi absorvida pela UNIMONTES. Muitos
momentos bons da minha vida foram vividos naquele velho casarão
que alojava a FADIR (da antiga FUNM). Apesar de casada e mãe
de quatro filhos, curti minha vida de estudante como qualquer
outro, sem regalias ou mordomias.
São tempos que guardo com muita saudade e muitas lembranças.
Anos
depois, quando minha filha passou no vestibular de Medicina,
em 1985, na antiga FAMED, as Faculdades já haviam sido
transferidas para o Campus onde hoje funciona a UNIMONTES.
Hoje ela é professora no curso de Medicina.
Em 1990, meu filho Gustavo Mameluque graduou-se em Direito
pela UNIMONTES e hoje, meu neto Fernão Gabriel cursa
Letras/
Inglês. São três gerações
participando da história da UNIMONTES. São muitas
as lembranças que guardamos, foram muitas as experiências,
hoje transformadas em saudades, que temos da nossa vivência
na FADIR, da antiga FUNM, hoje UNIMONTES.
Pequeno
Histórico da Seresta em Montes Claros
Maria de Lourdes Chaves
Cadeira nº 65
Patrono: José Gonçalves de Ulhôa
Dando
um mergulho no cerne da existência da seresta em Montes
Claros (MG), reportamo-nos ao início do século
XX.
Lá, encontraremos a seresta cultivada pelos jovens
cantores e instrumentistas, numa época em que a diversão
dos rapazes se resumia em fazer serenatas para as donzelas
quando já dormiam em seus travesseiros de flores.
O jurista, poeta, compositor e instrumentista João
Chaves, serestava com seus amigos: José Maria Fernandes,
cantor e compositor, natural de Januária. Dele, disse
João Chaves: vem à minha mente, com frequência
à imagem quase negra do mulato januarense, José
Maria Fernandes que residiu aqui por muitos anos. Enxergo-o
no meu momento, vibrando com proficiência as cordas
do seu violão, cantando esta canção:
“Tu és como a rosa gentil purpurina...”.
Antônio Cardoso Faria (Tonico Faria), natural de Montes
Claros, foi um dos maiores seresteiros da cidade e dos rapazes
mais elegantes do seu tempo.
Antônio Xavier de Mendonça (Mendoncinha), natural
de Montes Claros.
Pedro Mendonça, irmão de Antônio, montes-clarense.
Totônio Américo – natural de São
Francisco – MG.
Virgolino
Narciso Soares, solteirão, natural de Montes Claros.
Américo França, cantor e junto com João
Chaves, fundaram o
jornal semanal “O Sol“.
Grupo
de Seresta Amo-te muito: Em pé da esquerda para a direita:
Zezé, Manoel, Pedro, Vítor, Aroldo, Jasuino,
Maria, Zenaide e Deolindo. Sentados da esquerda para a direita:
Lourdes, Amelina, Terrezinha, Lola, Carmem, Rosa e Lúcia.
Ausentes: Bruno, Rilson e Olga.
Leônidas
de Andrade Câmara, montes-clarense. Foi escrivão
do
Cartório do Crime em Montes Claros, nos anos de 1.886.
Era poeta e autor do letra do hino de Ginásio Municipal.
Gentil Sarmento, era viajante comercial.
José Augusto Prates, apelidado de José de Siá
Deca, natural de Montes Claros. Foi funcionário dos
correios e telégrafos. Augustinho Guimarães,
músico exímio e dono de uma bela voz e compositor.
Era pai de Telé, cantor do grupo de serestas “João
Chaves“.
Donato Quintino, natural de Montes Claros.
Luiz Gregório Júnior, professor.
Elpídio José César, natural de São
Romão – MG, cantor e compositor.
Silva Reis, “Manoel da Silva Reis“, no dizer de
João Chaves, de
voz doce, límpida, sonora e suave. Diamantinense violinista
e cantor. Faleceu em Montes Claros, com apenas 44 anos de
idade. Foi para ele que João Chaves dedicou a letra
e música da modinha “Adeus“ consagrada
pelo povo com o título de “Bardo“.
Saltando
no tempo, do início do século XX para o ano
de 1.967, vemos Dr. Hermes Augusto de Paula, médico
sanitarista e historiador, convidando cantores e instrumentistas
para organizar o 1º grupo de serestas em Montes Claros
que recebeu o nome de Grupo de Seresta João Chaves
em 1.968.
No início do grupo, eram seus integrantes:
Sinval Fróes - Violão.
Sebastião Mendes “Ducho“ – Bandolim
Cantores: Nivaldo Maciel, João Leopoldo Alves França,
Celestino Soares da Cruz “Telé“, Tereza
Maria, Josefina Abreu de Paula, Clarice Maciel, Maria de Lourdes
Chaves “Lola“ e Selma Abreu.
Com o passar do tempo, uns saíram, outros entraram.
Raimundo Chaves, Luiz Procópio, Adélia Miranda,
Gilberto Câmara, Tolêdo, Luizinho, Virgílio
de Paula, Beto Viriato, Terezinha Jardim, Clarisse Sarmento,
Adélcio Saraiva, Alaide Neves.
Foram gravados 8 LP’s. O grupo, na sua primeira formação,
apresentou-se no programa de Flávio Cavalcante, em
Ouro Preto – MG, tirando o 1º lugar, entre outras
cidades no concurso de modinhas. A peça de confronto
foi “Amo-te muito“ de João Chaves.
A
formação atual do grupo é a seguinte:
Presidente: Josefina Abreu de Paula
Presidente administrativa: Terezinha Jardim
Diretor de comunicação: Adélcio Saraiva
Diretora musical: Maristela Cardoso
Diretora financeira e Secretária: Marta Marcondes.
Instrumentos:
Violão: Luiz Porfírio, Milton Barbosa, Adélcio
Saraiva
Bandolim: Marlene Cunha e Mafalda Mafra Madureira
Percussão: Rogério Botelho.
Cantores: Adélcio Saraiva, Rogério Botelho,
Ademar Toledo, Hélio Saraiva, Terezinha Jardim, Maristela
Cardoso, Walderez de Paula, Josefina Abreu de Paula, Marlene
Pereira, Carmina Gonçalves, Marta Marcondes e Alice
Navarro.
O primeiro grupo, gravou um disco com 3 músicas. Nivaldo
Maciel cantou “Acorda minha beleza“, Telé
“Amo-te muito“ e João Leopoldo “Camélia“.
O grupo de seresta “João Chaves“ de Montes
Claros, sempre se apresentou com grande sucesso por várias
cidades de diversos estados brasileiros. Embora todas as apresentações
tenham sido importantes, vale aqui ressaltar algumas que se
destacaram devido a excelente repercussão, conforme
informações obtidas de Virgínia Abreu
de Paula:
a) No Palácio da Alvorada, em Brasília –
DF, especialmente para o Presidente Costa e Silva;
b) no cemitério do Bonfim, em Montes Claros, por ocasião
do sétimo dia de falecimento do patrono João
Chaves. Novamente no mesmo cemitério, especialmente
para o programa Fantástico da rede Globo de TV;
c) em Araxá, quando cantaram para uma comitiva de Moscou
com a presença do embaixador da Rússia;
d) no Goldem Room do Copacabana Palace no Rio de Janeiro,
juntamente com nomes expressivos da música brasileira,
como Nara Leão, Paulinho e Maurício Tapajós,
Paulo Tapajós, cantoras do Quarteto em Si e Maria Lúcia
Godoy. O motivo foi o lançamento de um álbum
especial sobre modinhas, com participação do
presidente JK. O grupo de seresta foi o único grupo
do gênero convidado para esse importante evento;
e) na Vargem Grande de Montes Claros para o presidente JK;
f) em Ouro Preto, nas comemorações do dia de
Tiradentes de
1.969, ao lado da cantora Mayra e Flávio Cavalcante;
g) no Palácio das Artes de Belo Horizonte, apresentados
pelo maestro Isac Karabtchevsky. Ao término, o maestro
fascinado pelo que ouviu, “contratou“ o grupo
para cantar “O Bardo“ no sétimo dia de
seu falecimento, junto ao seu túmulo;
h) em Buenos Aires – Argentina, com onze shows de sucesso
no Teatro Coliseu e no Hotel Sheraton, durante o festival
internacional da cozinha; e
i) nos programas do renomado apresentador de TV, Rolando Boldrin,
tanto na Globo quanto na Bandeirantes.
Em seguida, foi criado o grupo de serestas João Vale
Maurício, médico cardiologista e escritor. Sua
criação foi ideia de Ada Camisasca, então
diretora do SESC de Montes Claros.
Direção: Geni Rosa.
Violão: Geni Rosa e Geronildes Oliva.
Cantores: Flávia Rabelo, Beatriz Helena Azevedo, Celeste
Silva e Gomes, Nilza Lopes, Ana Maria Santos, Valdir Alves,
Ademar Toledo, Cassimiro Mendes. Este foi o grupo original.
2º grupo: Carlos Pereira, Solange, Valdir, Sissi, Iracema,
Nô, Amélia, Toledo, Tio Tonico, Carmem, Pedro
Lúcio, Beatriz, Trui Geraldo Paulista, Claudia, gravaram
o disco “Lágrimas ao luar“ (grupo extinto).
Grupo de seresta Luiz de Paula, empresário e escritor
(grupo extinto).
Integrantes do grupo:
Voz e violão: Osvaldo Eusébio.
Bandolim: Urze de Almeida.
Cantores: Ana Maria, Celeste, Edimilson Cordeiro, Wanda Cardoso
e João Carneiro.
Em 1.978, foi criado o grupo de serestas “Minas Gerais“
dirigido por
Dr. Francisco Alencar Carneiro, advogado, contabilista e instrumentista.
Grupo original:
Instrumentos:
Bandolim: Dr. Francisco Alencar Carneiro.
