Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)
_____________________________________________________________
Cotrim, Dário Teixeira (Org.)
C843d
A Deusa das Letras. Dário Teixeira Cotrim (Org.). Montes
Claros – Minas Gerais. Editoras Millennium/Cotrim Ltda. 2014.
118 p. - Volume II
1. Literatura Brasileira 2. Ensaios 3. Montes Claros - Minas
Gerais
I. Dário Teixeira Cotrim (Org.) II. Título
CDD B869.1
______________________________________________________________
Editora Cotrim Ltda
Rua Euzébio Godinho, 304 - Bairro São José.
39400-356 - Montes Claros - MG
(38) 3015-7939 - dariocotrimcultura@gmail.com
2014
______________________________________________________________
ÍNDICE
Afonso Prates Borba
Ana Valda Vasconcelos
Carmen Victória Netto
Charles Rodrigues Luis
Dóris Araújo
Evany Cavalcante Brito Calábria
Fabiano Lopes de Paula
Filomena de Alencar M. Prates
Gilsa Florisbela Alcântara
Ivana Ferrante Rebello
José Divino Lopes Filho
José Ferreira da Silva
Júlia Maria Lima Cotrim
Juvenal Caldeira Durães
Manoel Hygino dos Santos
Manoel Messias Oliveira
Mara Narciso
Márcio Adriano Moraes
Maria Alice Pereira Ramos
Maria Aparecida Costa
Maria Dione Carvalho de Moraes
Maria Ilca Terence de Noronha
Maria Socorro de Carvalho Silveira
Marilene Veloso Tófolo
Marília Pimenta Peres
Maristela Cardoso Freitas
Neide Peres Amaral
Olyntho da Silveira
Palmyra Santos Oliveira
Pedro Arnaldo G. Peres
Téo Azevedo
Terezinha Campos
Terezinha Teixeira Santos
Virgínia A. de Paula
Wanderlino Arruda
Zoraide Vasconcelos Teixeira
A DEUSA DAS LETRAS
À GUISA DE PREFÁCIO
Dário Teixeira Cotrim
Foi durante a realização da primeira Antologia sobre o Centenário
de Nascimento da professora Yvonne de Oliveira
Silveira, que sentimos a necessidade de organizar outro volume
com a mesma finalidade. Isto se deu pelo fato de inúmeros
amigos e amigas, da homenageada, nos procurar com o desejo
de participarem deste nosso projeto literário. Portanto, esta Antologia–Volume II, com artigos, em verso e prosa, nós a iniciamos
na esperança torná-la um complemento das homenagensjá começadas para essa mulher que ignorou o passar dos anos e
vem brilhando inteligentemente à frente da augusta Academia
Montesclarense de Letras, da Academia Feminina de Letras de
Montes Claros e do egrégio Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros.
Um pouco de sua brilhante biografia: a valorosa acadêmica,
Yvonne de Oliveira Silveira, nasceu na cidade de Montes
Claros – Minas Gerais, no dia 30 de dezembro de 1914. Filha
do saudoso farmacêutico Antônio Ferreira de Oliveira e de dona
Cândida Peres de Oliveira. Casou-se com o poeta e historiador
Olyntho Alves da Silveira. Na sua trajetória da intelectualidade
ela escreveu vários livros. Em parceria com o esposo, publicou
o livro “Brejo das Almas – Crônicas Históricas”. Em parceria
com a amiga e confreira Zezé Colares, escreveu dois interessantes
livros: “Montes Claros de Ontem e de Hoje” e “Folclore
para Crianças”. Além dessas parcerias a professora Yvonne Silveira
ainda escreveu outros dois livros: “Cantar de Amiga” e“Montes Claros – Crônicas”, este último que foi organizado
pelo professor Osmar Pereira Oliva.
É impossível anotar aqui todas as suas atividades de educadora.
Ela escreveu e publicou crônicas em vários jornais da
cidade e, ainda hoje publica no Jornal de Notícias, no Suplemento
Mulher. São mais de duas dezenas de cargos honoríficos.
Ela está à frente da Academia Montesclarense de Letras há mais
de vinte e nove anos somente como presidente da entidade. Foi
a fundadora da Academia Feminina de Letras de Montes Claros
e participa do Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, ocupando a Cadeira N. 5, que tem como patrono o seu
saudoso pai Antônio Ferreira de Oliveira. Professora Emérita de
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e Cidadã Benemérita de Montes Claros, título conferido pela Câmara
Municipal de Montes Claros, em 1985. Neste ano de 2014, ela
foi agraciada com a Medalha Ivan Lopes, pela Câmara Municipal
de Montes Claros, prêmio máximo da edilidade montesclarense.
Hoje, todas as homenagens que estão sendo realizadas para
comemorar o seu Centenário de Nascimento retratam, com merecimento
e justiça, o seu labor educacional e cultural de sua
pessoa. Por outro lado, a paixão e o encantamento pelas letras
acadêmicas sempre empolgaram a mestra Yvonne de Oliveira
Silveira na realização dos seus sonhos.
Entretanto, não se pode falar em Yvonne Silveira sem
mencionar o nome do seu ilustre companheiro Olyntho Silveira,
pois foi outro verdadeiro sédulo da literatura montes-clarense– era sonetista por excelência – e que muito contribuiu para o
desenvolvimento das letras de nossa querida “Terra da arte e
da cultura”. Portanto, Yvonne e Olyntho, um casal perfeito da
Academia Montesclarense de Letras e de outras entidades afins.
Parabéns, Yvonne Silveira! Parabéns, Montes Claros!
Destinos
Olyntho da Silveira
Quando surgiste frente ao meu caminho
E os fados para sempre nos ligaram,
Meus planos todos se modificaram
E armamos de esperança o nosso ninho.
Um após outro, os dias se escoaram
Eu, encantado pelo teu carinho,
Conduzindo por tuas mãos de arminho,
Sentir não pude as horas que passaram.
Veio a neve pintar os meus cabelos,
Mas eu, que só agora posso vê-los,
Relembro aquela venturosa data.
Tornando iguais os nossos dois destinos,
No céu negro dos teus cabelos
finos
Estrelas vêm surgindo já, de prata.
_____________________________________________________________
Do livro ‘Cantar da Amiga’, da professora Yvonne de Oliveira Silveira. Pág.17.
Uma mulher à frente
do seu tempo
Júlia Maria Lima Cotrim
Nós, confreiras e amigas de Dona Yvonne de Oliveira Silveira,
que completa cem anos de idade, em 2014, teremos
a oportunidade de externarmos a amizade, a afeição
e o carinho que dedicamos a ela nesta antologia – A Deusa
das Letras – organizada e publicada pela Editora Cotrim Ltda.,
Falar de Dona Yvonne acho que não é difícil, pois ela se
mostra como uma mulher que batalha pelo seu direito à diferença,
questionando os papéis que lhe são conferidos pela família e pela sociedade, administrando a própria vida, na incessante busca
da possível autonomia, procurando sua porta de entrada para
a cultura, sem aceitar o rótulo de inferioridade às vezes conferido às mulheres.
Ela é uma mulher que procura exercer sua inteligência e
sua sensibilidade quando profere seus discursos, nos passando
um aprendizado inigualável e, numa busca de parâmetros que
sejam mais apropriados ao que vai descobrindo em si mesma.
Dona Yvonne esqueceu a passagem dos anos, o desgaste da
luta, os aborrecimentos da rotina e compartilhou uma relação
alegre e fiel com o seu esposo Olyntho da Silveira, tornando-se
uma esposa-companheira por muitas bodas.
Quisera ter tido a oportunidade de ser sua aluna, enquanto
conheço pessoas que tiveram o privilégio de ter passado por
uma sala de aula, cujo tempo conviveram e deleitaram com seus
ensinamentos. Para mim ela é a pura expressão do ser humano
comprometida com a cultura e o saber. É um exemplo!
Há pessoas que passam por aqui e deixam marcas e ela vai
nos deixar uma contribuição cultural e suas emoções registradas,
que bem assimiladas, se transformarão em sabedoria. Na condição
de uma das grandes construtoras do progresso de Montes
Claros, nada mais justo que receber nosso reconhecimento pelo
extraordinário desempenho frente à Academia Montesclarense
de Letras, à Academia Feminina de Letras de Montes Claros e ao
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.
Nome da Rosa
Evany Cavalcante Brito Calábria
de tão flor sou rosa
......sou paixão mulher de luz
......símbolo do amor rosa que fala
......livre despetalada orgulhosa bela
......aroma que embriaga corações.
de tão rosa sou beija-flor
......cheiro de mato cravo rosa
......mãe flor e de laranjeira
......flor que ama Guimarães
......botão de rosa.
de tão rosa sou mística
......santa rosa pétala-régia
......flor-de-lis que exala perfume
......rosa sem rosa sem cor rosa rara
......flor de lótus rosa d’água.
de tão flor sou tatuagem
......flor da pele primavera flor de vidro
......rosa dos ventos dos olhos e da vida
......rosa buquê flor de pedra
......vaga-lume rosa miudinha.
...... rosa do povo rosa fulô
......tapete de flores
......roseiral em flor
de tão flor sou rosinha.
Dedico este poema a querida professora Yvonne de Oliveira
Silveira neste ano de seu centenário por seu amor incondicional
pela literatura. Sua amizade, sabedoria e generosidade desperta
em mim, a cada encontro, a curiosidade que existe na magia da
palavra. Seu exemplo é perfeito para na realização de sonhos.
Oração
Gilsa Florisbela Alcântara
Nesta prece agradeço a Deus, pela nossa escritora dona
Yvonne de Oliveira Silveira.
Todos os talentos provêm de Deus.
Obrigada Jesus, somos agradecidos porque o Senhor nos
enviou uma grande poetisa, professora e mestra.
Fui incentivada por ela, quando iniciei minhas primeiras
criações literárias.
Bondosa, a amiga Yvonne Silveira corrigiu e apresentou
um livro que escrevi.
Quando meus filhos nasceram, homenageou-os com lindas
poesias.
Também sempre me ajudou quando eu tinha dúvidas.
Obrigada senhor Deus por colocar no Norte de Minas Gerais
uma mulher de grande virtude e capacidade.
Dona Yvonne Silveira também realiza grandes obras de artes
plásticas, como fez a magia em telas a óleo.
Seu maior ensinamento é a humildade. Nasceu de família
abastada em Montes Claros e possui inteligência suprema.
Que nossa querida Dona Yvonne tenha sempre seu amparo
em Jesus Cristo. Ilumine, Senhor, sua trajetória e cubra de
bênçãos toda família e dona Yvonne de Oliveira Silveira.
Amém.
E viva o amor
A Yvonne de Oliveira Silveira, pelo seu Centenário
Dóris Araújo
E viva o amor!
Esse amor amoroso
Que supera distância
Amor caloroso
Que não tem arrogância
Esse amor que é amor
.....E viva o amor!
.....Esse amor que é diálogo
.....Que confia, que ampara
.....Amor que é presente
.....Esse amor cuidadoso
.....Amor paciente
E viva o amor!
Esse amor benfazejo
Amor confidente
Bem maior que o desejo
Esse amor que conquista
O respeito da gente
..... E viva o amor!
.....Esse amor solidário
.....Amor sem medida
.....Esse amor relicário
.....Que convida ao amor
.....Esse amor fé na vida
E viva o amor!
Esse amor que protege
Que socorre e alivia
A dor que o outro sente
Esse amor consciente
Esse amor poesia
..... E viva o amor!
.....Esse amor harmonia
.....Amor compreensão
.....Esse amor que é sincero
.....Amor que é tão vero
.....Amor devoção
E viva o amor!
Esse amor companheiro
Amor carinhoso
Amor que não obsta
O progresso do outro
Amor generoso
E viva o amor!
Esse amor que é ternura
Amor firme e forte
Amor fio eterno
Amor sem ranhura
Amor além-morte
E viva o amor!
Que ultrapassa o tempo
Esse amor infinito
Esse amor afeição
Esse amor que é bendito
Muito além da paixão
E viva o amor!
Esse amor tão profundo
Amor sem igual
Esse amor que é tão lindo
Entre Yvonne e Olyntho
Amor magistral
Homenagem A Yvonne
da Sociedade das Amigas da Cultura de Montes Claros
Marília Pimenta Peres
Voltemos à nossa Montes Claros de tempo atrás. Ainda
bem provinciana, urbanisticamente e quanto às ideias:
estradas poeirentas, aboios de vaqueiros conduzindo o
gado até mesmo pelas ruas centrais, reuniões de famílias nas
calçadas ao entardecer, vozes de crianças entoando cantigas de
roda misturando-se ao canto de pássaros – naturais inquilinos
das muitas árvores que sombreavam os extensos quintais, fogõesà lenha em torno dos quais era saboreada a comida-amor e se aquecia espírito com conversas amenas. Como disse Cecília
Meireles: “tudo estava certo, no seu lugar, cumprindo seu destino.
Não havia perigo”!
Foi nesse cenário, que nasceu a menina Yvonne. Sertaneja
forte, simples, com os pés na terra, mas a cabeça buscando as
nuvens. Naquela menina já aflorava a alma de uma mulher sem
medo de sonhar, sem medo de ousar perseguir seus sonhos e torná-los uma realidade. Com que sonhava a jovem Yvonne, numaépoca em que se reservava às mulheres, principalmente, ou tão
somente o direito de gerenciar seus lares?
Sonhava com o direito de construir seu destino e administrar
sua própria vida. Ávida por absorver o novo que alimenta
o espírito, enveredou-se por caminhos que levavam ao exercício
do desenvolvimento de seu intelecto, certa de que só se tornaria
livre da mediocridade e limitação humanas através da incessante
busca do conhecimento, do aprender a olhar e captar a realidade
circundante em constante inovação. Já percebia que, a cada instante,
a Natureza e o Mundo se renovam, de forma que nunca
olhamos duas vezes para o mesmo ser ou objeto. A jovem Yvonne
já fazia sua leitura de mundo com olhos e sensibilidade do
poeta português Fernando Pessoa, quanto esse, usando um de
seus heterônimos –Alberto Caeiro – expressa sua visão da realidade
exterior:
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei o essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo.”
Comprometida com sua realização pessoal, sentia que a
verdadeira razão do viver só seria encontrada na exteriorização
de suas emoções. Movida por grande sensibilidade e capacidade
intelectual, concluiu que nenhum conhecimento, competência
ou habilidade, nenhum aprendizado crítico sobre o universo humano
seria possível sem o domínio da língua materna. Usando
esse instrumento com o purismo de um Bilac e a perfeição machadiana,
D. Yvonne apreendeu o mundo, construiu e escreveu
sua história de vida.
Viveu sua infância em Montes Claros. Uma época tranquila,
alegre, porém a disciplina e o rigor da perfeição, exigidos
pela avó materna Zizi, desde cedo já marcariam sua personalidade.
A primeira neta, ainda pequenina, já era motivo de orgulho
dos avós e inveja dos primos, quando se reuniam na casa do
Padrinho – como chamavam o avô Chico Peres – para fazer suas
demonstrações de leitura. Ela, a mais nova de todos, lia os textos
com desenvoltura e entonação de um orador eloquente.
Aos quatorze anos, muda-se para o Brejo das Almas, fato
que ela revive com emoção em uma de suas crônicas:
“O ônibus andava, havia uma hora, pela estrada poeirenta e
estreita. Os meninos – éramos oito irmãos – distraíam-se acompanhando
o voo dos pássaros ou reparando as árvores que corriam em
sentido contrário.Eu sonhava.