Violão: Edgar Muniz, Adair Gomes, Jesuino Ramos.
Cantores: Adair Gomes, Felisberto Veloso, João Pereira,
Jacy
Saraiva, José neto, Maurício Marcos, Pedro Lúcio,
Carmem Lemos, Maria Salomé, Maria de Lourdes Chaves
“ Lola “, Olga Santos e Terezinha Fróes.
Este grupo gravou o disco “Relíquias da Seresta
Brasileira“. Ele se apresentou para magistrados, Polícia
Militar e em vários casamentos da sociedade montes-clarense,
em missas solenes e coroações. Seu fundador
Dr. Francisco Alencar Carneiro, faleceu aos 2 de Fevereiro
de 2002.
Em Abril de 2002, o grupo passou a ser dirigido pela autora
deste artigo. Foram gravados 2 CD’s: “Pérolas
de saudades“ e “Céu de Montes Claros“
e o DVD “Para sempre“.
Formação do atual grupo:
Relações públicas: Amelina Chaves e Orlinda
Andrade.
Instrumentos:
Violão: Jesuino Ramos, Deolindo Freitas, Pedro Rodrigues.
Cavaquinho: Manoel Soares.
Pandeiro: Maria Paulino e Milton.
Contra-baixo: Batuta.
Triângulo: Lourdes.
Cantores: Deolindo, Maria, Carmem Lemos, José Fernandes
“Zezé“, Zenaide Teixeira, Lourdes França,
Carlos Costa, Jacy Saraiva, Maria Lúcia Lacerda, Vítor
Luiz Dias, Olga Santos, Maria de Lourdes Chaves “Lola“,
Terezinha Rodrigues Correia, Lúcia Lacerda e Rosa Durães.
Este grupo já se apresentou para o colegiado de Diretores
dos
Tribunais de Justiça do Brasil, reunidos no Buffet
Catharina em Belo Horizonte, no Forum Gonçalves Chaves,
no Shopping Montes Claros, em vários estabelecimentos
de ensino em comemorações de aniversários,
Bodas de Prata, na Câmara de Vereadores desta cidade,
em Corinto, Lontra, Januária, Poços de Caldas,
Brasília – DF, por diversas vezes em Belo Horizonte,
sempre fazendo sucesso.
Hoje, o grupo denomina-se “Grupo de Serestas Amo-te
muito“.
Outros grupos atuam em Montes Claros, enriquecendo cada vez
mais o celeiro de seresteiros.
Grupo Marucas Avelar, hoje “Geraldo Avelar“.
Grupo Manoel Meira.
Grupo Vozes de prata.
Grupo Idade de Ouro.
Montes Claros, 19 de Agosto de 2012.
A
menina que se tornou governadora
Maria Inês Silveira Carlos
Cadeira nº 38
Patrono: Francisco Sá
Amenina sonhadora do Brejo das Almas está alçando
voo como
águia, rumo à realização de seus
sonhos”. Recebi essa mensagem da minha amiga Nilza Gontijo
Vivian quando ela e o Governador Javert Vivian vieram à
minha despedida rumo a San Diego (EUA), onde eu participaria
da Assembleia de Rotary International.
Fiquei muito emocionada e reflexiva, porque o que foi dito
por
Nilza é uma frase que resume a mais pura e cristalina
verdade. Sim, a menina inquieta de Brejo das Almas, pequeno
torrão encravado neste Norte de Minas, fortaleceu suas
asas e voou em busca de um sonho que, não é
mais um sonho e nem uma quimera, é uma realidade.
Não sei ao certo quando esse sonho começou.
Na minha infância? Talvez. Recuo no tempo e volto ao
ano de 1960, quando um grandioso fato aconteceu na minha pequena
Francisco Sá e que transformou sua história.
Em fevereiro daquele ano aqui foi fundado o Rotary Club de
Francisco Sá. Não sabia com exatidão
o que era, mas sabia no meu entender de criança, que
era uma coisa boa, porque os homens importantes da minha cidade
se reuniam, conversavam, planejavam e executavam tarefas em
prol da comunidade, e pela primeira vez eu ouvi o nome Paul
Harris e o admirei por ser ele o idealizador do Rotary International.
O local das reuniões semanais era o Hotel Mineiro,
gerenciado pelo Sr. Antônio e D. Alzira, meus pais.
Com
minhas mãos infantis ajudava a servir o jantar feito,
com
muito carinho, pela minha mãe. E pela minha participação
indireta nas reuniões desenvolvi com aqueles primeiros
rotarianos o Ideal de Servir. Por maiores que fossem as minhas
fantasias e devaneios, de menina que ainda acreditava em lendas,
carochinhas e fadas, e queria ser trapezista de circo ou professora,
nunca imaginei fazer parte daquela nobre e magnífica
entidade, muito menos ocupar o lugar mais elevado da pirâmide
do Distrito 4760.
Nossa existência é uma constante caixa de surpresas.
Às vezes um lago azul sereno, outras um mar agitado
e turbulento. Dos anos sessenta até 1995, o mundo e
aminha vida sofreraminúmeras e fortes transformações.
Estudei interna no Colégio Imaculada Conceição,
em Montes Claros, de onde ainda guardo belas recordações.
Dancei ao som da música dos Beatles, de Elvis Presley
e do eterno rei Roberto Carlos. E tive a ousadia de ser uma
das primeiras garotas a usar minissaia.
Em 1968 formei-me em Magistério do 1º Grau pela
Escola Estadual “Tiburtino Pena”, em Francisco
Sá. Como veem não me tornei trapezista de circo.
No dia 25 de julho de 1970, de Maria Inês Alves da Silveira
tornei-me Maria Inês Silveira Carlos ao me casar com
Salvador Carlos da Silva, ato em que formamos uma unida e
sólida família com os filhos Max Guilherme,
Raquel Christine e Fábio Henrique, agora acrescida
da neta Bettina e da nora Maria Rita. A roda da vida girou
e várias oportunidades a mim chegaram tanto profissionalmente
como no serviço voluntário.
O mundo se transformava com a rapidez de um sopro, nos oferecendo
tecnologias cada vez mais avançadas, mas algo me incomodava:
a sociedade ainda permanecia sob o domínio masculino.
Os grandes postos e melhores salários ainda pertenciam
aos homens, poucas mulheres tinham chances de demonstrar seu
potencial. As portas de centenas de empresas, associações,
cursos profissionalizantes permaneciam hermeticamente fechadas
para nós mulheres.OSéculo XX foi marcado por
três grandes projetos que revolucionar ama humanidade.
Trata-se do Projeto Manhattan que inventou a bomba atômica,
o Projeto Apolo que permitiu ao homem pisar o solo lunar e
o Projeto Genoma que desvendou parte do mistério da
vida, o mapeamento do DNA. Eu acrescento que o Século
XXI tem o Projeto Mulher que nos permitiu o direito de escolher
e decidir nossa vida. Este projeto ainda está em construção.
Sua elaboração deu-se devagar. Só no
final do século passado é que ele tomou corpo
e o alvorecer do Século XXI nos mostra que as mudanças
chegaram e chegaram para ficar.
O Rotary International foi fundado em 23 de fevereiro de 1905
e ao modelo da época vetou o ingresso das mulheres.
E assim permaneceu até o ano de 1987. O movimento para
a nossa chegada em Rotary começou em um clube nos Estados
Unidos que colocou no seu quadro associativo, três mulheres,
baseando-se na igualdade das profissões (O Rotary é
uma associação de profissionais).O
Rotary International suspendeu as atividades do clube por
contrariar seu Regimento. O clube lutou na justiça
e só depois de vários embates, o Rotary International
- que continuava rígido em seus princípios -
foi
que a Suprema Corte Americana, baseando-se na lei da isonomia,
isto é, do direito igual para homens e mulheres, obrigou
o R. I. a mudar seu regimento. A alteração do
Regimento Interno foi efetuada pelo Conselho de Legislação
de 1989, que votou pela eliminação da posição
até então adotada, de que todo o Rotary deve
ser uma organização “exclusivamente masculina”,
mudando a redação para “uma organização
formada por homens e mulheres.”
Paul Harris, ao fundar o Rotary, previa muitas transformações,
pois escreveu que: ”Este é um mundo que se transforma;
precisamos nos preparar para acompanhá-lo. A história
do Rotary terá que ser escrita muitas vezes”.
E foi assim que em fevereiro de 1995 o Governador do Distrito
4760, Wanderlino Arruda, fundou o Rotary Club de Francisco
Sá - Norte, um clube formado por homens e mulheres
e que teve como padrinho o Rotary Club de Francisco Sá.
E quando o Rotary disse sim às mulheres, mais uma página
da história de minha vida se abriu para uma nova missão.
A sublime missão de servir sob o lema “Dar de
Si antes de Pensar em Si”. Esse sim inclui também
que, pela primeira vez, uma mulher iria administrar o grandioso
Distrito 4760, grandioso em extensão e mais grandioso
ainda por seus valores humanos.
E o Rotary disse sim às mulheres! As mulheres chegaram
ao Rotary como elementos de trabalho e renovação.
Em revoadas, chegamos. Em voos multicoloridos, trouxemos mais
alegria, mais vida e o perfume das flores que inebriam os
ambientes e nos fazem únicas. Com garra, eficiência
e ternura viemos juntar aos rotarianos para que o plano arquitetado
pelo Pai fosse posto em prática: “Homem e mulher
trilharão o mesmo caminho para que a harmonia e a paz
sejam
construídas pelos dois”.
Minha trajetória como primeira Governadora do Distrito
4760
começou com a minha indicação como candidata
pelo meu Clube, o Rotary Clube de Francisco Sá-Norte.
No dia 7 de novembro de 2008 fui comunicada pelo Governador
Roberto Kfuri que eu tinha sido eleita pelos clubes do meu
Distrito para ocupar o cargo de Governadora para o ano rotário
2009-2010. Para alguns pode não parecer um avanço,
tanto faz homem ou mulher ocupar cargos; serão bons
ou maus governantes de acordo com seu grau de responsabilidade
e dedicação. Mas na organização
rotária que até quase vinte anos atrás
não tinha nenhuma mulher em seus clubes, foi sim um
grande avanço. E vejo com muita tristeza que até
hoje em muitos Distritos do Brasil e no meu, o Distrito 4760,
ainda existem clubes que não
admitem mulheres.
A partir dessa data, um novo começo de vida iniciou-se
para mim; mais uma vez a colcha de retalhos que é nossa
existência, foi acrescida de novos fatos, novas experiências,
muito trabalho e de imensas alegrias. Fiquei um ano me preparando
para ocupar tão nobre, honroso e difícil encargo.
Procurava estar atenta e curiosa a cada encontro, a cada seminário,
a cada reunião para que as informações
e ensinamentos me chegassem claras e distintas. Escolhi para
ser meu Instrutor Distrital, o Governador Wanderlino Arruda,
que além de ser o fundador do meu Clube, é uma
pessoa dedicada de corpo e alma à causa rotária,
sempre disposto a nos ensinar com seus conhecimentos e exemplos.
A ele a minha mais alta gratidão pelos seus sábios
ensinamentos, pelas longas viagens para ministrar o Seminário
de Governadores Assistentes e da Comissão Distrital,
os Seminários de Presidentes, pelo sucesso deles, pela
dedicação de preparar o material, por ouvir
minhas dúvidas e respondê-las prontamente. À
sua esposa Olímpia meu carinho e o meu “muito
obrigada” por estar sempre com as portas de sua casa
abertas para mim, onde passei longas horas preparando esse
maravilhoso ano que vivi. Deus lhe pague pelos almoços,
pelos lanches, pelos cafés e, sobretudo pela sua tolerância
e compreensão.
A partir do dia 1º de julho de 2009, tornei-me oficialmente
a primeira Governadora do Distrito 4760. E o dia começou
com festa... Acordei de madrugada com pipocar de foguetes
e seresta. Ao abrir a porta da minha casa deparei com uma
multidão de amigos, familiares e companheiros que vieram
me saudar com fogos, músicas, café da manhã,
faixas e, sobretudo com muitos abraços e desejos de
imenso sucesso. As surpresas não pararam por aí,
a minha patriazinha querida estava com suas principais praças
e ruas ostentando faixas de
apoio e orgulho pela menina que virou Governadora.
A festa da posse aconteceu no dia 4 de julho
na cidade de Montes
Claros.
Linda e marcante. Um grande encontro de companheiros, amigos
e familiares envoltos num clima de risos, música, danças
e show pirotécnico. O ponto culminante, sem dúvida,
foi o momento solene do ato de posse, quando o Governador
2008/2009, Javert Vivian, passou às minhas mãos
a responsabilidade de conduzir os destinos do nosso amado
Distrito. Uma Governadora Distrital tem como uma das principais
missões visitar os clubes de seu Distrito para melhor
divulgar os objetivos do Rotary e estreitar os laços
de amizades e de companheirismo.
E assim iniciei minhas visitas oficiais no dia 20 de julho.
Na madrugada desse dia, eu e a minha amiga e companheira Wanda
Nilta, agora também motorista da Governadora, deixamos
nossas famílias e rumamos para uma longa e desconhecida
jornada. O primeiro clube visitado foi o Rotary Clube de Porteirinha.
Durante cinco meses e meio, com algumas pausas para vir em
casa, percorremos cerca de vinte e seis mil quilômetros
por este belo, aprazível e enorme Estado
de Minas Gerais. Foram oitenta e dois clubes visitados. Enfrentamos
chuvas, alguns quilômetros de estrada de terra, fizemos
travessias em balsas sobre o Velho Chico, vimos inúmeros
amanheceres radiosos e crepúsculos espetaculares. Subimos
por montanhas azuis e percorremos planícies verdejantes
e floridas. Experimentamos a vasta culinária mineira,
conhecemos a riquíssima e diversificada cultura de
nossas Minas Gerais.
Toda essa beleza e pujança não teriam valor
algum sem a presença dos companheiros e companheiras.
E como eles foram maravilhosos. Não citarei o nome
de nenhum clube, ficará para outra vez. Serão
vários capítulos, são histórias
peculiares e particulares de cada um. Fui recebida de maneiras
bastante diferentes: com foguetes, banda de música,
coral de crianças, carreatas. Largos sorrisos, abraços
fraternos, curiosidade em conhecer a primeira Governadora.
Eram recepções diferentes, mas o espírito
de amizade e de companheirismo reinava igualmente em todos
em todos os lugares e corações.
Vivi momentos de intensas alegrias ao presenciar que o SERVIR
e o COMPANHEIRISMO irmanados realizam a multiplicação
dos pães em forma de bibliotecas comunitárias,
consultórios médicos, salas de informática,
amparo à criança violentada em seus direitos,
no calor e aconchego de creches, respeito e carinho aos idosos
em asilos, dis tribuição de sopa, plantios de
árvores, combate à paralisia infantil e outras
moléstias.
Após este inesquecível período de visitas
oficiais, me dediquei a expandir o Distrito com a fundação
de novos clubes: O RC de Belo Horizonte -Liberdade, o RC de
Montes Claros-Princesa do Norte e o RC de Montes Claros-Liberdade.
O ano rotário é extenso em obrigações
e atividades: fizemos o IGE com a Bélgica, enviamos
e recebemos cerca de cinquenta jovens do Programa de Intercâmbio,
apoio total ao Interact, Rotaract e Rotary Kids. Com alegria
voltei a vários clubes para comemorar aniversários
de fundação, para fazer palestras, participar
de seminários, para entregar comendas de Companheiros
Paul Harris e para receber homenagens.
O ápice de uma governadoria é a Conferência
Distrital. A Conferência da Alegria foi um encontro
de amor, encontro de ternura, encontro de verdadeiro companheirismo.
Ela foi realmente INESQUECÍVEL.Ficará
para sempre em nossas mentes e corações.
O tempo passou como um piscar de olhos ou um estalar de dedos.
“O tempo não para, o tempo não para”!
Está escrito nos versos de Cazuza. É a marcha
inexorável da vida. Mas ele não passou em vão,
descuidado ou desperdiçado. Talvez não fosse
suficiente para se executar todas as propostas, mas foi profícuo
e benevolente nas ações realizadas, haja vista
em prêmios recibos pelo meu ano rotário.
No
dia 3 de julho de 2010 fui até a cidade de Patos de
Minas entregar ao meu sucessor, Wilson Caixeta de Castro,
o bastão para que ele continuasse esta corrida de servir
e amar ao próximo. Valeu à pena? Faço
minhas as palavras do grande poeta português Fernando
Pessoa no seu poema, quando cantava o poder domar nas conquistas
portuguesas que diz:
“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar.
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.”
Um
pouco da nossa história
Maria Luiza Silveira Teles
Cadeira nº 42
Patrono: Geraldo Tito da Silveira
Revendo
um filme que tantas vezes passei para meus alunos em todos
os recantos do país, minha alma volta ao velho casarão
da Rua Cel. Celestino, hoje “Corredor Cultural Padre
Dudu”
Foi lá que passei grande parte de minha vida. Foi lá
que lecionei por anos com grande paixão como o professor
do filme.
Ah, recordo-me de cada turma, de cada aluno! E um mundo de
lembranças passa por minha cabeça... O interesse
vibrante de uns pela disciplina, o desabafo de tantos com
seus problemas familiares, amorosos e existenciais... Como
amei cada um desses alunos! E penso que também fui
amada, pois fui madrinha, ano após ano.
Em 1974, recebi uma medalha pelo reconhecimento dos alunos
que me elegeram a melhor professora do ano no curso de Pedagogia.
Agora, minh’alma passeia por suas salas e corredores
e vejo desfilar por minha mente aquele alvoroço do
entusiasmo de todos pelo Saber.
Alguns alunos estão vivos em minha memória e
em meu coração, mas já estão em
outro plano. Sei que não parece justo. Aluno algum
deveria preceder seus mestres na Grande Viagem, assim como
os filhos não deveriam preceder seus pais. Mas, sabe-se
lá qual o Plano Divino? Quem somos nós para
contestar?!
Na
Secretaria, Adélia, sempre sorridente, pronta para
atender a todos. Com todos os arquivos da história
de nossa escola na cabeça. Doce Adélia! Saudosa
Adélia!
Pelos corredores, Dalva Dias, Paulo Pimenta, Padre Tadeu,
Padre Murta, dona América, Hamilton Lopes, Sônia
Quadros, Antônio Jorge e tantos outros que nos ensinaram,
com sua postura, seu exemplo, seu conhecimento... Minha alma
parece perceber suas sombras por lá, talvez saudosos
como eu...
Vejo Mary e Baby Figueiredo, Florinda Ramos, Isabel de Paula,
verdadeiros ícones de nossa História, por sua
luta e competência. Vejo mocinhas e rapazinhos, que
brilharam na vida cá fora e se tornaram gente madura,
educadores de verdade, e, hoje, já avôs e avós...
Ah, a nossa velha escola, que vivia caindo aos pedaços,
com um conserto daqui, outro dacolá. Quantas vezes
demos aulas nos cantos, fugindo das goteiras.
Um dia, parada diante dela, não pude conter as lágrimas...
Quem hoje pode imaginar o que vivemos ali naquele antigo casarão,
berço da atual Universidade?... Só nós
sabemos das lutas, das dificuldades, dos obstáculos
a serem vencidos e do entusiasmo e alegria de todos, apaixonados
pela velha escola e pelo Conhecimento. Quantas madrugadas
trabalhamos em projetos, sem ganhar um tostão, simplesmente
levados pelo ideal...