Desde que se falara em mudança, minha cabeça encheu-se de
fantasias. Nunca tivera oportunidade de viajar.”
E o Brejo das Almas apareceu em sua vida e tomou seu
coração. Passou ali o resto de sua adolescência, a mocidade e o
início da maturidade. Foi lá que “sorriu pela primeira vez a um
estranho” e “um jovem muito querido de muitas conquistou a filha
de um farmacêutico.”
Com voz de apaixonada refere-se a esse fato: “Daí por
diante, Brejo das Almas tornou-se para mim o lugar mais bonito do
mundo, e muitos anos se passaram sem que me lembrasse de regressar
a Montes Claros.”
***
“O amor faz desses milagres na vida da gente. Transforma
e mistifica. Dá-nos coragem para enfrentar lutas sobre-humanas e
até para morrer pelo bem-amado. É assim que a Natureza garante
a perpetuação da espécie, despertando nos adolescentes esse instinto
poderoso que os poetas fantasiam e chamam de amor.”
Dona Yvonne e Olyntho – dois jovens que deixaram “o
amor entrelaçar os seus destinos.”
A alma de poeta do companheiro amado, Olyntho Silveira,
revela mais tarde seus sentimentos nos versos do soneto Destinos:
“Quando surgiste frente ao meu caminho
E os fados para sempre nos ligaram,
Meus planos todos se modificaram
E armamos de esperança o nosso ninho.
Um após outro os dias se escoaram.
E eu, encantado pelo teu carinho,
Conduzido por tuas mãos de arminho,
Sentir não pude as horas que passaram.
Veio a neve pintar nossos cabelos,
Mas eu, que só agora posso vê-los,
Relembro aquela venturosa data.
Tornando iguais os nossos dois destinos,
No céu negro de teus cabelos finos
Estrelas vêm surgindo já, de prata.”
Dona Yvonne teve na sua vida outra paixão: A ARTE DE
ENSINAR. Segundo ela, “a falta de normalistas no lugar e de
dinheiro em casa”, fizeram dela professora aos quinze anos.
Mas a paixão pelas letras e pelo ofício de mestra veio como
herança intelectual de seu pai, que era considerado como um
dos bons oradores de Montes Claros, na época – palavras de meu
sogro Levy Durães Peres – primo e padrinho de Dona Yvonne.
Autodidata como Machado de Assis, a jovem Yvonne enriqueceu
seu espírito lendo livros e livros da biblioteca organizada
por Biela Campos, diretora da escola onde a mais nova professora
do Brejo iniciou sua carreira profissional. Nas suas memórias
ela diz:
“Creio não ter ficado volume sem que eu lesse, entendendo ou
não. Passou a divertimento a coleção de Metodologia, em espanhol,
lida com o namorado. Nas reuniões das professoras fazia bonito,
traduzindo para as colegas a mandado da diretora. Posso dizer que
aqueles quatro anos de leitura valeram por um curso de didática,embora eu o fizesse desordenadamente, por falta de orientação e
base. Mas muita coisa foi aproveitada, para alguma alegria e muitos
pesares.”
Por competência e mérito pessoal, dona Yvonne fez-se professora,
tornando-se um exemplo de amor à grande missão de
ensinar. Aprendeu música sozinha e regeu o coro da igreja por
quinze anos, o que lhe proporcionou grande alegria, pois cantar
era seu maior prazer. Tanto que, ao voltar para Montes Claros,
já então professora de Língua e Literatura na Escola Estadual
Plínio Ribeiro, a antiga Escola Normal, quis aperfeiçoar esse seu
outro talento, fazendo curso de canto no Conservatório Lorenzo
Fernandez.
Mas sua alma inquieta tinha anseios por novos conhecimentos
para que pudesse acompanhar o acelerado processo desenvolvimentista
de Montes claros. O desenvolvimento socioeconômico
viria, com certeza, junto com o desenvolvimento cultural.
E a professora Yvonne queria seguir a marcha do tempo.
Montes Claros entra na era dos cursos superiores. Yvonne
volta aos bancos escolares na antiga FAFIL- faculdade que
a experiente mestra ajudou também a estruturar e onde fez seu
curso superior de Letras, com licenciatura plena em Língua Portuguesa
e suas Literaturas e Língua Francesa e suas Literaturas.
Passando logo a fazer parte do corpo docente da nossa Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras do Norte de Minas. Lecionou
com prazer e competência a disciplina Literatura Portuguesa.
Como me lembro de suas aulas! Além da paixão pelos escritores
portugueses, ela dividia conosco o brilho do seu saber e a leitura
pura, ingênua até, que fazia dos fatos cotidianos da vida:
“Porque a Beleza,
Gêmea da Verdade,
Arte pura inimiga do artifício
É a força e a graça na simplicidade!,
Como bem disse nosso poeta Olavo Bilac.
Posteriormente, D. Yvonne faz na PUC o curso de Teoria
da Literatura, disciplina que ela lecionou durante vinte anos.
Foi um tempo de muito trabalho e dedicação, mas gratificado
pelo prazer de ensinar a arte da recriação da realidade através da
palavra.
Com a inquietude das coisas que não têm repouso, D.
Yvonne continua sua caminhada. Sempre equilibrada, com extrema
lucidez e paixão por tudo o que faz, ela vai colhendo os
frutos e alegrias tão merecidos e justificados pela grandiosidade
do seu fazer em benefício da nossa cultura.
Pôde ver realizados muitos de seus sonhos: viagens por
quase todo o Brasil, participação em congressos, seminários e
encontros culturais “até em Portugal” como me disse na sua simplicidade,
o que para ela foi motivo de plena realização pessoal
e profissional.
Seu espírito dinâmico já se manifestou uma vez dizendo:
“O rio, como o homem, muda de segundo a segundo. Mas
são os filósofos que veem essas coisas para nós”. “Fato interessante na
vida é termos grandes desejos, lutar e rogar por eles, não alcançando,
porém, nem a metade daqueles a que aspiramos”.
Por isso, a mestra maior, esposa, mãe, avó e bisa amorosa,
amiga sincera e mulher grandiosa, escritora, artista continuará
perseguindo seus sonhos, fazendo-se presente, procurando ser,
ela mesma, em toda sua plenitude, como os “Ipês de Ouro” cantados
na sua Sonata nº 1:
“Ipês de ouro desafiam o sol,
Gritam na terra seca a alegria da vida,
Ao longo das curvas da rodovia”.
As homenagens prestadas a ela foram muitas, mas não o
bastante para demonstrar a gratidão e o orgulho da nossa Montes
Claros em tê-la como filha.
Receita para se chegar aos 100: sabedoria, simplicidade,
caráter, sensibilidade, amor, alegria de viver!
Muito obrigada, Dona Yvonne! Montes Claros e a Associação
das Amigas da Cultura lhe agradecem por ser uma referência
de vida para todos.
Uma Estrela Brilha
no Norte-Mineiro
Carmen Victória Netto
Existem pessoas que vêm ao mundo com a finalidade de
trazer beleza, agregar a comunidade, poetar, escrever, desenhar
e outros dons que enriquecem o convívio humano.
Yvonne de Oliveira Silveira é uma dessas pessoas.
A escritora montes-clarense levou para sua vida pessoal a
mesma beleza e gentileza que anima sua literatura.
Poucas escritoras partilharam com o público a capacidade
de promover amizade, aliada à espontânea percepção do ser
humano, daí seu perfeito entrosamento com as pessoas do seu
mundo intelectual e afetivo.
Da criação artística, através da literatura ficcional e memorialística
revela seu primoroso estilo, registrando no papel lances
ditados pelo seu intelecto e sua sensível emoção.
Yvonne é uma pessoa brilhante. Gosta dos amigos, das viagens
e de conviver com a juventude. Sua cabeça sempre jovem se
transforma num deles.
Aos cem anos, ela conquista o direito de ser jovem, é uma
das nossas amigas de infância.
Junto a Unimontes, Yvonne contribuiu com a cultura
montes-clarense que se espalhou a rincões mais distantes.
Como mudei de Montes Claros a partir dos anos sessenta,
não tive o privilégio de conviver com essa grande intelectual,
mas me lembro que, ainda menina adolescente, lia suas crônicas
na Gazeta do Norte, sob o pseudônimo de Simone e encantavame
com elas.
Como um farol a enviar luz, Yvonne continua a iluminar a
todos com luzes mais intensas de mestra de uma geração inteira.
Cem homenagens aos
cem anos da Professora
Yvonne Silveira
Mara Narciso
Desde o dia 30 de dezembro de 2013 foram programadas
e estão acontecendo homenagens no ano do centenário
de Dona Yvonne Silveira. Assim que os festejos
começaram, de pé, com voz firme, ela diz não é merecedora de
honrarias. Conduzida pelo vice-presidente da Academia Montesclarense
de Letras, Wanderlino Arruda, a grande dama da intelectualidade
montes-clarense, a eterna Presidente da Casa de
Yvonne Silveira, o codinome da já citada academia, postou-se à mesa de honra, seguindo o cerimonial coordenado pela acadêmica
Glorinha Mameluque. Era o dia 27 de março e a homenagem
fora organizada pela Academia Feminina de Letras de
Montes Claros, entidade da qual é mentora.
Pertencente ao Conservatório de Música Lorenzo Fernandez,
o Coral Waldir Pereira entoou o Hino a Montes Claros cuja
letra é da homenageada e a música da maestrina Clarice Sarmento.
O grupo cresceu em número, reverberou nas entranhas do
Elos Clube, e emocionou Dona Yvonne, que não pôde conter
as lágrimas.
Então, Ivana Ferrante Rebello, fazendo uso dos seus atributos
capacidade, talento e inteligência, inventa uma fala tão
magnética, que causa o efeito de plateia hipnotizada. Conta a
relação professora e aluna que se dava entre ela e Dona Yvonne,
que lecionava Literatura na Fafil, a Faculdade de Filosofia. Não
tenho como esmiuçar a memória e trazer as palavras de Ivana,
apenas o bem-estar que a lembrança delas me faz. Mencionou
que a mestra trazia a liberdade para suas aulas, pois abria portas,
escancarava janelas, mostrava o lado lúdico da escrita bonita que
se esconde nos livros. Um ensinamento feliz. E tudo em cima do
salto alto, o lado feminino não esquecido por Ivana, doutora em
Literatura.
A poetisa Karla Celene Campos apresentou um conto de
amor, a história de Dona Yvonne, acontecida no Brejo das Almas,
hoje Francisco Sá. Era uma menina de 14 anos, filha do
farmacêutico que conheceu seu pretendente, apaixonou-se, casou-se e viveram juntos 76 anos. Usou fortes imagens poéticas
para enfatizar a grandeza daquele amor. Quando ficou viúva, naturalmente
entristecida pela ausência do seu amado, não perdeu a doçura, emanando de si uma voz suave e um leve sorriso, com
a aparência de quem acaba de sair do banho.
A também acadêmica Mary Lelis declamou um poema de
sua autoria, a pedido da homenageada. Então o Coral Waldir
Pereira, regido pelo maestro William Leal, que se empolgou e até
cantou, voltou à ribalta executando mais duas músicas escolhidas
pela confreira Maria do Carmo Veloso, integrante do grupo.
Novas e reforçadas emoções tomaram seu lugar na casa.
No Dia Internacional da Mulher a Placa Yvonne Silveira,
criada pela artista plástica Ângela Vera de Castro é oferecida a
uma mulher que tenha brilhado naquele ano, e desta vez, embora
redundante, tal placa foi oferecida a Dona Yvonne Silveira,
que, após receber flores de Evany Calábria, presidente da Academia
Feminina de Letras, agradeceu, referindo sua falta de mérito.
Respeitando seus cem anos, peço licença para discordar.
O poder transformador de quem ensina é o maior de todos. O
professor bem preparado, que se empenha em ensinar, amplia
e multiplica tal poder que adquire efeito incontrolável. Entre
os seus merecimentos está o mais prático: ela não apenas transformou,
ela revolucionou boa parte dos seus alunos, incutindolhes
o gosto pelos livros, criando neles a necessidade de saber, e
com isso alterou mentes, histórias e realidades. Professor e livros:
quem mais tem essa força? Diante da generosidade da professora
Dona Yvonne Silveira, seus ex-alunos a agradecem por ter sido
grande em suas vidas e operado maravilhas. Quem faz isso, e
ainda por cima é uma das mulheres, junto a Amelina Chaves,
que faz parte do hermético grupo da Academia Maçônica de Letras
do Norte de Minas merece não uma festa, mas uma centena, uma para cada ano de vida, mais outra para cada ano de magistério,
ocasião em que pôde fazer e fez deslumbramentos. O seu
trabalho não se vê e nem se mede, mas os efeitos observados são
perenes.
YVONNE SILVEIRA
Entre dois Centenários
Fabiano Lopes de Paula
Dona Yvonne nasceu para perceber o mundo! Com a sua
genialidade, o seu eterno olhar. Isso nos faz reconhecer
a sua originalidade. Extrai do mundo as suas relíquias
e as transforma, em seu cotidiano, em coisas inusitadas, vistas e
lidas.
Tomo, como exemplo, o texto sobre Manuel Turíbulo...
A MINHA HUMILDE ARTE
Yvonne de Oliveira Silveira
Não riam de minha humilde arte. Conhecem-na? É a arte
de consertar imagens. Ela é tão humilde quanto a daquele artista
anônimo do qual a herdei. Chamava-se Manuel Turíbulo. Não.
Este era o seu apelido, por ser sacristão. O seu verdadeiro nome
era Manoel Carlos de Oliveira.
Conheci-o desde que me entendi por gente, quando ainda
morava em Montes Claros, com a minha família. O “Seu Manoel”
era nosso vizinho. Mamãe não deixava que o chamássemos
pelo apelido, pois ele não gostava; nem permitia que fôssemos à
sua casa, por que não tinha crianças.
Os quatro filhos, três rapazes e uma moça, já não estavam
em idade de brincar. Mas eu escapulia, de vez em quando, e ia
ver o “Seu Manoel” esculpir imagens em madeira e em gesso. Na
sala de fora onde trabalhava, havia uma prateleira com vidraça e
nela guardava as imagens de Nossa Senhora, São José, Menino
Jesus e outras. Eu gostava mais do Menino Jesus, tão delicados,
com bracinhos abertos, umas mãozinhas tão pequenas! Cheguei
a adquirir um por “três mil e quinhentos réis”.
O “Seu Manoel”, alto, magro, quase não conversava. De
vez em quando, vendo o meu êxtase pelas imagens, sorria-me e
perguntava se estavam bem feitas e bonitas.
A casa, lá dentro, era sempre escura, defeito na repartição,
talvez, mas minha imaginação infantil ficava a ver mistérios em
tudo. Parecia-me que ali faltavam alegria e vida, não sei. Os seus
moradores pareciam tristes e doentes.
Não me recordo se as duas famílias se visitavam. Conversavam
das janelas, como se usava naqueles tempos.
Depois mudamos de rua e me esqueci do bom vizinho.
Quando, mais tarde, minha família voltou para a mesma rua, eu
já morava aqui em Francisco Sá e o “Seu Manoel” havia mudado.
Os anos passaram e a infância foi esquecida. Desde aquelaépoca, porém, eu gostava de desenho e sentia facilidade em copiar,
principalmente rostos.