O antigo casarão é um dos poucos que a Memória
Montes-clarense mantém de pé.
Hoje mesmo, passando pela esquina da Rua Tiradentes com a
Praça Coronel Ribeiro, deparo-me com casas que vieram
abaixo. Cada casa destruída dói-me no peito,
pois é um pouco de mim e de nossa História que
se vai...
Amo aquelas casas que resistem ao tempo e à ânsia
devoradora do capitalismo atroz, que só pensa em construir
prédios e mais prédios, que vão descaracterizando
a nossa querida Montes Claros.
É, pode ser que, embora ainda cheia de vida, de energia
e entusiasmo, com a alma jovem, um pouco de mim esteja já
envelhecendo e sendo tomada pelo saudosismo. A verdade, porém,
é que gostaria que Montes Claros fosse como Ouro Preto,
Diamantina, Salvador e outras tantas cidades européias
que mantêm de pé construções seculares!
Sei que a cidade tem de se expandir, crescer e progredir.
Mas, será que o preço desse progresso deve ser
a morte de nossa História?
Quando me deparei com a casa de Cândido Canela no chão,
também não pude conter-me... Lá não
deveria ser um museu onde guardaríamos com carinho
as lembranças de nosso poeta maior?...
As novas gerações montes-clarenses (quem inventou
essa forma “besta” de escrever?...) estão
crescendo sem conhecer os nomes daqueles que tanto lutaram
por nossa terra em várias áreas. As vidas das
pessoas não são feitas de tijolo e argamassa,
mas de lutas, crenças, ideais, risos, lágrimas,
sangue e utopias. Tem uma casa vida se lá dentro não
se desenrola uma história?
‘Por isso, a História é um relicário
tão importante. Só através dela podemos
compreender a nossa identidade cultural. É como se
ela fosse o Inconsciente Coletivo que guarda todos os fatos
que fizeram de nós o que somos hoje, como pessoas,
como cidadãos, como cidade.
Acaso tantos bons profissionais formados pela UNIMONTES conhecem
os nomes e a vida daqueles que estão lá naquelas
placas?... Já ouvi, inclusive, a conversa de uma possível
retirada delas para a colocação de outros nomes.
Querem assassinar e apagar a nossa História?
Será que as tantas faculdades que por aí proliferam
lembram-se, com respeito, dos nomes daqueles que implantaram
esta ousada e corajosa ideia aqui no solo de nosso sertão,
com seu sol inclemente, suas ruas de poeira e sua mentalidade
provinciana?...
Ah, Montes Claros querida!... Pouco a pouco todos aqueles
que amei, admirei e respeitei estão indo embora e,
com eles, os velhos casarões, os antigos recantos de
minha juventude...
Olho os rostos de meus companheiros de jornada e vejo que
o inverno já lhes deixa sinais na face, no corpo, no
cabelo, como também em mim, é claro. Nós,
também estamos indo... E quem de nós se lembrará
um dia?...
Somos um bocado de heróis que, lutando contra todas
as adversidades, inclusive as financeiras, estamos tentando
no nosso Instituto Histórico e Geográfico e
na Academia de Letras, deixar registrada alguma coisa da nossa
História. Será, porém, que a nossa cidade,
hoje metrópole, amanhã megalópole, guardará,
com carinho e respeito, tudo aquilo que estamos tentando construir?
Ou tudo haverá de virar cinza, assim como nós?!
Será que algum jovem sabe responder quem foi João
Valle Maurício, João Luiz de Almeida, Corbiniano
Aquino, José Macedo, Coronel Georgino, Coronel Tito,
Dr. Jardim, Olyntho Alves da Silveira, Paulo Emílio
Pimenta, Dr. Júlio de Melo Franco, Mário Ribeiro,
Oswaldo Antunes, Toninho Rebello, Dr. Romildo Mendes e tantos
outros? Para que não sejam esquecidos nosso escritor
e historiador Wanderlino Arruda lançou o primeiro volume
de “Construtores de Montes Claros”.
Não basta que estes sejam nomes de ruas, escolas ou
praças.
É preciso que as crianças e os jovens aprendam
na escola a conhecer os nomes daqueles que, na Arquitetura,
na Educação, na Literatura, nas Artes Plásticas,
na Segurança, na Agropecuária, no Jornalismo,
no Comércio, na Administração e em todas
as áreas, enfim, construíram a nossa História
e sopraram alma à nossa terra.
Nós ressignificamos o mundo, construímos valores,
nomeamos e apagamos saberes e impomos conceitos. Imprimimos
na História nossa própria história e
deixamos marcas de subjetividade que só o tempo pode
acender ou apagar.
Muito dessa responsabilidade cabe aos educadores, aos intelectuais,
mas, principalmente à Administração Pública.
Se não formos guardiães de nossa História,
quem o será?...
Major
Alexandre da Barroca d’Água
Marilene Veloso Tófolo
Cadeira nº 95
Patrono: Terezinha Vasques
No
século XIX, o mais antigo dos Rodrigues conhecidos,
era João Rodrigues da Silva, morador da Barroca d’água,
antiga Bela Vista e hoje cidade de Mirabela. Casado com Ana
Vitória da Silva teve três filhos, entre eles
o Alexandre, que era casado com Luíza Vieira Camelo,
tendo onze filhos, entre os quais consta a minha bisavó
Antônia.
Aqui começa a história, em terras brasileiras,
porque segundo consta, vieram de terras da península
ibérica (Portugal e Espanha). O período ao qual
me refiro era restrito a propriedades rurais longe de cidades
e povoados, onde o proprietário era um senhor feudal,
com a família, agregados e exercia o seu poder político,
social e econômico! O que restou deste passado foi um
retrato, onde estão várias pessoas de Montes
Claros, como: Coronel Spyer, Camilo Prates, Padre Vincart
e outras autoridades. As mulheres com vestidos longos, as
crianças com as roupas “domingueiras” comemoravam
algum acontecimento. A realidade, as lendas, e a tradição
oral, chegam-nos de várias maneiras... A autoridade,
o mando político, o poder econômico, e o título
de major não tem documento que o comprove, apenas as
histórias contadas!
Quem foi o Major Alexandre? Homem valente, político,
senhor de posses e terras, amigo, leal, homem da lei, ou simplesmente
o chefe do seu clã!
A sua história correu pelos Gerais, sua importância
ultrapassou
os limites de Mirabela e conseguiu ser respeitado no sertão
norte mineiro,
pelos seus atos e descendentes! Sua figura imponente, sua
palavra, firmeza e atitudes foram decisivas na época,
onde a lei, a política eram locais. Os meios de comunicação
eram difíceis, não existiam estradas em todos
os recantos, o trem de ferro era nos grandes centros, o homem
tinha que sobreviver através de seus recursos e vencer
os obstáculos.
A sobrevivência nestas condições materiais,
sem apoio político e econômico os homens eram
obrigados a fazer a suas leis, unir-se aos outros, num local
distante e foi o que fez o Major Alexandre com o que recebeu
dos seus ancestrais.
Figura austera, forte, sociável, político, conciliador,
acima de tudo empreendedor foi o exemplo que deixou aos seus.
O Major Alexandre, com o título de major, latifundiário,
oligarca, comandava a política local de Mirabela, impunha
autoridade a seus agregados, familiares, vizinhos e “apadrinhados”.
Conseguiu reunir políticos e pessoas importantes da
época para as suas festividades. As mulheres usavam
jóias, ornamentos levados pelos viajantes em tropas
de burro, vindos da capital da província; a vida econômica
transcorria ao redor das fazendas, através da criação
de gados e suínos. Era a época do voto de “cabresto”,
onde se votava no chefe político através de
favores econômicos, políticos ou de amizade.
A vida social transcorria em torno do engenho, onde a rapadura
e a cachaça eram produzidas. Todos se reuniam perto
das fogueiras, onde comemoravam
o fim da colheita, o ano de fartura, casamentos, batizados
e festas do santo padroeiro... Cantavam, rezavam, dançavam
e muitos amores ali começavam entre parentes e vizinhos,
sobre a benção dos donos da casa que aprovavam
ou não essas uniões... Era difícil a
vinda de um padre para essas reuniões que teriam que
vir montados a cavalo, por isso as festas eram coletivas.
Foi neste cenário que o poder de Major Alexandre estendeu-se
da sua Fazenda da Barroca d’Água até as
cercanias das fazendas vizinhas onde alcançou um grande
prestígio.
Pesquisa bibliográfica:
Coronelismo:
“Conceito:
O termo coronel no período republicano significava
chefe político, de um determinado local, que geralmente
era dono de terras ou comerciante.
O
coronelismo foi um período de práticas autoritárias
e violentas, comandadas pelos coronéis. Eles conseguiam
formar regimes e tributos em sua região, porque possuíam
grande quantidade de colonos em suas terras, abusavam de seu
prestígio para manipular as pessoas - Como período
histórico do Brasil, compreende o intervalo entre proclamação
da República em 1889 até a prisão dos
coronéis baianos em 1930. Tendo como seu fim simbólico,
no assassinato de Horácio de Matos e a derrubada do
caudilho gaúcho, Flores da Cunha
e a implantação do Estado Novo em 1937. Era
absoluto o poder do chefe local, evoluindo para o coronelismo
até as modernas formas de clientelismo. Embora o cargo
de coronel da guarda nacional tenha sido originado na própria
guarda do período regencial o Padre Feijó (ministro)
não era a mesma patente do Exército, e como
fenômeno social e político teve lugar, após
o advento da República.
Raízes:
Provém da tradição patriarcal brasileira,
e arcaísmo da estrutura agropecuária, no interior
remoto do Brasil. Os grandes latifundiários e oligarcas
começaram a financiar campanhas políticas.
Devido a esta estrutura a patente da guarda nacional passou
a ser um título nobiliárquico, concedido de
preferência aos grandes proprietários de terras.
Desta forma conseguiram autoridade para impor a ordem sobre
o povo e os escravos.”
Bibliografia: Moraes, Walfrido. Jagunços e heróis.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
Rio de Janeiro, 1963.
Queiroz, Claudionor de Oliveira. O sertão que eu conheci.
Salvador: Editora Alba, 2° edição, 1968.
D.
Beja, Chica da Silva e Tiburtina
Marilene Veloso Tófolo
Cadeira nº 95
Patrono: Terezinha Vasques
As cidades mineiras Araxá, Montes Claros e Diamantina
não tiveram em comum, apenas, o ciclo do ouro, mas
todas elas em épocas diferentes tiveram riquezas advindas
dele, e estas mulheres fizeram história nas suas respectivas
cidades: Dona Beja em Araxá, Tiburtina em Montes Claros
e Chica da Silva em Diamantina.
Qual a ligação entre elas? D. Beja (Ana Jacinta
do S. José), na sua beleza, na sua história
narrada em novela, criou fama nas terras de Minas.
Falo dos dias, das noites, dos dias de inverno, das noites
de lua cheia, de paisagens, de gentes, de crepúsculos,
de amores, desamores, de terras distantes, de desenganos,
de paixões, riquezas, de algo que não se prende,
que se perdeu em sonhos, em pessoas que se perderam em terras
mineiras, em rios e fontes do interior das Minas Gerais...
Que gente é essa, que construiu os seus sonhos, nas
minas, nos montes e em jazidas do interior do sertão?
Araxá, Montes Claros e Diamantina, com destinos paralelos,
cidades perdidas, a procura do ouro, do brilhante, ou do vil
metal, que se encontram no meio do sertão, cada uma
com seu destino, geográfico, topográfico e cultural,
e em cada período fizeram a sua história.
Lendas, costumes, riquezas, gente, construção
de estradas, ferrovias, Minas foi se desenvolvendo e construindo,
através de suas gentes o seu desenvolvimento!
Traços
em comum:
Estas três mulheres foram belas, tiveram no seu passado
um homem que era o seu protetor, viviam no luxo, tinham poder
político e econômico e as suas histórias
de amor eram “sui generis” para a época...
Tiburtina: João Alves.
Dona Beja: O Ouvidor do Rei (Mota)
Chica da Silva: João Fernandes de Oliveira.
Os homens eram pessoas importantes, detinham os poderes: político,
econômico e social, mas quem sobressaia eram as suas
mulheres, não pela instrução, dinheiro,
inteligência, mas pela beleza e poder que exerciam sobre
seus companheiros...
Eram mulheres fortes, onde exerciam o seu poder sobre os subordinados,
escravos, ou aqueles que conviviam com elas. Casas, carruagens,
vida na corte, todos os luxos da época, de um país
que iniciava seus passos, eram peculiares a estas mulheres
que tinha primazia na sociedade local!
Conclusão:
As mulheres eram as verdadeiras autoras da história,
eram elas
que se destacavam na sociedade local, os homens eram aqueles
que atendiam aos seus luxos, desejos e comandava-os como capazes
de manter seus interesses!
Dona Tiburtina, nos bastidores, ajudava o marido na política
local, incentivava-o no exercício da medicina, como
mulher e mãe apoiava-o em todos os setores.
Dona Beja, quando criança havia sido levada pelo “procurador”
para longe de casa, durante dois anos, ao voltar para sua
cidade foi viver com ele, o qual satisfazia seus gostos e
deu-lhe uma vida de luxo e riquezas.
Chica da Silva, era mulata e também bela, conseguiu
que João
Fernandes fizesse para ela uma luxuosa casa, uma igreja, e
satisfez todos os seus gostos até que ele teve que
voltar à Corte.
Dona
Beja:
Mulher de rara beleza,
buscou nas águas termais,
na cidade de Araxá
conservar os seus encantos...
A casa é a mais bela,
os escravos a servi-la,
os homens a seus pés,
a sua vontade era de ferro!
Nos verdes das cidades,
no luxo, no poder e no dinheiro,
os amores corriam pelos campos,
a sua lenda corria pelo seu encanto!
Mulher forte, linda e altaneira
cantada em prosa e verso,
foi saudada por nobres e plebeus
e tornou-se um símbolo do povo mineiro!
Dona Beja já
idosa
Fonte: internet
Chica
da Silva:
Diamantina é o seu berço,
entre as riquezas de Minas,
as ladeiras e as Igrejas
embalam seus sonhos!
Do “Tijuco” que corre pelos vales,
entre cascalhos e escravos
surge o brilhante altaneiro,
que desperta a cobiça de nobres e plebeus!
De sua luxuosa casa,
nas montanhas de Minas,
entre pedras e morros
ela reina majestosa!
Mulher Forte, bela e autoritária
exige os seus desejos satisfeitos,
gosta de luxos e encantos
e dos homens aos seus pés!
A quietude de Diamantina
é quebrada pelo seu poder,
vivendo em grande riqueza,
nas terras de Minas Gerais!
A ex-escrava Chica
da Silva sendo
conduzida por suas
escravas.
Fonte: Cristinavela.
blogspot.com
Dona Tiburtina:
Coragem, valentia
e beleza
Tiburtina:
Mulher bela e cheia de encantos,
vinda de Itamarandiba,
chegou a Montes Claros,
e encantou-se por João Alves!
Ele era chefe político, médico,
homem influente, comandava a aliança liberal,
e rendeu-se a beleza e ao amor de
D. Tiburtina, mulher forte e leal...
Este amor transpôs barreiras,
de preconceitos e tiroteios,
pois João Alves e Tiburtina,
foram protagonistas de seis de fevereiro!
Montes Claros ficou conhecida por este tiroteio
ocorrido na praça Dr. João Alves,
foi manchete nos jornais
da capital da República!
Tiburtina
foi famosa,
pela beleza e coragem,
por ter conquistado um homem,
belo, forte e valente!
Não falo do tiroteio, de política, ou desavença,
falo da mulher, bela, de fibra,
da valentia, do amor, da sabedoria,
de alguém que venceu a tirania...
Tudo era contrário a este episódio,
mas Tiburtina, valente, venceu todos os contratempos,
e passou para a história,
como mulher valente corajosa e bela!
Fatos:
Três mulheres mineiras, belas, valentes, viviam no luxo,
amparadas por homens de posses, possuíam escravos ou
agregados, seus protetores; ou eram políticos, ou possuíam
cargos no governo da época. As riquezas, o ouro, os
diamantes eram comuns entre os seus bens; eram menos cultas
do que os homens da sua localidade; a classe social era privilegiada
e estavam entre os que detinham o poder.
A beleza, o poder, a riqueza eram comuns a estas três
mulheres, que moravam em lugares diferentes de Minas Gerais,
mas detinham estes requisitos...
Em uma época em que os homens eram os senhores, estas
mulheres,
mesmo que através dos bastidores conseguiram sobrepujá-los!
Dona Beija, Chica da Silva e Tiburtina, conseguiram tornar-se
personagens lendários, através da cultura mineira,
apesar de tradicionalista e cheia de preconceitos com as mulheres,
que não estivessem de acordo com a Tradição
de Minas Gerais.
Montes
Claros da minha mocidade
Palmyra Santos Oliveira
Cadeira nº 64
Patrono: José Gomes de Oliveira
Em
1939, em plena 2ª. Guerra Mundial, as moças de
Montes Claros se empregaram no comércio, porque os
homens haviam ido para o front, na Itália.
Lembro-me de algumas que, como eu, enfrentaram o trabalho
fora do lar: Elza Freire, na Casa Ramos (ela foi noiva de
um pracinha que, na guerra, aprendeu a falsificar assinaturas.
No seu retorno, colocou em prática sua habilidade criminosa,
levando-a a romper o noivado com o falsário); Palmyra
Teixeira, nas Casas Pernambucanas; Dinha Amorim (filha de
Pedro Montes Claros), recepcionista na Alfaiataria Pinheiro;
Engrácia, na casa comercial do Sr. Amândio Loureiro;
Edwirges de Freitas Teixeira (Du, nossa confreira no Instituto
Histórico), ainda criança, no gabinete dentário
do Sr. Daniel Graciano; Eu, Palmyra Santos Oliveira, em A
Preferida.
Nós fomos as pioneiras do comércio montes-clarense.
À noite, passeávamos na Rua 15.
Na mocidade, tudo são flores, a Rua 15 dos meus amores.
A partir de um flerte, surgia o namoro, que consistia em dançar
no Clube Montes Claros, ou andar, um ao lado do outro, acompanhados
de amigos; ir para casa conversando e, no final, pegar na
mão para se despedir. Não havia beijos para
as moças direitas que se prezavam.
Nessa
época, havia o Integralismo e, ao passarmos pelos rapazes
que se vestiam de verde, nos cumprimentávamos com “Anauê”.
O sr. Plínio Salgado era o grande líder do Integralismo.
Quando chegava um parque em Montes Claros, era armado na
Praça Dr. Carlos Versiani. Aí, o footing da
Rua 15 era transferido para o parque.
Nós, moças, andávamos sempre acompanhadas
de amigas. E nos protegíamos mutuamente de rapazes
mais avançados - que sempre existiram.
Naquela época, quando uma moça arrumava um namorado,
todos ficavam sabendo, pois Montes Claros era uma cidade pequena
e bucólica.
Havia um aparelho de rádio, no Café do Bentinho.
Nas noites de sexta-feira, esperávamos Mary Chaves
cantar, na Rádio Inconfidência, com sua bela
voz que todo montes-clarense gostava de apreciar, pois era
nossa conterrânea, filha do sr. Raul Corrêa.
Nessas ocasiões, a esquina de Betinho ficava cheia
de pessoas.
As apresentações eram às 21 horas.