Lembro-me até que um deles causou admiração em dona
Nieta Veloso, professora de desenho, fazendo questão de colocar
em exposição. Como a Dona Nieta gostava de estimular os
alunos, chamava a atenção dos visitantes para aquele rosto de
criança que eu desenhara quase com perfeição. Mas até agora só
fiquei no quase...
Nunca pensei, porém, em imitar o meu vizinho, mas em
uma noite de coroação, vendo a imagem da Virgem feita por
ele, estragada e descorada pelos anos, pedi ao Padre Salu para
consertar. Ele hesitou, pois nunca tivera noticia de que eu fosse“pintora”. Insisti e terminei sendo atendida. Graças a Deus,
Padre Salu gostou do meu trabalho e me mandou renovar todas
as imagens da matriz. Com carinho, dei nova cor àqueles rostos
delicados, talhados na madeira, com tanta dificuldade, pelo meu
vizinho!? Os mantos cheios de dobras e de flores, os Meninos
Jesus, tão bonitinhos! Tudo retoquei. Desde então passei a ser
reformadora de imagens.
Por minhas mãos têm passado obras de escultores anônimos
e imagens feitas nas grandes fábricas. A muitas, faltam nariz,
braços, dedos... e a todas vou remodelando.
Hoje as fábricas nos mandam quantas imagens queiramos,
mas aqueles que possuem as suas velhas relíquias querem conservá-las.
Há poucos dias, consertei várias da igreja de Santo Antônio
do Gorutuba. Velhas imagens. Entre elas uma Virgem da
Conceição, de quase um metro, talhada em madeira, é uma maravilha
de arte.
Quis saber, dos filhos de lá, qual o artista que a fizera. Minha
miga, Dona Ritinha, com 75 anos, disse-me que, quando
era criança, já ouvia dos velhos dessa cidade contar a história de
Dona Angélica, baiana, casada com um português, Manoel Lourenço,
pai do Sá Velho, o primeiro membro da ilustre e conhecida
família mineira. Fora a D. Angélica que, firmada a residência
em Santo Antônio, mandara buscar da Bahia a bela imagem de
Nossa Senhora da Conceição e outra de Nossa Senhora da Boa
Viagem. E o burro que as levara ficou forro, nunca mais trabalhou.
Isto aconteceu há quase duzentos anos.
Meu marido, muito brincalhão, é que lembrou de me
comparar com o Manoel Turíbulo, e o Toni, meu sobrinho, quis
saber por que, tendo guardado o nome.
Há poucos dias, uma das minhas irmãs, vendo-me trabalhar,
falou mesmo: “Não tem jeito. Você ficou sendo mesmo o
Manoel Turíbulo”.
Não me sinto humilhada nem envergonhada. Ao contrário,
orgulhosa do meu conterrâneo anônimo que, com sua arte
pôde adornar nossas igrejas com belas imagens, naquela época,
tão difíceis de ser adquiridas.
Invejo-o, sim, por não ter a sua habilidade. Imitando-o,
venero sua memória. O Toni, porém, não entende nada disso. E quando estou a pintar e ele apanha um dos pincéis para garatujar
portas e janelas, se o obrigo a recolocá-lo no lugar, sai rindo e
dizendo num tom cantante, para me vingar: - Manoel Turíbulo!
Manuel Turíbulo!
Este texto foi publicado por ocasião do centenário de
Montes Claros, no livro ”Montes Claros, sua gente, sua história
e seus costumes”, de Hermes de Paula. Revisito os dizeres dessa
artista e reverencio a atualidade de suas palavras: as memórias
hoje guardadas, a sua arte e a sua sensibilidade de trazer à tona
um pouco de sua trajetória. Valorizou as coisas antigas, numaépoca em que o tradicional se descartava para abrir caminho ao
novo, ao moderno com suas inovações que chegavam com a era
JK. Mais de 50 anos depois, seu texto nos reencaminha para a
história das coisas, das imagens que lhe eram tão caras, prestando
um serviço ao nosso conhecimento.
A SATISFAÇÃO SOB O PONTO DE VISTA DA ARTE
Yvonne Silveira e a arte de restaurar e dar a vida às coisas
que, pelo desgaste natural ou circunstâncias várias, perdem
sua beleza, seu brilho original. Embora, tendo esse fazer como
hobby, Deus lhe conferiu mais esse dom: fazer viver o valor das
coisas. Essa qualidade, não aprendida por ela na escola, veio-lhe,
naturalmente, de seu interesse e observação do trabalho de seu
mestre, Manuel Turíbulo, também autodidata.
Sobre sua arte, ela mesma diz: “Não riam de minha humilde
arte. Conhecem-na? É a arte de consertar imagens. Ela é tão
humilde quanto a daquele artista anônimo do qual a herdei”.
Concordamos quando ela se refere à humildade da profissão, pois, talvez, tivesse mais valor criar que refazer, reparar. Talvez
fosse humildade a arte da meticulosidade, do detalhe, da paciência
e da extrema sensibilidade, que reaparecem nas mínimas coisas
restauradas. Talvez fosse humildade o fato partir do trabalho
inicial de outrem e não do seu. A humildade não se enquadra
nesse tipo de trabalho, e, sim, na simplicidade do próprio artista,
que, na paciência, respeita o fazer de seu antecessor na peça que
cinzela. Recupera-lhe as feições, o formato, o significado. São
duas artes que se mesclam e não se sabe qual é a melhor: a primeira
ou a atual. A primeira apresenta o novo e a segunda no-lo
devolve igual à peça original; algo valioso, imensamente capaz
de nos maravilhar, de nos prestar informações, de devolver-nos
o brilho no olhar.
O dom artístico do restaurador envolve, além da seriedade,
a responsabilidade, pois, apesar fazer despontar em seu trabalho
a sua característica de seu criador, respeita a feição original doa
obra, com seu estilo e história. Aí não se encerra a genialidade
de D. Yvonne Silveira. Conhecemo-la como célebre escritora,
mestre das letras, arte que trabalhou com sabedoria e dedicação.
Inspirou, em muitos daqueles que tiveram a oportunidade de
compartilhar de seus ensinaentos, o gosto pela “Última flor do
Lácio [..]”, porque soube mostrar a pureza e a essência da língua.
Parabéns pelo seu centenário de vida que já começamos
a celebrar, pelo tempo do fazer artístico, de dar continuidade à
história pelas letras, pelo modo singular e humilde de resgatar a
vida.
ACRÓSTICO PARA YVONNE
Palmyra Santos Oliveira
Iconista foste antigamente
Viajando à nossa cidade
Onde eras esperada
Na igreja da Matriz
Em Montes Claros.
Deste então
És do nosso coração.
O que mereces
Lúcida aos 99 anos
Imensa sabedoria
Vives e discursar
Em qualquer ocasião
Idade não importa
Realidade, sim.
Ao fazer-nos aclamar-te.
Sabedoria infinita
Influencias nossa vida
Libertando nossa mente
Voz sonora em sua glória.
Ensibuas diariamente
Igualar os corações
Reinando constantemente
Aumentas tua vitória.
Dona Yvonne. Conheci vários de seus irmãos em nossa
terra natal. Lívio, Zilda e Nilza eram grandes amigos meus. Não
conheci seus pais. Quando se mudaram para Brejo das Almas eu
era pequena. Depois fazia compras na loja de seus tios maternos
na Praça do Mercado. Não sei o porquê da filha do farmacêutico
Sr. Niquinho de Açúcar ter se mudado com seus pais e, seus
irmãos terem ficado em Montes Claros. Certamente foi para que
todos estudassem. E a senhora logo se casou. Era uma moça
muito linda.
O Sr. Manuel Turíbulo, sacristão do Padre Marcos Van In
sabia dos seus dotes artísticos e em certa ocasião a senhora ainda
criança pediu autorização para pintar umas imagens que esta vam descoradas. Serviço feito, Sr Turíbulo achou perfeito o seu
trabalho e sempre a pedia que repintasse algumas imagens.
Peço-lhe que perdoe meus erros. Sua amiga Palmyra.
Yvonne SILVEIRA
Faz Cem Anos
Virgínia A. de Paula
Lembro-me bem. Eu no pátio da Escola Normal ainda estudante
do ginasial conversando com minha prima Verônica.
De repente aparece aquela senhora elegante na janela
com um sorriso semelhante ao da Mona Lisa. Devia estar
pensando em algo agradável. Olha para as alunas sem fixar os
olhos em ninguém especial. Nunca a tinha visto por ali. Verônica
informa: “É nossa nova professora de Português. Chama-se
Yvonne Silveira. Tem muita classe, não é? Parece um personagemde um livro que li recentemente.” Chegando em casa comento
sobre ela. Para minha surpresa descubro ser bem conhecida dos
meus pais havendo até certo parentesco conosco, por afinidade.
Dona Yvonne é irmã do meu tio Lívio, marido de tia França,
irmã da minha mãe. Nasce em mim uma vontade: que ela viesse
a ser professora também da minha turma! Tal nunca aconteceu.
Mas torna-se cada vez mais presente em minha vida.
Sendo meus pais frequentadores de reuniões festivas culturais,
a encontro sempre com seu esposo Olyntho Silveira quando
os acompanho. Fico logo sabendo ser um casal excepcional
unido no amor e na literatura, ambos de grande produção
intelectual. Ele também poeta e até mesmo compositor de marchinhas
de carnaval, o que me causa encantamento ao ouvi-las
numa reunião especial para ele no Automóvel Clube.
A presença do casal é constante também em forma de livros
nas nossas estantes, quando não nas nossas cabeceiras! Revejo
emocionada minha mãe na sua cadeira de rodas na sala,
livro de Dona Yvonne nas mãos pedindo: “Leia para mim! Não
enxergo bem...” É o que faço com prazer.
Nossa dama maior das Letras aparentemente perdeu sua
alma gêmea há pouco tempo. Entristeceu-se naturalmente, porém
com a força das grandes almas levantou-se dando prosseguimento
na sua missão de trabalho pela cultura. Ele não gostaria
que fosse diferente e com certeza, de onde está, orgulha-se
de tudo que ela faz. Nós do Instituto Histórico Geográfico de
Montes Claros também nos orgulhamos e estamos felizes pelo
seu convívio e sua inspiração. Dou graças por poder prestar a ela
essa justa homenagem no ano do seu centenário. Emocionada
relembro aquela manhã que a vi pela primeira vez emoldurada
pela janela da Escola Normal, como se pintura fosse, sem saber
que ali estava aquela que me pegaria pela mão introduzindo-me carinhosamente no meio literário. A seu convite tomo posse na
Academia Feminina de Letras, uma de suas mais felizes criações,
no ano de 2008. Registro aqui minha eterna gratidão, minha
admiração, minhas emoções nos seus cem anos, Dona Yvonne.
Toda cidade canta “Feliz Centenário”.
UM ACRÓSTICO PARA
YVONNE SILVEIRA
Afonso Prates Borba
Inda que, às vezes, turve o teu semblante.
Voem sobre ti pétalas ou espinhos
Onde estiveres, em qualquer instante,
Na tua força interior, pujante,
Encontrarás feliz, os teus caminhos.
Minha mestra
Minha amiga
Filomena de Alencar M. Prates
Falar sobre Yvonne Silveira é fechar os olhos, silenciar e no
silêncio ouvir os gorgeio de pássaros, murmúrios de águas
de um regato, bimbalhar de sino da pequena igrejinha da
cidade onde nasci, senti o perfume das flores silvestres que margeiam
o caminho. E, nesse devaneio volto aos bancos da saudosa
FAFIL, onde encontro a Yvonne meiga, elegante e talentosa, lecionando
Literatura portuguesa. Na segurança da sua sabedoria
nos falava de Camões, Gil Vicente, Fernando Pessoa etc. como se estivesse conversando com velhos e grandes amigos; nas suas
aulas o silêncio era absoluto, mesmo sendo uma turma composta
na sua maioria de pessoas jovens.
O caçula da turma era o Benedito Said, que apesar de ter
apenas 18 anos de idade, nas aulas da Yvonne se comportava
como “gente grande”, o que não acontecia em aulas de outros
professores; isso porque a dedicação e sabedoria da mestra era
tamanha, que ninguém ousava perder a atenção para os seus ensinamentos.
Quando nos falava sobre trovadorismo havia uma
verdadeira bilocação, a mestra nos falava dos trovadores como se
estivesse sido transportada para o mundo deles. Fernando Pessoa
e seus heterônimos estavam ao seu lado dialogando com a Yvonne
em suas aulas.
Um dia ao falar sobre a lua, eterna inspiradora dos poetas,
pediu-me para indicar algum poema que falasse da lua. Citei a
Lua Cheia de Manoel Bandeira; Lua Nova de Rogaciano Leite,
Lunar de Guerra Junqueiro e por fim o poema do português
João de Lemos, A lua de Londres; Foi aí que a querida mestra
me chamou para junto de si e pediu-me que eu recitasse o referido
poema na frente de toda a classe, o que fiz com um pouco
de timidez, mas, que agradou a todos.
Quando fui convidada para ocupar a cadeira 17 da Academia
Feminina de Letras, escolhi como patrona a professora
Mariquinha Silveira, mãe de Olyntho Silveira e, portanto, sogra
da Yvonne. Dias depois, recebi um telefonema da Yvonne me
agradecendo por homenagear sua sogra, que foi também uma
grande mestra no Brejo das Almas, hoje a cidade de Francisco
Sá. Quando fui morar em Francisco Sá onde meu marido foi
designado para a comarca, trabalhei numa escola onde se falava muito da professora Yvonne Silveira que ali também havia trabalhado;
Era uma verdadeira artista, escritora, oradora e grande
declamadora de poemas; recitava Jorge de Lima com tamanha
maestria que deixava a plateia em delírio. Fiquei sabendo também
que a mesma Yvonne, era grande artista plástica. Pintava
paisagem, cenas campestres e também se dedicava a arte de restaurar
imagens sacras o que fazia com mãos de fada. Uma artista
completa.
Vemos hoje com orgulho a nossa grande mestra galgando a
estrada dos 100 anos, com a mesma altivez dos anos 30 no Brejo
das Almas e no ano de 1975, quando fui sua aluna no curso de
Letras da nossa querida e saudosa FAFIL; a mesma elegância, cabelos
bem arrumados, sapatos sempre de salto alto, onde deixava
transparecer uma jovem em pleno verdor de 30 anos de idade.
Era assim e é assim a mestra Yvonne.
Falando sobre poetas enamorados que tinha na lua sua
fonte de inspiração, Yvonne mais uma vez me pediu que recitasse
um trecho da “Lua Cheia “ de Manoel Bandeira, da Lua Nova
de Rogaciano Leite; levantei-me e falei “Lua Cheia “ Manoel
Bandeira:
“Lua cheia, boião de leite
Que a noite leva com as
as mãos de trevas, para
não sei quem beber...
“Lua Nova” Rogaciano Leite
Por que é que a lua nova está
tão delgadazinha, tão magrinha,
tão fininha como a mulher que eu
quis bem?
Ah! Eu já havia esquecido.
Que a lua é a mulher também!...
A classe inteira riu, mas imediatamente a nossa Yvonne explicou
que era assim mesmo. Cada poeta tinha seu modo de ver
a lua. Era assim que a Yvonne, sempre amiga, educada, procurava
um jeito para justificar o sentido de tudo. E agora nesse ano
do seu centenário, sinto imenso orgulho de ter sido sua aluna,
sua “enciclopédia ambulante” como gostava de brincar comigo
com esse cognome que me deixava acanhada, por partir de uma
pessoa tão culta, tão meiga, tão educada...