Depois, Montes Claros ganhou a sua primeira emissora de rádio,
a ZYD-7, situada na Rua 15.
Francisco
Gê Acayaba de Montezuma
Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira nº 44
Patrono: Heloísa Veloso Anjos Sarmento
Rio
Pardo de Minas e São Romão foram os primeiros
e únicos municípios criados na
região norte-mineira por Decreto Regencial no dia 13
de outubro de 1831, primeira metade do século XIX.
O Decreto Regencial foi assinado por José Lino Coutinho,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios
do Império. Até então, toda a região
norte-mineira pertencia à Comarca do Serro Frio. O
período regencial durou dez anos entre 1831 e 1841,
entre a abdicação de D. Pedro I (1831) e a coroação
de D. Pedro II (1841), quando teve sua maioridade proclamada.
Em sua monumental obra literária sobre a história
da região de
Rio Pardo, ÂNGELIS (1973: 71-72) descreve a Resolução
de 13 de outubro de 1831 que criou as duas vilas:
“A
Regência, em nome do Imperador o Senhor
D. Pedro II, Há por bem Sancionar e Mandar que
se execute a seguinte Resolução da Assembléia
Geral Legislativa, tomada sobre outra do Conselho
Geral da Província de Minas Gerais:
Art. 1º. - Ficam creadasvillas na província de
Minas Geraes as seguintes povoações:
(...);
4ª. - A povoação do Rio pardo, compreendendo
no seu termo a freguesia do mesmo nome, e a
de S. Miguel de Jequitinhonha;
5ª. - A povoação de S. Romão, compreendendo
no seu termo o julgado do mesmo nome, e do
Desemboque;
(...).”
Quase
dois anos depois, no dia 24 de agosto de 1833 é instalada
a Primeira Câmara Municipal da Vila do Rio Pardo, para
o período de 1833 a 1836, com a posse dos primeiros
vereadores eleitos: Manoel Zeferino Ribeiro (presidente),
João Nepomuceno Moreira de Pinho (vice-presidente),
José Teodoro de Sá, Donato Francisco Mendes,
José Cardoso de Araújo, Plácio José
Ferreira e Henrique Manuel de Almeida. A instalação
e posse foi em sessão presidida pelo padre Carlos Pereira
Freire de Moura (posteriormente eleito Bispo de Mariana),
presidente da Câmara Municipal da Vila de Nossa Senhora
do Bom Sucesso de Minas Novas do Arassuahi (atual município
de Minas Novas), Comarca do Serro Frio, de onde o território
da nova vila foi emancipado (ÂNGELIS, 1973: 199-201).
O território da Vila do Rio Pardo foi dividido nos
seguintes distritos: Rio Pardo (sede), Rio Preto, São
João, Nossa Senhora de Oliveira, Santo Antônio
de Salinas, Santo Antônio da Barra de Itinga e Arraial
da Sétima Divisão (São Miguel).
O que pouca gente sabe é a circunstância em que
foi criada a Vila do Rio Pardo. Pode-se afirmar que foi ao
acaso em razão da passagem de um baiano no povoado
em 1831 com o nome de Francisco Gê Acayaba de Montezuma.
Procedente de Salvador e com destino ao Rio de Janeiro, Francisco
Montezuma utilizara aquela rota a cavalo.
Ao passar pelo povoado de Rio Pardo ali ficou por alguns dias
para descansar e seguir viagem. Com isso teve contato com
algumas pessoas, principalmente com o líder local Conrado
Gomes da Silva, filho de João Gomes da Silva e Thereza
de Jesus Caldeira, e sobrinho do terceiro contratador de diamantes,
Felisberto Caldeira Brant. As pessoas simples do povoado logo
ficaram sabendo que aquele visitante era deputado e possuía
muito prestígio junto a Alta Corte Regencial (1831-1840),
no Rio de Janeiro.
Agradecido pela boa recepção do povo local se
colocou à disposição do povoado para
atender qualquer solicitação ao seu alcance.
Localizado em um ponto distante do sertão norte-mineiro,
com uma economia primitiva, refém da exploração
decadente dos diamantes e sem qualquer tipo de influência
política, os rio-pardenses vislumbraram naquele homem
a possibilidade de pleitear na Corte a elevação
do povoado à categoria de Vila (equivalente a município
atualmente), uma antiga aspiração local. Este,
comovido com a recepção e com os apelos e justificativas,
principalmente de Conrado Gomes da Silva, se colocou à
disposição para ser porta-voz junto à
Corte.
Pouco tempo depois de sua passagem pelo povoado de Rio Pardo,
foi publicado Decreto Regencial elevando a povoação
à categoria de Vila, no dia 13 de outubro de 1831.
E mais: Conrado Gomes da Silva foi nomeado Tenente-Coronel
da Guarda Nacional.
Comovido e grato, o povo de Rio Pardo rebatizou o nome do
povoado de Água Quente para Montezuma em sua homenagem.
O lugar é muito famoso por suas fontes termais e possui
grande potencial turístico.
Mas, quem foi esse homem responsável pela criação
da Vila do
Rio Pardo em 1831, que desencadeou processo de surgimento
de novas vilas, a partir de então?
Francisco Gê Acayaba de Montezuma nasceu em Salvador,
Bahia, no dia 23 de março de 1794 com o nome de batismo
de Francisco Gomes Brandão, filho do comerciante português
Manoel Gomes Brandão e da mestiça brasileira
Narcisa Teresa de Jesus Barreto.
Ainda jovem, tentou a carreira militar, mas foi obstado pela
sua
família que se opôs. Depois, em 1816, agora com
estímulos da família, foi para Portugal estudar
na tradicional Universidade de Coimbra, onde se formou na
Faculdade de Ciências Jurídicas e Filosóficas
em 1821. Retornando para a Bahia torna-se defensor ardoroso
da independência.
Proclamada a Independência, em 1822, abandona o nome
de batismo, passando a se chamar Francisco Gê Acayaba
de Montezuma, como forma de se opor ao colonialismo lusitano.
Como prêmio por sua participação nas lutas,
o Imperador D. Pedro I concede a Francisco Montezuma o título
de Barão de Cachoeira, que foi recusado. Porém,
aceitou ser agraciado com a comenda da Imperial Ordem do Cruzeiro.
Francisco Montezuma ingressa na política em 1823 e
é eleito deputado pela Bahia, indo para a Corte. Ali,
exerce ferrenha oposição ao Ministro da Guerra.
É preso e exilado na França por oito anos.
No seu retorno ao Brasil, é eleito para a Assembleia
Geral Constituinte de 1831. Torna-se o primeiro deputado brasileiro
a levantar bandeira contra o tráfico negreiro se colocando
como um dos pioneiros do movimento abolicionista.
Em 1837, é nomeado Ministro da Justiça e dos
Estrangeiros. Ocupou, ainda, o cargo de Ministro Plenipotenciário
(diplomata) junto ao Império Britânico.
Em 1850, foi nomeado Conselheiro de Estado, e em 1851 se elege
Senador por seu estado natal, Bahia.
Foi
fundador e primeiro presidente do Instituto dos Advogados
do Brasil e um dos membros-fundadores do Instituto Histórico
e Geográfico do Brasil.
Recebeu o título de Visconde com Grandeza (Grande do
Império), por meio de Decreto Imperial de 2 de dezembro
de 1854. Foi ainda comendador da Ordem de Nossa Senhora da
Conceição de Vila Viçosa e condecorado
com a medalha da Guerra da Independência.
Francisco Gê Acayaba de Montezuma teve lugar de destaque
na história da Maçonaria do Brasil. Em 12 de
março de 1829, então no exílio, recebe
do Supremo Conselho dos Países Baixos, hoje Bélgica,
uma carta de autorização para instalar um Supremo
Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito no Brasil.
De volta ao Brasil, instala o Supremo Conselho, usando a autorização
do Supremo Conselho da Bélgica, em 12 de novembro de
1832.
Figura polêmica e contraditória, Francisco Gê
Acayaba de Montezuma foi pessoa importante durante o Segundo
Reinado. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 15 de fevereiro
de 1870, aos 76 anos.
Sua breve passagem por Rio Pardo, em 1831, foi um marco histórico
para a região do Alto Rio Pardo, hoje compreendida
na Microrregião de Salinas, e região norte-mineira.
Culminou com o início de mudança na geopolítica
da região, com o surgimento de novas vilas e termos.
Atualmente, a região Alto Rio Pardo é composta
por dezessete municípios e área geográfica
de 17,8 mil quilômetros quadrados, com população
de 209,2 mil habitantes (Censo IBGE, 2010). O povo da região,
sobretudo o rio-pardense, deve render a Francisco Gê
Acayaba de Montezuma todas as homenagens.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ÂNGELIS, Newton Cônego. Efemérides
Riopardenses. Salinas: R & S Arte Gráfica, 1973.
NEVES, Antonino da Silva. Corografia do Município
do Rio Pardo. Montes Claros, 2008 (edição especial
em homenagem aos 100 anos de nascimento do Autor).
PIRES, Simeão Ribeiro. Serra Geral:
Diamantes, Garimpeiros e Escravos. Belo Horizonte: Cuatiara,
2001.
SITE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_J%C3%AA_Acaiaba_de_
Montezuma.
Praça
de Esportes retalhada!
Ruth Tupinambá Graça
Cadeira nº 96
Patrono: Tobias Leal Tupinambá
O
que será da nossa “Princesa do Norte de Minas”
se a Administração Pública continuar
retalhando-a, vendendo pedaços às empresas gananciosas
que pensam somente em “cifras”? Chegou ao cúmulo
do absurdo: vender parte da nossa Praça de Esportes,
para, em troca, construir um “majestoso estádio”,
um “grandioso teatro” terminal de ônibus
urbanos, etc. A cidade realmente precisa (pelo seu valor cultural)
de um teatro, mas não é “desvestindo um
santo para vestir outro” que se resolve um problema.