Obrigada, Yvonne, pela sua amizade.
HOMENAGEM A
YVONNE SILVEIRA
Juvenal Caldeira Durães
Escrever sobre Yvonne Silveira é tarefa difícil porque, para
começar, não sabemos realmente qual o tratamento mais
adequado que deveremos usar para designá-la. Não sabemos
se usamos o termo: Dona ou Professora ou Educadora ou
Mestra ou Escritora ou Eterna Presidente da Academia de Letras
Montesclarense ou Senhora da Alta Sociedade Montesclarense
ou Senhora Brejeira ou Do Lar ou Esposa Fiel do escritor Olinto
Silveira ou ainda de nossa ESTIMADA AMIGA QUERIDA,dado aos seus méritos, à sua simpatia e à sua bondade. Eu, mais
privilegiado do que os demais, tenho ainda a honra de poder
chamá-la de parente. A sua mãe era prima de minha mãe pelo
lado da família Durães.
Independente de todas essas considerações, Yvonne Silveiraé a “Mulher Centenária de Montes Claros” que honra não só
seus amigos, mas também, a todos montes-clarenses, brejeiros e
norte-mineiros.
Eu, desde muitos anos, lido ao lado de Yvonne Silveira. Na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/FAFIL, como: componente
da Banca Examinadora do Vestibular, em seguida, aluno
de Português no curso de Matemática, depois colegas de magistério
e mais tarde, como diretora. No Colégio Estadual Plínio
Ribeiro/EEPPR, fomos colegas de magistério. No Centro de
Ciências Humanas/CCH-UNIMONTES, tive a honra de ser
seu diretor e agora tenho o privilégio de tê-la como confreira no
Instituto Histórico Geográfico de Montes Claros.
Assim, temos a sorte para exaltar e sentir-nos recompensados
por desfrutar dos dotes intelectuais de uma pessoa como
YVONNE SILVEIRA, digna de nossa consideração, não só
como exemplo de pessoa humana, mas também, pelo seu estimável
trabalho prestado à comunidade e ainda, por proporcionar-nos seus sábios e preciosos conhecimentos, no decorrer
desses longos anos de salutar convivência.
Yvonne Silveira
Um Ramalhete de Experiências
Maria Aparecida Costa
Penetrem num Jardim bem irrigado e cheio de flores de todos
os tons e variedades. Estamos no jardim que é Dona
Yvonne, contemplem e se deixem embevecer pela beleza
de suas flores, como eu o fiz ao ler “A Deusa das Letras” escrito
em homenagem a esta grande senhora.
Lembrei-me de conversas sobre Dona Yvonne, entre meus
familiares: assim a retratava minha amada e saudosa mãe, Conceição Almeida (Sãozinha) que tinha um apreço especial pela
mestra, pois reconhecia nela: cordialidade, sinceridade, solidariedade,
sabedoria e dignidade; quando me aconselhava a observar
suas qualidades, pois o exemplo sempre fala mais alto. No
fragmento do poema ramalhete, de autoria da minha mãe, vejo
a figura serena da Mestra:
Rendamos hoje
Justas homenagens
A nossa boa e meiga professora
Com carinho e grande desvelo
Cumpre a sublime
Missão de Educadora...
Minha irmã, Mercês Antonieta, foi aluna de Dona Yvonne,
na década de 70, no casarão da FAFIL. Encantava-se com as
aulas de literatura da sua doce e amada Mestra e sempre se referia
a ela como um ser humano incomparável, à competente e inigualável
professora, com brilho nos olhos e alegria no coração;
Maria Celestina, minha tia e madrinha de batismo, confreira de
Dona Yvonne na Academia Feminina de Letras, não poupava
elogios à amiga a quem tanto admirava pela inteligência, sabedoria,
elegância e, sobretudo, pelo carinho.
O meu contato pessoal com a Mestra aconteceu na FUNM
e posteriormente na UNIMONTES, quando fomos contemporâneas
naquele estabelecimento de ensino superior (fui professora
de geografia e vice-diretora da FAFIL), aprendi a reconhecer
suas qualidades e a admirá-la ainda mais, tanto pela persistência quanto pela graça do seu caráter. Dona Yvonne acolhe os que se
achegam a ela e com seu sorriso cria laços, lança pontes, procurando
fazer da comunidade Norte Mineira uma grande família.
Na sua caminhada rumo aos 100 anos, passaram as planícies,
os vales foram escalados e as íngremes penhas foram vencidas.
E, agora, Dona Yvonne, do alto da colina dessa paisagem
que ficou para trás, há, ainda, Mestra, alguma coisa a ser feita
nesta que se estende à sua frente. É um período saboroso e abençoado
para todos nós, o amor também está presente nele, pois
você continua a semear alegria, refletindo uma imagem da bondade
de Deus.
Acredito que sua vida sempre foi uma riqueza ímpar, pois
a monotonia não se fez presente diante de sua constante renovação.
Na fé, que a luz invisível de Cristo continue a iluminar os
seus passos.
Obrigada, Dona Yvonne, por tudo que viveu e pela que
ainda viverá.
Parabéns!
A águia das Letras
Márcio Adriano Moraes
Eu a via de longe. Parecia estar inatingível para mim. Normalmente,
eu cá na plateia; e ela lá no palco. Aproximarme
dela parecia ousadia, como se uma formiga quisesse
alcançar uma águia lá nas alturas. Mas houve um dia, desses que
a gente não imagina, em que eu estive no palco; e ela, na plateia.
E, como se a águia pousasse perto da formiguinha, após minha
fala sobre uma obra literária, ela veio até mim e me parabenizou.
Ela veio até mim...
Foi assim, sem esperar, mas desejando, que Yvonne Silveira
me aproximou. Não, ela não era inatingível, não era uma deusa,
ela é um ser humano, tão humano me fez sentir. Conversamos
sobre Camões, e foi como se eu estivesse ouvindo, através de sua
suave voz, a poesia de uma vida inteira. Sim, depois desse dia,
sempre quando a vida me presenteava com a sua presença, eu me
achegava para dizer um “oi!”. Em um desses encontros, ela me
disse, com tanta poesia, “vamos encenar Inês de Castro? Você
vai ser o Pedro!”. Tão singelo convite, como não aceitar. Só falta
agora esse teatro se realizar.
No ano em que o Brasil perdeu o poeta dos Anjos, a poesia
Yvonne teve seu primeiro verso traçado no fim daquele dezembro.
A nossa Princesa ainda era uma menina, e a infanta
Yvonne viu e sentiu o seu crescimento. Levantou muita poeira
na hoje Praça da Matriz e Praça Doutor Carlos. Dançou muitos
reinados com Caboclinhos, Marujada e Catopês. Nos canteiros,
colheu flores e frutos; nas ruas e quintais, brincadeiras de um
tempo que não volta mais. Época em que a vida seguia o tempo
do sol e da lua, das prosas das calçadas, das histórias contadas à
noite. Uma Montes Claros centenária...
Não fui seu aluno, mas imagino como seria se o fosse.
Muitas de minhas professoras tiveram essa alegria que eu só a
posso ter através de seus livros, pois seus ensinamentos de mestra
das letras estão em suas palavras deixadas escritas nas páginas de
uma história.
Que a vida me permita cantar essa amiga com a poesia
que ela merece. E, seguindo o seu exemplo, possa eu também
me aproximar de todos ao meu redor. Seja o seu olhar o guia de
muitas pupilas que enxergam sem ver. Assim como eu, que continuo a formiguinha, mas almejando à sua visão de menina-mulher,
de montes-clarense, de professora, de poeta, de história, de
vida. Yvonne Silveira, a águia das Letras, que a muitos os ensina
a ser.
Yvonne Silveira
O Poder da Interferência
Maria Alice Pereira Ramos
Montes Claros, década de 1960. Escola Normal, antigo
prédio na Rua Justino Câmara, bem atrás da Matriz.
Ainda bem recordo a professora querida, sempre rodeada
por alunos encantados com sua arte de ministrar aulas de
Redação, e que confirmava o que o Mestre Paulo Freire dizia: “É
preciso ter paixão pelo que se faz.”
Aquele movimento, de subida e decida de alunos com a
mestra Yvonne da Silveira de um andar para o outro, acabou por
me atrair. Por estar a minha sala de 6ª. série, antigo ginasial, situada
bem no começo da escada por onde eles passavam, resolvi
ir atrás.
Era comum, no horário do recreio, juntar-me às minhas
colegas para “jogar pedrinhas”, no passeio do fundo, onde havia
uma porta que dava para o pátio.
Sem perceber, fui desgarrando-me do grupo e acostumeime
a seguir para o andar superior, a fim de admirar aquela professora
tão querida e atraente. Logo percebi que dava aulas de
Português/Redação, e após suas aulas, expunha as produções nas
portas e paredes, como se quisesse quebrar as barreiras da sala
de aula e ganhar fronteiras. Pois bem, para mim foi um achado
fantástico. Passava meus recreios deliciando-me com a leitura
daqueles textos descritivos e ainda me lembro de alguns autores:
Rosane Bastos, Rosaltina Ribeiro, Carlos Alberto Wagner Veloso,
Dilma Tibo e outros tantos...
Sempre convidava minhas colegas para aquela leitura encantada.
Algumas me seguiam; outras, achavam que era desperdício
de tempo: “- Agora é recreio, Maria Alice!” Mas eu sempre
voltava acrescida dos encantamentos das descrições e contos.
Passaram-se os anos. Fui estudar interna no Colégio Imaculada.
Queria me casar aos 16 anos, mas minha sogra aconselhou-me a esperar um pouco e recomendou-me a fazer o magistério,
para ter uma melhor formação.
Nos primeiros anos de trabalho, lecionei para as séries iniciais,
e a leitura era minha prioridade.
Na década de 1980, trabalhando na 12ª. Delegacia de Ensino,
hoje 22ª. Superintendência Regional de Ensino, na função
de incentivar o gosto pela leitura nas escolas, tudo que tentava
não dava bons resultados, pois o Governador Newton Cardoso
havia transformado a biblioteca em “Quadro Permanente”...
Adeus pedagógico!
Porém, é na crise que se mostra a criatividade. “Deu estalo”
e criamos a Feira do Livro na Praça. Assim, as escolas teriam
a necessidade de levar os alunos a realmente ler e escrever para
mostrar o produto desse projeto. Por cinco anos, foi um show
de leitura na praça... E quem era o carro-chefe das articulações?
Dona YVONNE DA SILVEIRA, parceira em todas as ações, a
minha conselheira e companheira.
E sempre que precisávamos, lá estava ela: linda, elegante,
sábia, solidária. Mais tarde, fui para a UNIMONTES e, depois
de mais e mais estudos, entre 2000 e 2005, ministrei cursos de
Normal Superior no Vale do Jequitinhonha. Para cada cidade
que ia, pesquisava a respeito, pois gostava de conhecer um pouco
das histórias daqueles lugares onde iria trabalhar. Naquelas
pesquisas, pude contar com o auxílio do esposo de Dona Yvonne:
o escritor Olyntho da Silveira. Durante aqueles encontros
na residência do casal, saboroso também era sentir o cheiro de
bolo assado e ouvir Dona Yvonne: “- Venha Maria Alice; venha
Olyntho, tomar café.”
Mesa bem posta, xícaras de porcelana... um luxo: cultura
com lazer e prazer não tem como esquecer.
Assim, a leitura alargava cada vez mais meu ser.
Um dia, após um evento cultural, Dona Yvonne me disse:“- Maria Alice, estou encantada com o seu crescimento. Como você evoluiu! Cada dia está melhor, como profissional e até mesmo
como mulher, bem desenvolta.”
Fiquei feliz. A avaliação feita por aquela mulher fantástica
foi um novo impulso.
Respondi: “- É o efeito da leitura que aprendi por meio de
sua interferência, de sua influência.”
Retomei as palavras do espanhol Cesar Cool, durante passagem
pelo Brasil quando, em entrevista, perguntaram-lhe: “- O
senhor acha que o professor tem poder?”
Respondeu: “- Sim, e como. Existe um poder maior do
que daquele que media a construção do conhecimento? Se é o
conhecimento que nos dá autonomia, liberdade em fazer nossas
escolhas? É o poder da interferência.”
Assim, Dona Yvonne, a senhora não apenas está passando
por este Planeta: está, com suas atitudes, impregnando em nós
os ícones de sua crença, as pegadas de sua influência e eternizando
seus valores.
“Uma nação precisa de leitura”, ouvi por várias vezes essa
frase, com ênfase, em seus discursos.
Realmente, todo o meu processo de evolução é resultado
da minha paixão pela leitura, graças ao seu poder de INTERFERÊNCIA.
Parabéns, muita saúde e paz. Eterna gratidão!
Homenagem A DONA
Yvonne Silveira
Maria Ilca Terence de Noronha
Dona Yvonne Silveira já recebeu várias homenagens neste
ano, todas elas pelo seu centenário. Merecidamente, todas,
destacam sempre a sua generosidade, cultura e sabedoria
passada aos seus alunos. Muitos alunos e alunas pertencem
hoje à Academia Montesclarense de Letras, Academia Feminina
de Letras de Montes Claros, Sociedade das Amigas da Cultura,
e, grandes homens e mulheres exercem cargos políticos na Câmara
Municipal de Montes Claros, na Assembleia Legislativa do nosso Estado, no Congresso Nacional, ressaltando também
grandes empresários, comerciantes, agropecuaristas, professores,
militares e muitos civis. Portanto, todos que passaram por Dona
Yvonne Silveira, receberam além de conhecimentos, esmerada
educação, formando – se verdadeiros cidadãos éticos, com dignidade,
respeito e consciência dos problemas sociais do pais.
Como não agradecer a esta mulher, que muito tem feito
pela nossa querida cidade de Montes Claros? Como diz Wanderlino,
Dona Yvonne Silveira é muito vaidosa, mas como sabemos
a vaidade é um complemento da feminilidade de uma mulher. A
Academia Feminina de Letras de Montes Claros, idealizada por
Dona Yvonne Silveira, foi fundada com o objetivo de homenagear
as mulheres montes-clarenses, legitimando a ascensão feminina
no campo literário. Fui convidada por ela para participar
desde o início, mas trabalhando, só aceitei após aposentar-me
do magistério. Agradeço de coração a esta grande mulher, “A
Deusa das Letras”, a minha entrada na Academia Feminina de
Letras de Montes Claros, que é um grande pilar incentivador da
cultura de Montes Claros, do Estado de Minas Gerais e de todo
o Brasil. Ao tomar posse na cadeira 39, cuja patrona é a professora
Júlia dos Anjos e a fundadora a professora Maria Celestina
de Almeida fez-me acreditar em uma destinação, pois, também
sou professora.
A minha antecessora nos deixou há pouco tempo.
A Academia prossegue vitoriosa, apesar das perdas, pois é a
fatalidade da sucessão de todas as coisas. Os que nos deixam, serão,
sem dúvida alguma, sempre lembrados. Apesar do seu centenário,
Dona Yvonne Silveira continua atuante engrandecendo
a cultura de Montes Claros.
PROFESSORA YVONNE
Manoel Messias Oliveira
Quem é essa mulher que completará cem anos em dezembro
próximo vindouro, vendendo saúde e esbanjando
vigor? Falarei um pouco do seu passado, mas admiro
muito o seu presente.
Disse Deus, um dia, a Moisés: “EU SOU AQUELE QUE
SOU”. (Ex. 3,14).
Professora Yvonne de Oliveira Silveira, o rejúbilo não é só seu. Os seus amigos também estão alegres e a alegria compartilhada
é uma alegria dobrada.
Chega aos cem anos pela graça do Altíssimo, em direção
do qual se volta o coração dos justos. Como professora, espalhou
a boa semente aconselhadora aos seus discípulos, a fim de que
pudessem galgar a escada do saber. Como escritora, no decorrer
dos tempos acumulou uma extensa produção escrita; e, em
sua prolífera carreira de escritora, sempre foi reconhecida como
uma das mais competentes que conseguiu ultrapassar o mero
entendimento das ideias nas palavras veiculadas, para penetrar
no universo imagístico, na pluralidade de expressões e chegar ao
encantamento que elas proporcionaram a todos nós.
Para falar um pouco sobre o centenário comemorativo da
Professora Yvonne não me parece difícil. Para chegar a ela é preciso
apenas ingressar pelo portal do seu generoso coração. Por
isso, minha amiga, permita-me que eu possa bater delicadamente
a essa porta. Peço licença para entrar e participar das alegrias
pelas comemorações do seu centenário natalício. No mês de dezembro
que se avizinha radiante, meus braços se alargarão para
dar-lhe um respeitoso e afetuoso abraço.
Ainda, peço-lhe a delicadeza da atenção e a necessária
empatia para externar a todos, indistintamente, junto com a minha
saudação à amiga, um pouco do que sei da sua complexa
riqueza humana, cultural, literária, poética e, sobretudo, de sua
competência e dedicação ao magistério, cuja docência se ascendeu
dos ensinos primários aos bancos da Universidade. Nessa
luta acumulou conhecimentos e se transformou em uma grande
intelectual, profunda conhecedora da arte de escrever e de falar,
com oratória invejável.
Pelo reconhecimento meritório de sua capacidade intelectual
faz parte da Academia Montesclarense de Letras, com assento
na cadeira da presidência; também é sócia efetiva da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros, sendo amada e admirada pelos seus pares.
De tudo isso, e muito mais, não se cansou e jamais se cansará,
continuará a combater o bom combate. Algo raro, diga-se de
passagem.
Seu magistério foi de glórias em toda a sua caminhada
para, finalmente, ser recompensada com merecida aposentadoria.
Como professora, educando com retidão e firmeza, sua
trajetória foi marcada por abnegação à vaidade, mas grandiosamente
dedicada ao ensino e amor pelos seus alunos, transmitindo-lhes confiança e serenidade; sobretudo, direcionando-os à vida de acordo com a visão do mundo na sociedade, a fim de
enfrentarem os desafios particulares e profissionais do cotidiano.
Você, amiga - permita-me o tratamento -, é uma mulher
alegre, sábia, cheia de encantos, que sempre demonstrou firmeza
e sensibilidade; introspectiva no seu modo de vida, continua nos
ensinando que o domínio sobre nós mesmos depende de um
exame interior profundo frente aos obstáculos enfrentados e da
maneira como são encarados. E que, por vezes, é necessária prudência
para que as ações tomadas não sejam instintivas.
Sua característica sempre foi o altruísmo, com prazer infinito
na alma pelo dever de ensinar. Uma mestra que sempre
soube sobressair pelas qualidades e dedicação ao magistério, cuja
vocação surgiu ainda na infância.
Você, amiga, é uma mulher assim, profundamente capaz.
Sente e compreende a luta da vida. Ama as coisas, ama as pessoas,é corajosa e vencedora. Quando solicitada acolhe todos com
disponibilidade, compartilha experiência e dedica seu tempo
com doação, amizade e ternura, cujos predicativos carrega no
coração.
Há pessoas que amam o poder, amam o dinheiro, amam o
prestígio e a fama; mas você, amiga, que respeitosamente esboço
com leves traços, ao contrário, tem o poder de amar o simples,
portanto, digna de ser admirada e imitada.
Você é, acima de tudo, humilde. Aliás, as pessoas verdadeiramente
sábias, são sempre humildes. Estão a todo o tempo com
as mãos estendidas e o coração aberto à bondade para ajudar,
sem nada pedir em troca. É impossível dizer-lhe o quanto os seus
patrícios a amam, desde as pessoas comuns às notáveis.
Homenagear a Professora Yvonne, tesouro da literatura,
Presidente da Academia Montesclarense de Letras, por tudo que
representa com o seu talento para o mundo dos livros, é sentir
orgulho por uma cidadã ímpar, idealista perene, que nas suas
poesias retrata exemplos edificantes. Uma escritora que produz
memoráveis obras primas com formas definidas, que a experiência
de vida lhe dita. Rodeada de livros e amigos, cultua o hábito
de escrever. É uma mulher que ler muito. Sua inigualável profundidade
literária, além dos excelentes trabalhos em verso, produz
com maestria obras literárias em prosa; extraordinária por
seu talento, sente-se à vontade para produzir extremas riquezas,
as mais belas e perfeitas obras escritas em épocas diversas, que
são ao mesmo tempo graciosas e singelas.
E não é só isso. Importa-me, ainda, frisar que você, amiga,é uma oradora nata, seus discursos são dos mais perfeitos
que chegaram aos meus ouvidos. Exímia oradora, ponderada em
seus brilhantes improvisos capazes de nos impressionar. Possuidora
de vasta cultura, seus discursos são contagiantes. Faz gosto
ouvi-los, seja qual for o tema.
Portanto, para você que chega aos cem anos, com saúde e a
cabeça boa, exercitando a sua inteligência como escritora e muita
habilidade ao falar em público, dona de uma cultura formidável
em todos os aspectos, a minha homenagem justa e sincera.
Diga-me, qual o segredo de tanto vigor!
Montes Claros de ontem
Marilene Veloso Tófolo
A cidade dormia pacata, entre morros, vegetação e um rio,
hoje poluído, servindo de esgoto para seus moradores. As
ruas não eram asfaltadas, os carros em número reduzido,
o mercado era ao lado, a praça repleta de pessoas que iam à feira
dos sábados e onde circulavam animais com as mercadorias vindas
das fazendas!
Neste ambiente, próxima à Praça Doutor Carlos, junto à
casa do escritor Cyro dos Anjos, do Coronel Antônio dos Anjos,seu pai, casa do Coronel Filomeno Ribeiro, casado com Dona
Laudy Maia, próxima a casa de Mário Veloso, loja de Benedito
Gomes e das primeiras famílias que surgiram no largo de cima,
nascia D. Yvonne Silveira, filha do farmacêutico Antônio Ferreira
Oliveira e mãe Cândida Peres.
Não sei os detalhes deste acontecimento, pois ainda não
havia nascido, só imagino e procuro detalhes, informações de
pessoas, descendentes e familiares daquele ano de 1914, mês de
dezembro!
O cenário era diferente, as ruas eram tranquilas, as casas
de portas e janelas altas, o comércio na praça, onde havia os produtos
da época (rapaduras, beijus, buriti, panã, coquinho azedo,
panelas de barro, galinhas, ovos e porcos), os sobrados que abrigavam
as famílias, pouco trânsito e as conversas nas calçadas e
esquinas da vida...
E lá se vão cem anos, onde tudo mudou, a revolução nos
costumes, na cultura, na educação, nas artes e nas vidas dos descendentes
das famílias do século XX e XXI, em nada lembra a
que me refiro!
Falo de um passado distante, onde a vida pacata, longe
de assaltos e avanços! Da tecnologia atual, começava a desenhar
passos para uma Montes Claros de hoje!
Terra de serestas, João Chaves com sua canção: “Amo-te
muito”, catopés, marujos, caboclinhos. Dr. Hermes de Paula
com o seu livro: “Montes Claros, sua gente e seus costumes”,
Dr. Mário Veloso com sua farmácia, seus remédios, suas receitas
e sua botica, Dr. João Alves, D. Tiburtina, na política e medicina,
do Bispo D. João F. Pimenta.
A Escola Normal, com seus primeiros professores, que iniciaram
os passos para essa Montes Claros, grande pólo educacional
atualmente!
Neste ambiente de casarões, sobrados, política de grandes
chefes, sem estradas asfaltadas, sem grandes indústrias, no ano
de 1914 nascia D. Yvonne Silveira, mestra, escritora, fundadora
de Academias, várias condecorações e eu a vejo mulher, fora do
seu tempo, com garra, com estudo, honestidade, trabalho e ajudou
a contribuir com a nossa história de vida, progresso material
e cultural!
Por isso, nós, amigos e colegas, admiradores, prestamos
homenagens, escritas, faladas, documentadas neste ano de 2014,
para que as gerações vindouras resgatem a nossa História, as nossas
conquistas, todo o progresso de Montes Claros, neste século
de conflitos, mas também de grandes realizações!
D. Yvonne, que a sua vida, de 1914 até os dias de hoje,
continue por muitos anos a dar-nos alegria, porque são de pessoas
como a senhora, que precisamos para resgatar e escrever a
História de Montes Claros, pois somos um pedaço desta cidade
que tanto amamos e que sonhamos para nossos filhos e netos!
200 ANOS DE POESIA
Olyntho da Silveira & Yvonne Silveira
Téo Azevedo
Conheci o casal Olyntho e Yvonne Silveira em 1979,
quando eu estava organizando em Montes Claros talvez
o mais importante movimento musical de cultura
popular da história do Norte de Minas e dos vales do Mucuri
e Jequitinhonha, que, inclusive, deu origem à Associação dos
Repentistas e Poetas Populares do Norte de Minas, entidade que
abrigava todas as correntes destas culturas. Esse acontecimento
revelou artistas como Zé Côco do Riachão, Grupo Agreste, Fatel, Pedro Boi, cantadores como Jason de Morais, Pau Terra,
Zé Figueiredo, Tone Agreste, Nato Jatobá, Beija-Flor, cordelistas
como Josecé, Silva Neto (Juca) e outros.
Nessa época também conheci a poetisa e romancista Amelina
Chaves e musiquei o seu poema “Andarilho do São Francisco”,
gravado em vinil primeiramente pela minha irmã Beatriz
Azevedo. Foi Amelina quem me possibilitou uma maior aproximação
com o casal de poetas Olyntho e Yvonne. Os três foram
inclusive meus padrinhos quando recebi o título de Cidadão
Honorário de Montes Claros, em 10 de fevereiro de 1981 (uma
proposição do vereador Deosvaldo Pena), e depois quando recebi
a placa do Mérito Cultural Cândico Canela (uma proposição
do vereador Ademar Bicalho), em 28 de dezembro de 2001.
Olyntho e Yvonne sempre me contavam casos importantes
ocorridos no Brejo das Almas (Francisco Sá), uma cidade fantástica.
Eu convivi muito tempo com o povo daquela região, pois
a minha irmã, Maria Flor de Maio, tinha fazenda nos dois riachos
depois da serra, dentro desse município. Fiz muita serenata
com meu irmão Antônio Augusto, com Zía, Casquinha e outros
seresteiros nessa terra, e era comum vararmos a noite cantando
e tocando no famoso Rancho da Lua. Anos depois fiz uma parceria
artística com o ex-prefeito Zé Mário Pena, da qual surgiu
um disco de vinil com a cultura musical de Francisco Sá, um
trabalho histórico. Assim sendo, a minha ligação é muito forte
com aquela região de origem do casal de poetas.
Naquela época, Olyntho me deu uma poesia de sua autoria
para musicar, chamada “Passarinho”. Mas só agora neste álbumé que ela foi gravada, interpretada pela minha sobrinha, a médica
Fernanda Azevedo, em parceria com minha irmã Beatriz, mãe
de Fernanda. Em 2013, quando fui eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, ouvi um diálogo entre
Dario Teixeira Cotrim, Wanderlino Arruda e Itamaury Teles, no
qual disseram que o ano de 2014 seria dedicado ao centenário
da escritora e poetisa Yvonne Silveira. Na sequência recebi da
minha esposa Maria de Lourdes Chaves, Lola, dois livros de poesia,
um de Olyntho e outro de Yvonne, e fiquei encantado com
o trabalho dos dois. Então tive a ideia de musicar poemas de autoria
do casal e produzir um Cd, principalmente os poemas românticos
que me inspiraram a ir pela trilha musical dos anos 70.
Também musiquei um poema de autoria de Amelina Chaves,
cujo teor homenageia dona Yvonne. Por fim, colhi depoimentos
espontâneos de personalidades da cultura montes-clarense que
conhecem e admiram o casal de poetas, os quais inseri no Cd.
Aí saí em busca de patrocínios para ajudar nos custos de
produção. Tive muito apoio de Lola Chaves no desenvolvimento
do projeto. Convidei alguns cantores do Norte de Minas e
outros de São Paulo. Comecei a produção em maio e terminei
em agosto. Foram quatro meses de muita batalha, mas consegui
realizar esse sonho. O título do Cd, “200 Anos de Poesia”, faz
referência aos 100 anos de dona Yvonne mais os 100 de seu
Olyntho, que faleceu faltando apenas cinco meses para também
completar o centanário. Este álbum vem se somar a outros trabalhos
musicais históricos que produzi abordando uma parte
significativa da cultura da nossa região. Entre eles, “Zé Côco do
Riachão”, “Grupo Agreste”, “Repentistas do Norte de Minas”,
“100 Anos de Cândido Canela”, “Sob o Olhar Januarense - Velho
Chico”, o box com cinco Cds da obra completa de João
Chaves e o “Terno da Folia de Reis de Alto Belo”. Sinto prazer
de ser da terra do Pau-Brasil. No aroma e no gosto do pequi,
vamos saborear o som deste novo trabalho.
MÚSICAS DE TÉO AZEVEDO
01 – MARIA FLOR – Yvonne / Téo Azevedo – Canta Ana Beatriz
02 – ENCONTRO MARCADO - Yvonne / Téo Azevedo – Canta Nílton
César
03 – COMPANHEIRO - Yvonne / Téo Azevedo – Canta Edith Veiga
04 – REMORSO – Olyntho / Téo Azevedo – Canta Eliane Bomfim
05 – MAIO E MARIA - Olyntho / Téo Azevedo – Canta Diego
06 – CANÇÃO DE AMOR - Yvonne / Téo Azevedo – Canta Coral Feminino
do Grupo de Seresta Amo-te Muito
07 – MENINA MOÇA - Yvonne / Téo Azevedo – Canta Ricardo Braga
08 – MANHÃ - Olyntho / Téo Azevedo – Canta Eliane Bomfim
09 – AMIGOS - Yvonne / Téo Azevedo – Canta Célio Roberto
10 – DESTINOS - Olyntho / Téo Azevedo – Canta Djalma Lúcio
11 – BELA - Yvonne / Téo Azevedo – Canta Roberto Monte Sá & Ana
Walkíria
12 – NÃO FUJAS DO AMOR - Yvonne / Téo Azevedo – Canta Nílton
César
13 – CONVITE AO SONHO – Olyntho / Téo Azevedo – Canta Eliane
Bomfim
14 – EPÍSTOLA - Olyntho / Téo Azevedo – Canta Adélcio Saraiva
15 – ETERNO SONHO - Olyntho / Téo Azevedo – Canta Djalma Lúcio
16 – PASSARINHO - Olyntho / Téo Azevedo – Canta Fernanda Azevedo& Beatriz Azevedo
17 – YVONNE, MULHER ESTRELA – Amelina Chaves / Téo Azevedo –
Canta Valdo & Vael
18 – LUZ BENDITA - Olyntho (poesia) – Declamação Luiz Vieira
19 – DE MISS MONTES CLAROS A MISS MUNDO – Yvonne – Declamação
Luiz Vieira
20 – FOLHAS DO TEU CAMINHO – Yvonne – Declamação Karla Celene
21 – METAMORFOSE – Olyntho – Declamação Karla Celene
22 – CANTINGUINHA PARA ALYRIA – Yvonne – Declamação Karla
Celene
23 – A DEUSA DA UTOPIA – Olyntho – Declamação Karla Celene
24 – DANÇA, ZITA – Yvonne – Declamação Karla Celene
25 – BALADA DE AMOR PARA YVONNE E OLYNTHO – Ivana Rebello – Declamação Ivana Rebello
26 – DEPOIMENTO – Wanderlino Arruda
27 – DEPOIMENTO – Itamaury Teles de Oliveira
28 – DEPOIMENTO – Dário Teixeira Cotrim
ACRÓSTICO
Yvonne de Oliveira Silveira
Terezinha Teixeira Santos
Y - Y enigma de uma vida com plenitude
V - Vislumbre de uma grandiosa mulher
O - Ornada com as mais ricas virtudes.