Não será retalhando a Praça de Esportes,
destruindo uma obra tão querida e necessária,
em troca de outras construções para as quais
faltam verbas.
As crianças e adolescentes - juventude de nossa cidade
- precisam de práticas esportivas e lazer e não
têm outra opção: por que a Praça
de Esportes ficou abandonada, sem rumo sem direção
adequada?
Tudo
culpa da administração pública e também
da nossa comunidade displicente que aceita tudo por comodidade.
Sabemos que o esporte é a esperança, a solução
para tirar a juventude do vicio das drogas, que cresce assustadoramente
em nossa cidade. Traficantes tomaram conta e as “bocas
de fumo” se espalham por toda a periferia, causando
diariamente mortes e assaltos. A violência nos assusta;
a população vive presa atrás dos altos
muros e das cercas elétricas, enquanto os “reis
das drogas”, matando e roubando, zombam da policia.
Pois realmente são os “donos do pedaço”.
A nossa Praça de Esportes já deveria ter sido
tombada como Patrimônio Histórico pelos relevantes
serviços prestados á nossa comunidade. Ela Tem
valor próprio, È a nossa herança do passado
com que vivemos hoje e passaremos para gerações
vindouras, levando-se em consideração seu interesse
e trabalho para identidade cultural da nossa cidade.
No passado, centenas de jovens atletas ( por ela treinados)
brilharam, disputando em várias cidades do nosso Estado,
elevando o nome de Montes Claros e trazendo medalhas. A Praça
de Esportes tinha vida, tinha alegria e orgulho dos seus campeões,
Eu era jovem e freqüentadora e posso neste momento dizer
o que foi a Praça e os momentos felizes da sua existência
e que muitos desconhecem.
A Praça de Esportes não surgiu de uma noite
para o dia como
num “passe de mágica”. Foi muito difícil
a sua trajetória. Em 1941 ela surgiu bela e majestosa
conquistando todos os corações. Este acontecimento
marcou época em nossa cidade. Nem todos sabem o que
foi outrora o local onde ela se localiza hoje. Era uma várzea
servindo de logradouro público, e na época de
chuvas ela se transformava num verdadeiro pantanal. Até
1938 esta várzea escura e triste permaneceu abandonada.
As noites eram tranqüilas e o único sinal de vida
era o coaxar dos sapos, que na sua orquestra extravagante
quebrava a monotonia daquela várzea, em completa solidão.
Chamava-se Prado Oswaldo Cruz.
Um largo enorme, maltratado, algumas casas comerciais antigas
espalhadas ao seu redor e no centro um grande “papa
vento”. As autoridades competentes da nossa cidade,
até então, nunca conseguiram transformá-la
numa praça atraente e bonita, nem tampouco aproveitar
aquela imensa extensão para melhores fins. Os anos
foram passando e o destino (para sorte de Montes Claros) deu-lhe
um novo Prefeito: Dr. Antônio Teixeira de Carvalho,
o Dr. Santos, como era chamado.
Inteligente, dinâmico, admirável força
de trabalho, empreendedor de grande coragem e otimismo. Bom
caráter (o que hoje é mais difícil) personalidade
forte que levava pessoas a respeitá-lo, inclusive os
amigos e correligionários.
Dr. Santos sonhava com o progresso de Montes Claros e cheio
de entusiasmo, idealizou a Praça de Esportes. Queria
um esporte planejado e bem orientado, de maneira que a infância,
adolescência e juventude montes-clarense pudessem praticá-lo
desenvolvendo-se física e socialmente. A obra era caríssima,
levando em conta os cofres vazios da Prefeitura. Naquela época
não existiam as gordas verbas de hoje, principalmente
para as regiões esquecidas do nosso sertão.
Entretanto nunca desistiu, nem vendeu pedaços da nossa
cidade. Graças á sua capacidade de trabalho
e prestigio, conseguiu vencer todos os obstáculos.
Em 15 de março de1939 foi lançada a pedra fundamental,
começando imediatamente a drenagem daquele famoso pântano.
E em 1941 estava pronta a sonhada Praça de Esportes
com quadras de vôlei, tênis, piscina, etc.
Trouxe de Belo Horizonte, para beleza e estética, plantas
variadas e um jardineiro especializado para cuidar do jardim
e treinar os novos contratados da Prefeitura ,que ainda desconheciam
técnicas de jardinagem. Nossa Praça ficou um
luxo!
Mais tarde foi construída a sua sede social, luxuosa
e confortável, anexa . Era o ponto onde se celebravam
todos os acontecimentos políticos e sociais da nossa
cidade. AS recepções (inclusive serviço
de “buffet”) dos casamentos das minhas filhas
foram realizadas no salão da sede da Praça,
com um serviço impecável. Aos domingos aconteciam
as celebres “matinês dançantes”,
a “coqueluche dos anos dourados. No salão repleto
reinava alegria, animação e respeito. E como
dançavam naquele tempo!..
Época dos boleros de rosto colado, única extravagância
permitida aos namorados. Nada de bebidas alcoólicas.
Era só o prazer de dançar e sentir o calorzinho
do par muito querido e desejado. A nossa cidade foi crescendo,
surgindo novos clubes e a Praça de Esportes foi ficando
no escanteio.
É o grande defeito dos prefeitos( na maioria) : quando
assumem a Prefeitura não valorizam e abandonam o que
os antecessores fizeram. Até a sede social foi demolida,
nem mesmo sabe-se por que. Coisas que só em Montes
Claros acontecem. Hoje ela está mais velha e mais triste.
O seu jardim, antes tão bonito, perdeu aquele colorido,
as flores desapareceram, morreram de sede e de paixão...
E as “bougainvilles” que formavam uma cerca viva
em sua volta - numa festa de cores - foram desaparecendo,
pouco a pouco.
Árvores enormes, sem trato, tomaram conta quebrando
sua estética. Hoje é apenas uma caricatura.
Tornou-se cada vez mais isolada com ausência dos namorados,
dançarinos e atletas dos áureos tempos. Desprezaram-na.
Esqueceram-se dos mais de 60 anos de benefícios prestados
á nossa comunidade. Nos sa Praça de Esportes
está morrendo e que morte triste! Retalhada. Acordem,
montes-clarenses! Basta de displicência e comodismo.
Balancem este “formigueiro humano” (como no passado)
e protestem, gritem, convoquem os responsáveis pelos
problemas políticos e sociais da nossa cidade e região,
deputados, vereadores, políticos e comunidade. Não
deixem a peteca cair...
Do contrário será mais um Monumento Histórico
que irá desaparecer, assim como Igrejinha do Rosário,
Mercado Municipal, Colégio Diocesano e muitos outros
já demolidos para nossa tristeza e saudade.
Ângelo
Soares Neto
Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
Já
não é mais tempo de escrever sobre o “Hotel
Cachoeira de S. Felix”, considerado o grande tempo que
nos separa do lançamento feito em Montes Claros pelo
meu amigo e colega Ângelo Soares Neto. Faço-o,
entretanto, levando em conta a sua eleição e
posse na Academia Montesclarense de Letras, quando vida e
obra tiveram o máximo de destaque para acadêmicos,
familiares e público em geral. Agora vem-me à
mente uma lembrança muito grata da nova leitura que
fiz do romance escrito em Salvador pelo montes-clarense de
Taiobeiras, o amado filho de D. Laura.
Acrescente-se também a recordação de
um interessante discurso feito no lançamento por Ubaldino
Assis, tio e conselheiro do romancista, um desfilar de apontamentos
entre o racional e o apaixonado,coisasdequandooÂngeloeragaroto,meninoderecados
do Banco do Nordeste, aluno do velho Instituto do Dr. João
Luiz.
O tempo passa, a experiência amadurece, as visões
e as realidades da paisagem de muitos pedaços de Brasil
vão se fixando na memória do escritor. A imensidão
de Brasília, o vertical, o horizontal, as linhas curvas
da arte de Lúcio Costa e de Niemeyer, a busca da solidariedade,
o mando, o asfalto, o agreste, a imensidão do planalto
de Goiás, tudo fica retido. Ao lado ou como superposição,
o mar, o verde mar de Iracema, a lagoa azul de Iracema, a
praça do Ferreira, a Aldeota, a cajuína, o caju,
a graviola, o mercado, o calor de Fortaleza e, como símbolo
do Ceará, a serra do Baturité. De longe, como
memória de infância, o gerais, o serrado, o frio,
a garoa, os pequis de Taiobeiras. Muito de Irecê, de
Itabuna, de Propriá, de Guanambi, um mundo, um mundão
desta terra descoberta por Cabral.
De Montes Claros, Ângelo revive uma gostosa vida de
menino levado, parada dura no Grêmio do Instituto Norte
Mineiro, curso de contabilidade, primeiras namoradas, feijão-tropeiro,
torresmo, quebra-queixo, seresta, cinemas aos domingos para
ver os seriados, conversas perdidas na frente da casa de Konstantin,
solteirão da rua D. João Pimenta. Acredito que,
além da diversão que era muita, aconteceu também
muita leitura nos escritos de Cândido Canela, Olyntho
e Yvonne Silveira, Nelson Viana, João Chaves, substrato
que floresce, hoje, em muitas de suas ideias.
Claro que a evidência maior é mesmo a da cidade
de São Salvador, principalmente do Largo do Pelourinho,
campo de batalha antigo de estudantes
e intelectuais e atual de prostitutas e viciados, vivendo
eternamente de batidas da polícia. De Salvador, Ângelo
revive seus melhores anos de Banco do Nordeste e da Faculdade
de Direito, mas, principalmente, da pensão-hotel-república,
mundo de suas aventuras de amor e perdição.