N - No universo dos nobres intelectuais
N - No mundo denominado das letras
E - Está D. Yvonne na galeria dos imortais.
D - Da cidade de Montes Claros – MG
E - E tornou-se um Patrimônio Cultural
O - O seu aniversário é uma grande dádiva
L - Luz de Deus que a conduz à felicidade
I - Iluminada, abraça 100 anos bem vividos
V - Vida agraciada com os louros da idade.
E - Enaltecemos seus grandes méritos
I - Infinitos os seus dotes de fraternidade
R - Revivendo sempre os conhecimentos
A - A acadêmica compartilha ensinamentos.
S - Sapiência e firmeza nos pronunciamentos
I - Inteligência rara que abrilhanta sua vida
L - Laureada pelos amigos, premiada por Deus
V - Vibra e revigora uma alegria incontida
E - Escrevendo suas ricas e grandiosas obras
I - Irradia a luz de uma primorosa cultura
R - Reflexos de ricos saberes apropriados
A - Adornando uma primorosa literatura.
PROFESSORES
Estrelas Resplandecentes
Terezinha Campos
Há muitos e muitos anos, de acordo com uma antiga parábola,
houve um venerável e velho rei, que governou
um respeitável e antigo reino. Um dia, desejando honrar
o cidadão mais digno de seu império, enviou seus ministros
de Estado através de sua terra, para buscarem aqueles que eles
imaginassem ser os mais dignos. E então estabeleceu um dia em
que se apresentariam perante ele. Na ocasião escolheria, entre
todos, o mais digno.
Finalmente chegou o dia. A praça estava repleta de pessoas
importantes; e o rei sentou-se ao trono. O primeiro ministro
aproximou-se do trono, e apresentou um grande advogado, um
homem que através da elaboração de suas benéficas leis, dera liberdade
e justiça para todos. E a multidão bateu palmas e aplaudiu,
pois ele era um cidadão muito respeitável.
O ministro seguinte apresentou um grande economista,
e expôs como ele trouxera tranquilidade aos negócios do reino;
e novamente a multidão bateu palmas e aplaudiu. O terceiro
ministro, curvando-se (em reverência), apresentou um grande
médico, cuja perícia tinha vencido a doença e salvado a vida
de milhares de pessoas. Novamente a multidão bateu palmas
e aplaudiu. Então o quarto ministro, aproximando do trono,
trazia pelo braço uma idosa senhora de pequena estatura. Seus
cabelos estavam brancos; as costas encurvadas; as roupas velhas e
gastas. O rei ficou chocado e visivelmente aborrecido.
- Quem é esta mulher? - indagou ele - com que direito foi
ela classificada entre estes ilustres homens?
- Ó rei - disse o ministro - quando estes homens eram ainda
meninos, esta mulher foi a professora deles. Ninguém bateu
palmas ou aplaudiu. Houve um momento de profundo silêncio.
Então o rei se levanta, dá alguns passos do trono, e com lágrimas
nos olhos, coloca a condecoração em volta do pescoço da pequena
e idosa senhora. Ela era sem dúvida a mais digna cidadã do
seu reino!
Assim é dona Yvonne tão homenageada em cantos e versos
pelo seu desempenho como professora, desde a Educação Básica
até à Universidade.
Lembro-me de uma aula de dona Yvonne lá no casarão,
onde hoje é o Museu Regional e onde funcionou a Fafil (Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras). Era o ano de 1977.
Ela levou um texto de Mário de Andrade e sua biografia.
O texto dizia assim:
Na Rua Aurora eu nasci
Na aurora da minha vida
E numa aurora cresci
No largo do Paissandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi nu.
Nesta Rua Lopes Chaves
Envelheço, e envergonhado,
Nem sei quem foi Lopes Chaves.
Mamãe! Me dá essa lua,
Ser esquecido e ignorado
Como esses nomes da rua.
Fomos então analisar o texto. A palavra aurora, significando
o nome de pessoa homenageada; significando tempo e noutro
lugar significando um momento agradável em que o autor
cresceu. Ele foi descrevendo a sua vida no Largo do Paissandu,
na Rua Lopes Chaves e, como não conheceu o Lopes Chaves ele
encerra a poesia:
“Mamãe! Me dá essa lua, ”Esse devaneio, essa fantasia, “ de
ser esquecido e ignorado” como esses nomes de rua.
Dona Yvonne nos motivou com a análise dessa poesia de
Mário de Andrade a conhecermos as suas obras. E fomos pesquisar.
Mário Raul de Moraes Andrade nasceu no dia 9 de outubro
de 1893, em São Paulo, na rua Aurora, nº 320, filho de
Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes
Andrade.
Ele iniciou estudos de Música no Conservatório Dramático
e Musical de São Paulo, concluiu curso de Canto; diploma-se
em Piano é professor de História da Arte no referido Conservatório
e por aí vai o seu caminhar chegando a ser membro da
Academia Brasileira de Música do Rio de Janeiro.
Ela nos deu uma relação de obras do autor, para que nós
pesquisássemos sobre algumas delas. Foi um despertar literário
frenético; cada um trazendo notícias da obra que havia lido, incentivando
o outro e sendo também incentivados a fazer a leitura.
Eu já apreciava ler, sempre fui leitora assídua e, aquela aula
para mim foi um encantamento; e fui professora que despertei
nos meus alunos o prazer da leitura; e os que mais leram são que
mais se destacam em Concursos e no desempenho profissional.
É por estas e por outras que dona Yvonne recebe com honras
e louvores as homenagens, que lhes são prestadas: a digna
Cidadã de Montes Claros, A Deusa das Letras.
CEM ANOS DE GLÓRIAS
José Ferreira da Silva
Falar sobre dona Yvonne Silveira, esta grande mulher, mestra,
escritora, cronista, historiadora, poetisa e amiga, transborda
de alegria qualquer coração que ama a cultura e a
arte transcendental da humanidade.
Conhecer e conviver com dona Yvonne Silveira é algo de
encher o coração de prazer e satisfação, pois a sua capacidade é
de tamanha valia que fascina qualquer elemento que com ela
convive.
Felizmente tive o privilégio de ser seu aluno na Faculdade
de Filosofia durante quatro anos, nas aulas de literatura Portuguesa
e Teoria da Literatura foi fascinante pois ela transmitia o
seu conteúdo com grande exuberância pode e capacidade.
Hoje quase cem anos vividos repleto do Espírito Santo, de
alegria, jovialidade e sensibilidade razão, beleza, amor e lucidez
são resultados de um fenômeno que somente o altíssimo pode
explicar.
A caríssima dona Yvonne Silveira hoje é minha companheira
do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
desejo que mais cem anos possam acontecer em sua belíssima
vida e com certeza a senhora já está encrustada m nossos corações
com ternura e carinho para sempre.
YVONNE SILVEIRA
A Prima Querida
Pedro Arnaldo G. Peres
Um dos meus primeiros contatos com a prima Yvonne
foi na cidade de Francisco Sá, onde ela residia, na década
de 50. Eu, ainda adolescente, acompanhado do meu
saudoso pai Levy Peres, meu tio Dr Raul Peres, hoje com 104
bem vividos anos, minha irmã Wanda Guimarães Peres, numa
visita àquela que, futuramente, se tornou a minha prima querida.
Nesta oportunidade, senti um grande afeto e admiração por
ela, e achei que era uma pessoa diferenciada, nas ideias e nas palavras. Por ser bastante jovem, mais apreciava do que participava
do diálogo entre ela e os meus entes queridos. Ela muito falava,
e eu, muito ouvia. Lembro-me bem do seu esposo Olinto, que
todos diziam que era um intelectual, e que também intervia neste
diálogo.
Retornamos a Montes Claros. Aquele encontro, aquelas
palavras, e a boa impressão sobre ela, nunca mais saíram da minha
cabeça. Nesta ocasião, ainda não conhecia a sua vocação de
escritora e poetisa. Soube disto mais tarde, quando ela já residia
em Montes Claros. A admiração cresceu e passei a acompanhar
a vida da escritora, poetisa e professora, com carinho e respeito.
E foi um sem fim de visitas e participações em eventos diversos
que ela realizava ou era convidada a comparecer.
Nos dias de hoje, a minha grande admiração também se
dá pela sua vitalidade, que ainda não encontrei em ninguém na
sua idade. Uma ilustração disto foi o seu interesse em assistir
a um simples enquete que participei numa apresentação final
de um curso de extensão intitulado Iniciação Teatral, oferecido
semestralmente pelo Curso de Teatro da UNIMONTES. Ela
galgou os três lances da estreita escada do casarão da antiga FAFIL,
uma atitude de fazer inveja a qualquer jovem. E ainda fez
uso da palavra!
Outro exemplo desta grande vitalidade, do qual posso falar
com tranquilidade, ocorreu por ocasião da visita do governador
Antônio Anastasia a Montes Claros, quando eu estive ao seu
lado desde a saída de sua residência às 10h da manhã do dia
02/12/2013 até às 15h no Automóvel Clube. Guerreira, assistiu
a tudo, sem queixas e dengos. Ela ainda elaborou reivindicações
para nossa cidade, que foram por mim entregues nas mãos do referido Governador e do Deputado Dr Luiz Henrique Santiago
nesta mesma ocasião, as quais aqui acrescento para comprovação
e conhecimento de todos:
Montes Claros 02 de dezembro de 2013
Dr. Luiz Henrique Santiago
DD Deputado Estadual do Estado de Minas Gerais
Reconhecendo vossa excelência como um dos mais atuantes
parlamentares, pedimos com extremada urgência, para que seja duplicada
a BR-251 de Montes Claros à BR-116 que, muito estreita,
vem provocando inúmeros desastres, com o trânsito intensivo de veículos
de cargas e de passageiros, infelicitando as famílias.
Certos de que fará todo empenho para este melhoramento,
agradecemos antecipadamente.
Atenciosamente,
Yvonne de Oliveira Silveira |
Dr. Pedro Arnaldo G. Peres |
Presidente da Academia |
Médico e Professor da Unimontes |
Montesclarense de Letras |
|
YVONNE SILVEIRA
DA MINHA ADOLESCÊNCIA
Maristela Cardoso Freitas
Janeiro de 1969. Meus pais transferiram residência da cidade
de São Francisco para Montes Claros. Bastante jovem, tudo
espreitava com curiosidade, grande expectativa e ansiedade.
Nova cidade, pessoas, colegas, amigos... Outro modo de viver
e ver a vida. Uma mudança brusca para uma menina quem se
acostumou, desde o nascimento, a viver numa pequena cidade,
onde todos se conheciam, se cumprimentavam e se relacionavam com simplicidade. Tudo ficou pra trás! De agora em diante,
para minha família e eu a marcha toma novos rumos.
Porém, dentre outras coisas, havia algo forte, mas muito
forte que permaneceu dentro de mim: o gosto pela música,
pela poesia, a “queda” para a arte. E foi assim, entre assustada,
admirada, perplexa, às vezes triste de saudade, que este “algo”
proporcionou o meu encontro inesperado, feliz e muito bem
recomendado com D. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA,
através de sua poesia: MONTES CLAROS DE MINHA INFÂNCIA.
Jamais imaginei isso em minha vida. Mal sabia o
que realmente ocorria nesta cidade, para além dos muros das
escolas que frequentava. Sequer fazia ideia ou tinha consciência
da grandeza e importância daquela (ou desta? Ajuda por favor
DARIO, a cabeça está pesada rsrsr) mulher que participou dos
primeiros passos da minha vida artística e cultural nestes Montes
Claros.
Vejam bem pessoal. Que curioso este trecho da primeira estrofe
desta poesia, com a qual eu participei do primeiro concurso
de poesias de minha vida. Num momento em que, praticamente,
acabava de mudar-me pra Montes Claros . Só agora percebo isto!
“...ONDE FILHOS E ESTRANHOS, ENCONTRAM
PÃO E ARRIMO, NO TEU SOLO AMIGO.”
A recomendação veio do saudoso Dr. José Alves Mourão,
advogado competente e então diretor do Colégio Estadual Profª
Dulce Sarmento, do qual já era aluna em 1970, um ano depois
de estudar no Instituto Norte Mineiro de Educação, o qual chamava,
na meninice, de Instituto Verde. Ao ouvir-me cantar e
declamar poesia nos grêmios que eram realizados no “DULCE”, ele sugeriu que eu participasse do Concurso de Poesias, por ocasião
do aniversário da cidade. Dr Mourão, atencioso e falante,
era um incentivador. Indicou o nome de D. Yvonne, que eu
a procurasse e pedisse uma poesia sobre Montes Claros, para
declamar no referido concurso, que aconteceria no Cine Montes
Claros. Recordo ter visto a que mais tarde soube ser Aline
Mendonça, declamando e sendo muito aclamada... Ai que frio
na barriga!
A minha cabeça mal se segurava no pescoço naquele momento
em que o diretor me falou. Saí da escola embalada, e fui
direto pra casa da professora. Lá chegando, era a hora do almoço.
Pediu pra voltar depois. Ainda bem que eu morava próximo:
ela, na Rua Padre Augusto ao lado da Minas Brasil, e eu, na Rua
Dr. Veloso ao lado do antigo prédio do Conservatório Lorenzo
Fernandez. Almocei e retornei em cima do rastro. Lá chegando,
ela me recebeu bem, mas com muitas perguntas. Quando
disse sobre Dr Mourão, suas sobrancelhas desarquearam, para
meu alívio. Pediu, claro, que eu declamasse para ela ouvir. Menina
desavisada, declamei A FEIA, de autor nunca sabido até
os dias de hoje. Uma poesia tão enorme que, mesmo sendo ela
uma grande apreciadora, me disse que podia parar, que estava
muito bom, que ela já tinha percebido que eu sabia declamar.
Me ofereceu a poesia acima citada. Disse-me que assim que eu
a decorasse, retornasse para o ensaio. Que eu tinha “jeito”, falava
bem, mas de um modo assim, como que “açoitado”... meio“gritado”. Pelo menos foi o que eu entendi na época. Dois dias
depois, lá estava eu de volta, e ela, de novo com as sobrancelhas
levantadas, perguntou se eu havia faltado às aulas para decorar
a poesia: “ QUE PRESA É ESSA MENINA?”, disse-me, convidando-me educadamente para entrar. Treinou e treinou comigo a poesia. Muito fez para domar certos trejeitos sanfranciscanos,
e também os urucuianos. Que não gesticulasse tanto, ou, pelo
menos, movesse braços e mãos com menos “força”. Não precisava
dar “socos” no ar. Sugeriu que eu treinasse também com D.