Professor de dança para americanas, guia turístico
de fala francesa nos fins de semana, foi ele um jovem cidadão
baiano no Farol da Barra, no Terreiro de Jesus, na Praça
Castro Alves, na Avenida Sete, na grã-fina Rua Chile,
para não falar das incursões do Mercado Modelo,
da Feira da Água dos Meninos, nas praias de Amaralina
até Itapoã. Dir-se-ia um universo de contradições
do maravilhoso pagão e do místico cristão,
produto da mescla cultural que só a Bahia consegue
ter e reter.
“Hotel Cachoeira de S. Félix” é
um livro de confissão à moda de Darcy Ribeiro,
em “O Mulo”. De repente, o autor se deita num
divã do analista e começa a contar suas experiências,
suas vivências, a vida das pessoas que passaram por
sua vida. Pensa e sonha com o que foi real, dando mais forças
aos temperos das comidas e no doce sabor dos beijos das namoradas
ou das mulheres de encontros sem compromisso. De repente,
o autor descobre na força telúrica dos homens
e mulheres rudes do campo, do casamento do indivíduo
com a natureza, das paixões de baixo de cobertores
domésticos ou dos lençois enxovalhados das casas
de tolerância, um universo de perfumes de mocinhas de
boa família e de fêmeas de brilhantina barata,
tudo numa vida mais agitada que um furacão ainda por
explodir.
Felizmente, o autor fala também de artes, de sentimentos,
de ternuras, de doces carícias, de inocência,
de momentos em que um minuto vale por um milhão de
séculos, onde o passageiro é a eternidade. Tudo
uma fotografia verbalizada do acontecido. Quando registrada,
a palavra não passa!
Armindo
Morais
Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
Os
revoltosos iriam chegar a qualquer hora e, para passar por
Salinas, a fazenda do meu avô João Morais tinha
que ser caminho obrigatório. Como esperá-los
seria loucura ou, no mínimo, ato bem arriscado, todo
o pessoal da fazenda tratou depressa de tirar o time de campo
e descobrir o lugar mais isolado e seguro que fosse possível
encontrar. Aliás, isso não seria problema, pois,
quem mais conhece mesmo a sua fazenda é o fazendeiro.
Meu avô deu ordens expressas para que levassemde um
tudo, o necessário para uma agradável aventura
de pelo menos trinta dias: material de cozinha, roupas de
dormir e de vestir, vacas de leite, garrotinhos de carne macia,
porcos, cabritos, frangos e galinhas, capões, todas
as abóboras e maxixes e raízes de mandioca mansa
que pudessem tirar, sal, tempero, rapadura, açúcar
de pedra, e mais todos os etcéteras - etcéteras.
Também o mais importante para os trinta dias de festas:
pandeiros, violões, sanfonas e um ou outro garrafão
da melhor pinga do alambique, não muita, porque minha
família nunca foi de beber lá esse tanto.
Quando penso nessa proeza, não posso fugir à
lembrança de saída dos judeus para a Terra Prometida,
com Moisés e Josué dirigindo o povo com todos
os animais e todos os terecos de valor. Para governar o rebanho,
foi nomeado o filho mais velho, o mais ajuizado, o defensor
intransigente do patrimônio, já quase em ponto
de se casar, o Armindo Morais. Todos contam, ainda hoje, da
pequena viagem, como uma grande saga, um ato de alegre heroísmo,
um descontraído sacrifício de velhos e jovens,
de patrões e agregados, Mamãe conta que, mesmo
nas paradas para o descanso das mulas de carga, o sanfoneiro
tinha de tocar e a dança era obrigatória. Para
qualquer fomezinha, morria logo uma leitoa, o arroz com carne,
cozinhava fumegando de gostoso. Todos gozavam a vida e só
o Armindo dava o toque de responsabilidade no verdadeiro serviço,
só ele comandava para assunto sério.
Conto esta estória para dizer que talvez tenha sido
nesse impre visto contra-revolucionário de 1926 o grande
início de vida do meu Tio Armindo, um homem de sessenta
anos de trabalhos, do dia que se entendeu por gente até
a hora final por acidente numa fazenda do Pará. Todo
o tempo de sua existência foi tempo sem férias
ou feriados e, como não podia deixar de ser, a última
viagem era também de serviço. O melhor descanso
- dizia - era um bom exercício, ma atividade para ocupar
a cabeça, dar tratos ao juízo. Quando sentiu
terminar sua tarefa de fazer as fazendas de Salinas, Cachoeira
de Pajeú e numa espécie de sesmaria que comprou
de Filomeno Ribeiro pelas bandas do Rio Caititu, pulou de
fronteiras e iniciou um novo império nas matas da Amazônia.
Não era homem de pequenos lotes de terra, era um bandeirante
e um colonizador, seja em Salinas, seja em Montes Claros.
Foi conversando com Tio Armindo, aconselhando-o e dele recebendo
conselho, interrogando-o sempre sobre a importância
da terra e da vida, sobre a pragmática do trabalho
e a vantagem de saber pensar, é que criei dentro de
mim um grande respeito pelo fazendeiro, pelo homem do campo,
a única nação de gente que sabe unir
o suor à meditação, sabe remoer calado
as fatias de beleza de todas as horas do dia.
Joaquim
Soares de Jesus
Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
Valho-me
da filosofia do meu companheiro Alberto Bittencourt, Governador
do Rotary em Pernambuco, para afirmar que Joaquim Soares de
Jesus é, sem qualquer dúvida, uma personagem-
-solução, que participa, com interesse, de todos
os eventos, sempre disponível, motivado, companheiro
e amigo. Agindo com simplicidade, Joaquim é sempre
peça importante no tabuleiro de atividades e relações
no seu meio ou junto das suas muitas comunidades. Como personagem-solução,
integrou - desde muito moço - as mais importantes comissões
de trabalho das cidades em que morou e dos seus entornos geográficos,
seja fazendo, seja ajudando a fazer. Como personagem-solução,
esteve, dia e noite, interessado nos resultados sociais e
culturais. Quando houve problemas, não perdeu tempo
e interesse, e sempre se concentrou em resolvê-los.
Grande Joaquim!
Não é esta a minha primeira participação
no livro MINHA HISTÓRIA, MINHA VIDA. Já nos
primeiros rascunhos, nos primeiros gestos de alinhavar escritos,
Joaquim procurou ouvir os conselhos deste seu amigo, pelos
muitos anos mais vividos, um pouco mais de experiência.
Talvez mais do que isto, por ser mais do que conterrâneos
nas andanças, nos estudos e no trabalho por este Norte
de Minas, além das participações em múltiplas
instituições que moldaram e ainda moldam nosso
caráter. Acredito que nunca faltei com o incentivo
e o louvor para que fosse materializado o seu sonho e o seu
desejo, formadores de exemplo e cidadania. Juntos no ontem,
junto no hoje, espero ainda muito mais juntos no amanhã.
Se pudéssemos ter ainda mais consciência do quanto
nossa romagem terrena é passageira, talvez pensássemos
mais um pouco antes de postergarmos oportunidades de sermos
mais felizes e de fazermos outras pessoas tão felizes
como nós, ou ainda muito mais. Queiramos ou não,
sentimos saudade de certos momentos da nossa vida e de certos
momentos de muitas pessoas que passaram por ela. A verdade
é que, a longo prazo, moldamos nossas vidas e moldamos
a nós mesmos em processos que nunca terminam. Creio
até que é por isso que nunca devemos aprisionar
nossos dons, nossos modos de ser, pois pequenos ou grandes
sempre são válidos para outras pessoas que nos
fazem de espelhos. Alguém em algum lugar tem fome de
seguir bons exemplos. Desculpe-me o leitor, mas é preciso
dizer que até humildade tem que ter limites. Que não
fiquem escondidos nem os pequenos nem os grandes amores, nem
as pequenas nem as grandes amizades. Foi Madre Tereza de Calcutá
que disse: “Não pense que o amor, para ser genuíno,
tenha que ser extraordinário. O que é preciso
é amarmos sem nos cansarmos de fazê-lo”.
Foi Vinicius de Morais que escreveu: “Eu poderia suportar,
embora não sem dor que tivessem morrido todos os meus
amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos”.
Espero que o livro MINHA HISTÓRIA, MINHA VIDA seja
um alento de entusiasmo e de muito interesse para todos que
o lerem. Um perfeito exemplo de grandeza para a vida do aprender
e do trabalhar, para fixar boas razões do quanto vale
a prática do bem em todas as etapas desta viagem que
Deus nos concede realizar por aqui. Como ninguém pode
exigir amor de ninguém, podemos apenas dar boas razões
para que gostem de nós. Sejam constantes, pois, as
nossas ações para melhorar o mundo e as pessoas,
pois embora pequenos, somos parte importante da criação.
Assim, nada mais importante do que a solidariedade. Chico
Xavier nos ensinou que o Cristo não pediu muita coisa,
não exigiu que as pessoas escalassem o Everest ou fizessem
grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos
uns aos outros. Daí o sucesso de Joaquim!
Parabéns,
querido Amigo e Irmão Joaquim Soares de Jesus. O seu
livro marcará época, servirá de exemplo,
constituirá leitura proveitosa e agradável.
Alegrará os seus filhos e netos, alegrará muito
e muito os seus admiradores, os que acompanham você
em muitas etapas da sua vida. Artista principal da peça,
esteja certo que nunca estará sozinho no palco, pois
seus exemplos foram sempre dignos de acompanhamento. E quem
não estiver no alto, no meio do cenário, estará
num entusiástico auditório, de pé e à
ordem para sempre aplaudi-lo. Você nos ensina a olhar
para fora e sonharmos, e a olharmos para dentro e despertarmo-nos.
Você é personagem perfeita do que escreveu Fernando
Pessoa, os supra Camões da Língua Portuguesa:
“O valor das coisas não está no tempo
em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por
isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis
e pessoas incomparáveis”
Que o Grande Arquiteto do Universo o proteja muito, nos proteja
sempre!