Felicidade Tupinambá, creio que para com sua calma e doçura,
com certeza, ajudasse a corrigir os meus arroubos. D. Yvonne,
uma mulher sábia desde sempre!
Uma pena gente, ela não se lembra desta passagem! Mas
também, lembrar pra que?
Alguns anos mais tarde, com meus trinados líricos já
adiantados graças ao Conservatório Lorenzo Fernandez, ganho
uma admiradora, que constantemente convidava-me (e ainda
convida) para participar, com o canto, de seus eventos literários
como Presidente da Academia Montesclarense de Letras.
A minha gratidão, admiração e respeito a essa senhora, que
possui várias outras qualidades que todos conhecem, valorizam,
vivenciam e apontam, incansavelmente, com toda justiça
Canção para a
Mestra Querida
Ivana Ferrante Rebello
Disseram-me que a poesia de nada servia.
E eu vim pensando nas palavras que diria, mestra querida.
É mesmo. Poesia não vale dinheiro, não compra passagem,
felicidade, prestígio ou fama.
Poesia a gente põe no rol das coisas inúteis como o bilhete
de amor do namorado, como as flores sem pedigree que nascem na rua, como o abraço do filho que retorna da viagem, como
a lua que, toda noite, e insistentemente, repete uma aparição
diferente...
E eu vim pensando nas palavras que diria, D. Yvonne.
Pensei em Camões, Bilac, Antero de Quental, Fernando
Pessoa e todas as vozes que ainda ecoam no velho casarão da
Fafil... Entre as paredes, de velho adobe, murmúrios de tempos
que se irmanavam: vozes de velhos poetas, poetas novíssimos
surgindo...
D. Yvonne, de salto alto, equilibrava-se nas nuvens; fazia
malabarismos com versos, rendia loas às letras e rimas. E nossos
olhos curiosos, enredados pelas aulas da mestra, caíam na fatal
armadilha... acabavam fascinados pela poesia.
Mas, para quê, perguntaram-me, durante a vida?
Poesia, essa matéria inquieta, não tem nenhuma serventia.
Não serve para emagrecer, não serve para comer, não serve
para vestir, não serve para viver.
Dona Yvonne prosseguia, abraçada com seus livros, amiga
de seus poetas, citando Fernando Pessoa: O poeta é um fingidor/
finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que
deveras sente...
E nossas almas gulosas, embevecidas de luz, pediam mais
uma vez: E a “Nega Fulô”, D. Yvonne, recite mais uma vez....
E de cima de seu salto, no palco de sua sala, D. Yvonne,
empertigada, seduzia seus alunos: Ora se deu, que chegou/ no banguê
do meu avô/ uma nega bonitinha/ chamada Nega fulô/ Essa
nega fulô...
Essa professora....
Ah! Ela nos cativou. Falava de Aristóteles e Drummond,
passeava do clássico ao popular, servia-se da língua com tanta
desenvoltura como quem passa um batom!
Mas, para que, perguntam os céticos: se poesia não tem
serventia?
Poesia se fia na vida, como lã bem delicada.
Poesia se tece com amor pelas coisas pequeninas.
Poesia acalenta o peito das saudades dolorosas.
Poesia empresta o ombro, para os corações partidos. Poesia
apruma o espírito para as batalhas do dia.
Dona Yvonne, como uma Penélope moderna, teceu, pacientemente,
seu tecido do viver. Um século é pouco pra ela e
sua fome de saber.
Seu amor pelas palavras, sua pauta de ensinar; sua forma
de dizer, sua vocação de mestra... em tudo se vê beleza, dignidade,
elegância. Essa jovem centenária tem uma alma de criança!
E se me perguntam ainda: Para que serve a poesia?
Peço-lhes que, com cuidado, olhem bem esse retrato que
se pintou pelo tempo. Vejam a luz que emerge dessa memória
de menina...
A poesia escolheu você para espelho, minha professora
querida. E, se possível, de salto alto!
YVONNE SILVEIRA
Orgulho dos Peres
Neide Peres Amaral
A primeira neta dos meus avôs, Francisco Peres de Souza
e Aurora Regina Durães Peres, nasceu no dia 30 de
Dezembro de 1914, dois anos antes do nascimento da última filha dos seus avôs, Zélia em 1916.
Os jovens avós se sentiram constrangidos de serem avós e
pais ao mesmo tempo, e determinaram que seus netos os chamassem
de Zizi e Padrinho.
Assim todas as gerações de netos os conheceram e assim o
chamavam.
Yvonne foi batizada com o nome Yvonne Peres, herdado
da sua mãe Cândida (China) e de Oliveira, herdada do seu pai
Antonio (Niquinho), mais tarde com o casamento com Olyntho
herdou o sobrenome Silveira, passando assim a ser chamada,
Yvonne de Oliveira Silveira
Meu pai Levy, dizia que nosso avô tinha um carinho especial
por ela, causando até certo ciúme (no bom sentido) em sua
esposa.
Só fui conhecer a prima Yvonne quando já morava em
Montes Claros, mas todos já comentavam e já era vista como o
orgulho da família, pela sua inteligência e cultura.
Mulher de fibra e batalhadora à frente do seu tempo, que
com sua alma gêmea companheiro e amor da sua vida Olyntho,
não viu obstáculo para que sua busca fosse interrompida
A sua mãe Cândida que todos conheciam como China,
era a minha madrinha de batismo, Yvonne ao saber disso com o
falecimento da sua mãe, me adotou como afilhada e faz questão
de me chamar de afilhada.
Com este gesto carinhoso da parte dela nasceu em mim
um sentimento todo especial por ela.
Frequentei a sua casa algumas vezes na Rua Padre Augusto
e ainda me lembro quando fez uma reforma em sua casa e fez
questão de mostrar todos os detalhes da reforma.
Falar de Yvonne é fácil, pessoa além de culta e inteligente,
suave, doce, enérgica e positiva, difícil mesmo é escrever sobre ela, principalmente eu que não tenho este dom de expressar através
da escrita.
Mas como não deixar de expressar este meu sentimento de
orgulho por fazer parte desta raiz maravilhosa, início da nossa
geração?
Nossa história tem que ser contada para não perder no
tempo e que novas gerações possam e tenham a oportunidade de
conhecer nossos antepassados e se orgulharem dele.
Yvonne, mulher guerreira cujo exemplo é para ser seguido,
como mulher, esposa, mãe e educadora.
Não teve filhos vindos das suas entranhas, mas é mãe e avó,
no verdadeiro sentido do coração.
Quando o seu irmão Wilson adoeceu e foi rejeitado pela
família num asilo, o seu coração generoso falou mais alto, ela o
acolheu em sua casa, cuidando dele até seus últimos dias de vida.
Nestes seus cem anos, Deus a tem protegido como uma
joia rara para ser seguida neste mundo tão necessitado de almas
puras, boas e generosas.
Parabéns, Yvonne, que Deus a conserve com saúde e esta
lucidez tão especial por muitos e muitos anos entre nós.
YVONNE SILVEIRA
Marcas de um Encontro
Maria Dione Carvalho de Moraes
Voluteando na ideia e relampejando no tempo
(pequeno fragmento da memória social de D. Yvonne Silveira,
em seu centenário): marcas de um encontro
Estava lá... Em um álbum, daqueles dos inícios dos anos
[de] 1980, com páginas adesivas. Abro, revejo, e constato
que não há como descolar, sem rasgar, um pequeno folder, de 22 X15 cm, ali protegido dos rigores do tempo e do
esquecimento.
Este registro mnemônico, embora fixado na página hirta
de um álbum antigo, aciona lembranças, evoca sentimentos,
aguça sentidos, provoca ideias, traz inspiração. Tais estímulos são
a base desta minha participação no trabalho de construção da
memória social da secular Yvonne de Oliveira Silveira – “dona
Yvonne”, do qual muito me honra participar.
Falo de trabalho da memória, em sentido antropológico,
considerando que se rememorar, no plano individual, é processo
complexo, podendo incluir desde uma sensação mental altamente
privada e espontânea, possivelmente muda, no plano
coletivo vai da tradição oral e de pequenos rituais a cerimônias
públicas solenizadas, comemorações múltiplas, homenagens,
como as que se realizam neste ano de 2014, a partir da cidade de
Montes Claros, onde nasceu D. Yvonne, aos 30 dias de dezembro
de 1914.
Rever este velho álbum, para escrever este texto, faz-me
percorrer meus próprios palácios e cavernas. Sim, como dito por
Santo Agostinho, a memória compõe-se de cavernas e de palácios,
e buscar nossas recordações guarda, por vezes, semelhanças
com visitar palácios (lembranças) e, por outras, com explorar
escuras cavernas esquecimento).
Ao escrever estas linhas, sinto-me, [pois], imersa em lembranças
e esquecimentos.
Afinal, que fragmento trago para reunir-me a tantos neste
processo rememorativo/comemorativo em homenagem a D.
Yvonne? Certamente, um olhar algo diferente daquele de quem acompanha a vida e a obra de tão ilustre pessoa do norte das
Minas Gerais que, neste ano de 2014, comemora um século de
vida.
Sem pretensão de debruçar-me sobre tão rica trajetória – o
que tantas outras pessoas certamente fazem, de forma competente– falo de um lugar específico, talvez impensado: da noite
da minha formatura no Curso de Graduação em Ciências Sociais,
no ano de 1981, juntamente com formandos de outros
cursos da área de Ciências Humanas e Letras, da Fundação Norte
Mineira de Ensino Superior/Faculdade de Filosofia, Ciências
e Título inspirado no texto de D. Yvonne (linhas 13 e 14), reproduzido,
adiante.
Pós-Doutoranda em Sociologia (PPGS/UFPE, Recife-PE);
doutora em Ciências Sociais (UNICAMP, Campinas-SP); mestre
em Sociologia (UFPB-Campus II-Campina Grande-PB); Especialista
em Gestão da Cultura (UFRPE/FUNDAJ/MinC-Recife-PE); Graduada em Ciências Sociais FUNM/FAFIL, Montes
Claros-MG). Profa UFPI, no Departamento de Ciências Sociais,
e nos Programas de Pós-Graduação em: Políticas Públicas
(Doutorado e Mestrado), Antropologia (Mestrado) e Sociologia
(Mestrado) na Faculdade de Letras do Norte de Minas-FUNM/FAFIL. Naquele ano – [e], provavelmente, em outros tantos –
D. Yvonne foi a paraninfa. Nossa paraninfa.
Com base em minhas lembranças – algumas sem perspectiva
com as de amigos, que me ajudaram a preencher certas lacunas
cintilar da energia criadora da homenageada/paraninfa,
inscreveram-se, indelevelmente, as marcas de um encontro. Inscrição
não apenas restrita ao referido álbum de fotografias. Não
pude desprender, da página adesiva, o folder onde fora impresso, em duas colunas, o texto que a paraninfa nos dedicou. Mas posso
reproduzir, aqui, seu conteúdo, fazendo ecoar mais [ainda]
esta nota de uma voz que reverberou em enunciações em salas de
aula e que continua reverberando em páginas de livros a jornais,
na Academia Montesclarense de Letras, na Academia Feminina
de Letras de Montes Claros, no Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros, em conferências e palestras. E alhures...
Assim mesmo, com reticências. Afinal, como diz a própria D.
Yvonne, este é apenas o seu “primeiro centenário”, segundo a
amiga comum, Ana Valda Xavier Vasconcelos.
Naquela noite, provavelmente de dezembro de 1981, tive
a honra de pisar por duas vezes o palco do então Cine Montes
Claros: como formanda que colava grau e como oradora da
turma de concludentes do Curso de Ciências Sociais. A propósito,
na ocasião, as turmas de formando/as dos vários cursos
das Ciências Humanas e Letras da FAFIL tiveram um orador e
uma oradora. Não recordo o nome do orador (creio que um formando
do Curso de Letras), mas lembro-me de um fato curioso
relacionado a pessoa muito próxima de D. Yvonne e que tragoà baila, como exemplar lição de ética. Dias antes, os formandos
indicados aos oradores, pelas respectivas turmas, apresentaramse
a uma comissão julgadora, composta de professores incumbidos
de avaliarem a qualidade dos discursos elaborados pelos
candidatos e de escolherem o orador. Da comissão, naquele ano,
fazia parte Maria Luísa Silveira Teles, sobrinha de D. Yvonne e
professora do Curso de Letras.
Lembro-me de que ela pediu dispensa da comissão pelo fato de uma pessoa dentre os candidatos – como declarado por
ela – ser do seu círculo de amizades, o que, do ponto de vista ético, impedia-lhe de participar da banca. Não me recordo de
quem mais compunha a comissão. Mas esta atitude, pelo seu
conteúdo edificante, ficou-me na lembrança. Não sei que rumos
tomou meu texto do discurso de oradora. Mas o da paraninfa
está lá: em companhia das fotografias da “nossa turma”,
como costumávamos dizer, composta de catorze pessoas: Adélia
do Carmo Araújo, Ana Inês Gomes, Carmen Lúcia Gonzaga
de Oliveira, Fernando Guimarães Franco, Florionice Teixeira
Mendes, Geralda Ramos Guimarães, Geraldo Jorge de Oliveira
Gonçalves, Ignácia Alvarez Uria (“Irmã Inácia”), José –, escrevo
sobre um momento em que, no 3 Meus agradecimentos a Ana
Valda Xavier Vasconcelos (e, por seu intermédio, a Maria Luísa
Silveira Teles), a Florionice Teixeira Mendes, e José Manoel Xavier
Souto (Manoelito).
Euler Batista, José Manoel Xavier Souto (Manoelito), Maria
Nilza Lopes e Silva, Maria Valdete de Castro [e] Meire de
Oliveira. Anos depois, e após tantas vezes ter vivido a experiência
de ser paraninfa – o que muito me honra nesta escolha que
exerço há cerca de vinte anos na Universidade Federal do Piauí
– como professora-pesquisadora, mas, sobretudo, como educadora,
formadora de novas gerações, penso que a etimologia do
termo paraninfo, com origem no grego paráninphos e no latim,
paranynphum merece ser lembrada pela beleza do significado e
pela distinção conferida a quem assim é nomeado. Como madrinha,
paraninfa é pessoa a quem se prestam homenagens, e de
quem se espera a palavra: o proferir do discurso. A mensagem de
agradecimento e de exortação.
Nesse duplo investimento, como homenageada pelas turmas
de formandos e como madrinha destas turmas, D. Yvonne
dirigiu-se a nós, em seu discurso, no belo texto que nos dedicou e entregou impresso a cada um artigo e que registra o momento
em que sou por ela cumprimentada e recebo o texto de suas
mãos. É o texto-exortação, reproduzido abaixo, em uma imagem
fotográfica do original impresso colado no referido álbum,
cuja página amarelada compõe uma moldura de aspecto desgastado,
como a lembrar que ao desgaste da moldura nem sempre
corresponde o do que é emoldurado. – como se vê na fotografia
que encabeça este, atitude que me inspirou em minha primeira
experiência, há anos, como paraninfa.
Ao trazer este fragmento – acionado pelas minhas lembranças,
com o auxílio das pessoas citadas –, para inscrevê-lo
neste trabalho de construção da memória coletiva de D. Yvonne,
penso no quanto a memória social implica a convergência
de diversas fontes (incluindo memórias anteriores com as quais
as novas se comparam), sendo essencialmente, complexa, uma
vez que nem em nosso cérebro individual [não] há dados puros,
secos, isolados, nem os há na memória coletiva. Talvez isto até
exista nos arquétipos platônicos, nas matemáticas ou nos computadores.
Mas, como diz Iván Izquierdo, no cérebro humano
os dados que recordamos, tanto os novos, que entram, quanto os
que já estão em nossa memória, acompanham-se sempre de um
vínculo de matiz afetivo ou cognitivo – e do desejo, como bem
diz Sigmundo Freud. Assim, nem a memória individual, nem a
social, pode ser concebida como registro passivo. De fato, implica
um trabalho de síntese, de “edição”, sendo o ato de recordar
não apenas reprodução, mas construção.
Socialmente, o ato mnemônico aparece, sobretudo, como
comportamento narrativo, em uma aproximação entre linguagens
e memória. E nas narrativas que compõem este trabalho coletivo de construção da memória yvoniana, quantos pequenos
fragmentos e grandes evocações!
Tudo isto remete ao vínculo entre memória e invenção,
ideia já encontrada na Antiguidade Grega. Neste sentido, rememorar
trajetórias é, também, reinventá-las. Em por racionalidadeà narrativa, como diz Pierre Bourdieu, quando fala da ilusão biográfica. É produzir uma fictio, no sentido atribuído por Clifford
Geertz, não de uma invenção espúria, apenas ideacional, sem
base factual, mas como algo modelado, construído pelos sentidos
atribuídos e acionados. Com, isto, quero dizer que Montes
Claros, em 2014, ressignifica a trajetória de D. Yvonne, a partir
dos sentimentos e sentidos construídos por quem a homenageia
[e] por quantos a têm como memorável.
Tomar como memorável! Que Mnemosyne, como entidade
sobrenatural ou divina, inspire-nos! Na perspectiva da nossa
pa(ma)ternidade filosófica ocidental, antiguidade grega, Mnemosyne,
a recordadora, era uma deusa que, unida a Zeus, gerou
as nove musas responsáveis pela inspiração, protetoras das artes
e da história. Como filha do céu e da terra (Urano e Gaia), irmã
do tempo e do oceano (Chronos e Okeanos), todas etáforas da
infinitude, era mãe da inspiração e matriz geradora, revelando
as ligações obscuras entre rememorar e inventar. Tinha como
função dizer o que é, o que será e o como foi, como registrado na
teogonia, fórmula que definia a arte de adivinhos que sabiam o
passado, [o] presente e o futuro. Daí o parentesco entre profetas
e poetas, ambos sujeitos entusiasmados, no sentido etimológico
(en + téos = com um deus, o daimon, a divindade, dentro de
si). Divindade que fala pela boca do profeta e do poeta, como
lembra Adélia Bezerra de Meneses. E como registra Emília Godoi, memini (lembro) e moneo (advirto) são parentes próximos,
sendo que a função social da memória – lembrar e advertir – é
unir começo e fim: o que foi e o [q há] de vir.
A deusa Memória dava aos poetas e adivinhos o poder de
voltar ao passado e de lembrá-lo para a coletividade, podendo
conferir imortalidade aos mortais pelo registro dos atos, feitos,
gestos e palavras de um ser humano que se tornava, assim,
memorável. Historiadores antigos colocavam suas obras sob a
proteção das musas que, acreditava-se, inspiravam a tessitura da “túnica inconsútil” da verdade, como dito por D. Yvonne. Objetivo
dessas obras escritas era não deixar que se perdessem feitos
exemplares às gerações futuras. Não teria uma dessas musas protegido
de um dos aspectos da força de Chronos – a destruição
– o folder com o discurso impresso da paraninfa naquela noite
de 1981? Em seu discurso, a homenageada-madrinha lembrava,
a nós, jovens formandos, da “força incoercível da palavra”, das
heranças que frutificam “em amor pelas ciências” [e] em cujos
caminhos crescem as árvores do saber, “regadas com o sangue
vivo do mestre”. E advertia-nos sobre as trilhas futuras nas quais
nós, tornados mestres pelo diploma que nos era conferido, éramos
investidos de um “poder que pode destruir ou cada vez mais
crescer”. Nestas trilhas, seríamos interpelados, pelo clamor da
juventude, “para a conquista da vida”, cuja integridade vê-se
ameaçada pela voracidade do materialismo que nos aprisiona a
consciência da liberdade, qual vendaval que ameaça os valores
humanos.
Ao dispensar ao sujeito uma onisciência do tipo divinatório,
não do passado individual, mas do passado geral do tempo
antigo, Mnemosyne realiza uma evocação na qual a anamnesisé uma espécie de iniciação. Assim, ligando aqueles idos de 1981 aos dias atuais, como (re)leio e [re]ssignifico as palavras de D.
Yvonne? Como lembrança e advertência, sobretudo, exortandonos,
como novos mestres, a assumir o papel de educadores,“ vestindo
a túnica inconsútil da verdade”, construindo nossos caminhos
sem o receio de “levantar a poeira da estrada”. Suas palavras
incitam-nos à tomada de consciência da “grandiosa caminhada
do existir” e de que tal caminhada não se faz de forma solitária,
mas no “co-existir”, no “ser-por-outros”. E conclui, instandonos
a sermos livres, a experimentarmos o “amor universal da
liberdade”.
Este texto de D. Yvonne, fixado em um velho álbum com
páginas colantes, não queda apenas preso, ali, há 33 anos. Suas
palavras voluteiam nas ideias e, como a memória, unem o começo
ao fim e o fim ao começo. E, como marcas luminosas [e]
indeléveis de um encontro, relampejam no tempo.
No entretempo nostálgico das festas de agosto, e das vésperas
das festas de setembro,
Recife-PE, agosto de 2014 de Montes Claros, do Brejo dasAlmas. Pura saudade!.
EM MONTES CLAROS,
HÁ CEM ANOS, NASCEU
YVONNE SILVEIRA
Wanderlino Arruda
Yvonne de Oliveira Silveira nasceu em Montes Claros em
30 de dezembro de 1914. Filha de Cândida Peres e do
farmacêutico, intelectual e rotariano Antônio Ferreira de
Oliveira. Graduada em Letras pela antiga Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras do Norte de Minas, tem pós-graduação
em Teoria Literária pela Universidade Católica de Minas Gerais.
Regente de classe e professora de Educação Física por dez anos, casou-se com o fazendeiro Olyntho Alves da Silveira, poeta, cronista,
escritor e historiador.
Dedicada às letras desde a adolescência, Yvonne sempre
colaborou com os jornais de Montes Claros e de Belo Horizonte,
publicando excelentes textos. Participou de várias e importantes
antologias. Escreveu vários livros. Em parceria com o marido,
BREJO DAS ALMAS-CRÔNICAS E HISTÓRIAS; em
parceria com Zezé Colares, MONTES CLAROS DE ONTEM
E DE HOJE e FOLCLORE PARA CRIANÇAS. Além destas
parcerias, Yvonne escreveu CANTAR DE AMIGA e MONTES
CLAROS – CRÔNICAS, este organizado por Osmar Pereira
Oliva, Editora Unimontes. Tem ativa participação na Comissão
Mineira de Folclore.
Eleita presidente da Academia Montesclarense de Letras
há 29 anos, continua no cargo, segundo ela mesma, vitalício. Foi
fundadora da Academia Feminina de Letras de Montes Claros
e participa do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e da
Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco. Foi fundadora
e primeira presidente da Associação Amigas da Cultura.É sócia honorária do Rotary Clube de Montes Claros-Sul e do
Elos Clube de Montes Claros. Professora emérita da Unimontes
-Universidade Estadual de Montes Claros.
Inteligente, estudiosa, muito prestativa, sempre atendeu a
pedidos de colegas e amigos para revisão e prefácios de livros.
Aluna do Conservatório Estadual de Música Lorenzo, foi-lhe
concedido o título de Honra ao Mérito pela grande e continuada
contribuição.
O Curso de Letras feito por Yvonne, o primeiro em nível
superior em Montes Claros, início no Colégio Imaculada Conceição,
em 1963, teve matrícula de 52 e formatura de somente
sete: Yvonne, Saturnino, Hugo, Adilson, Lola, Irmã Guiomar e
Wanderlino. Quando o terminamos em 1967, para sermos professores
universitários em nossa própria escola, Yvonne e eu tivemos
de seguir para a pós-graduação na Universidade Católica
de Minas Gerais, ela na especialização em Teoria da Literatura,
eu em Linguística Geral, isso além de termos de prestar exames
de suficiência, ela na Universidade Federal em Belo Horizonte,
eu na Federal de Juiz de Fora, porque o registro da Fafil iria demandar
ainda algum tempo. Já com muita prática no ensino de
Português e de Literatura, fomos na área os primeiros a preparar
futuros alunos e candidatos ao vestibular. Daí, da cátedra e da
titularidade de professores, vivemos entre importantes gerações
de estudantes que, hoje, marcam o jornalismo, a vida social, a
batalha política e cultural em várias partes deste Brasil.
Como sua estreia no magistério foi aos doze anos, Yvonne
teve multiplicadas oportunidades para despertar vocações, quase
um século de benfazeja prestação de serviços à cultura. Fico encantado
quando um aluno de Yvonne marca lembranças de suas
aulas, principalmente por recordar cada minuto do entusiasmo
dela, principalmente das muitas palavras de incentivo à leitura
e à escrita.
Na sublime idade de cem anos a que chegou, está presente
em todas as solenidades e outros atos a que é convidada, sempre
no centro da mesa de honra.Yvonne de Oliveira Silveira é Cidadã
Benemérita de Montes Claros desde em 1985.
Cem anos de
Belas Lições
Manoel Hygino dos Santos
Agosto, 14. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais,
por proposta do deputado Carlos Pimenta, prestou-se
homenagem à professora Yvonne Silveira. Nenhuma
iniciativa mais legítima e justa. O preito se deu ao ensejo do
seu centenário de nascimento, enquanto se promoviam as festas
típicas do mês na maior cidade do norte-mineiro, em que ela
nasceu e a que dedica toda sua vida.
Em todas as ocasiões e lugares em que se fazia necessária sua
presença no campo cultural, educativo, literário, artístico e cívico,
lá estava. Suas aulas na faculdade se caracterizavam pela livre
manifestação, interação e harmonia com seus discípulos. A mestra
insistia na tecla da leitura dos bons livros e dos bons autores, como
condição de formação intelectual, de êxito pessoal e profissional
e, por extensão, para desenvolvimento do ser humano e da pátria.
As aulas constituíam, enfim, lições de espírito cristão, de transmissão
de ensinamentos imprescindíveis, de sabedoria e brasilidade,
de respeito ao passado e da visão de futuro.
No finalzinho de 2013, programavam-se os festejos, a que
ela modestamente disse não fazer jus. Desde então, comoventes
encontros se sucederam para cumprir, ou não, o que se deliberava.
Dona Yvonne já deixara de pertencer-se, para pertencerà sua cidade, à sua história, à sua gente, a seus costumes
e tradição, a seus ideais, ao magistério universitário, às letras.
Presidente da Academia Montes-clarense de Letras há muitos
anos, tem dedicado ininterruptamente aos nobres objetivos da
entidade identificada como “A Casa de Yvonne Silveira”, com Y
e duplo n, como convém. No decorrer do calendário de 2014,
tem sido alvo de sucessivas manifestações de apreço e admiração,
e razões suficientes existem.
Dona Yvonne, grande dama da intelectualidade regional,
não falta a compromissos, desloca-se a todo lugar e na hora em
que é chamada, e persiste em sua linha de conduta neste ano
como o fez ao longo de toda a existência. Jovem, em seus cem
anos, não tergiversa, não falha. Um exemplo genuíno da tenacidade
da mulher do sertão mineiro.
Lecionou literatura na Faculdade de Filosofia, a FAFIL,
mas sua vida é a grande lição, insinuante no salto alto, a voz firme, a argumentação segura, a memória fantástica, que jamais
deixa escapar um detalhe. Doutora em Literatura, o é também
em comportamento e elegância.
No Dia Internacional da Mulher, institucionalizouse
a proposta de atribuir a uma brilhante mulher a placa
alusiva à data. Por sinal, a distinção foi conferida exatamente
a Dona Yvonne, nem poderia ser de outra maneira.
Esta apenas uma das expressões de carinho a quem se mudou da
cidade natal, adolescente, apaixonou-se, casou-se e viveu com
seu eleito durante 76 anos, um amor que parece novela, mas
nunca se apaga.
Viúva, não se dobrou como o junco à adversidade. Não
perdeu a doçura, o entusiasmo, o charme, a voz suave, o leve
sorriso, para continuar a vida. Que completa um século, mas
tem muito mais caminho a percorrer.
O Padrinho
da Menina Yvonne
José Divino Lopes Filho
Era o ano bissexto de 1852 e na sexta-feira 13 do mês de
agosto, nascia o padrinho da menina Yvonne. Se quisermos
crer em coincidências cronológicas que direcionam
tendências, habilidades e inspirações, neste ano bissexto nasceram
Alice Liddel, que viria a ser a inspiradora do clássico livro
Alice no país das maravilhas, e Antoni Gaudi, genial arquiteto
catalão cujas obras são firmemente vinculadas à natureza e à religião.
Sim, os anos chegam e se vão e neles nascem e morrem pessoas. Em 1852, quando nasce o padrinho da menina Yvonne,
morre o educador Friedrich Fröbel, que idealizou e construiu o
primeiro Kindergarten – Jardim de Infância – do mundo. Mas
quanto ao nascimento do padrinho da menina Yvonne, é provável
que enquanto sua mãe estava em trabalho de parto sob os
cuidados de parteira, seu pai conversava na sala anexa com o
jovem médico, formado em Paris, Bento Alves Gondim. Isto era
o que rezava a práxis do parto domiciliar no Brasil; famílias que
podiam contar com a presença de médico na hora do parto, o tinham
como opção de emergência. Na prática quem conduzia os
trabalhos eram mesmo as confiáveis parteiras. O doutor Bento
não era apenas o médico, era também sócio, em negócios diversos,
do pai do padrinho da menina Yvonne. Recentemente eles
haviam, por meio de sociedade com outros membros, adquirido
de ingleses a fábrica de tecidos Cana do Reino, situada no então
distrito de Riacho Fundo. O pai do padrinho da menina Yvonne
foi mesmo um homem importante e influente em seu tempo,
tendo sido até deputado provincial, gosto este que ele repassaria
aos filhos. Viveu quase 80 anos, sendo pai de uma filha e outros
dois filhos, além do rebento caçula que nascia em 1852. Sendo
filho de pai abonado e letrado, quando o padrinho da menina
Yvonne atingiu idade escolar adequada, realizou seus estudos nos
seminários de Mariana e no colégio Caraça que, naquele tempo,
compartilhava a formação religiosa com a escolarização regular.
Durante os anos em que estudou distante de casa o padrinho
da menina Yvonne dividiu os longos meses nos seminário com
as férias na casa dos pais, na cidade que já naquele tempo era
quase bicentenária, Conceição do Serro. Este nome deriva do
fato de a antiga Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do
Mato Dentro estava sob jurisdição da Vila do Príncipe do Serro Frio. Emancipou como Conceição do Serro para, posteriormente,
vir a ser Conceição do Mato Dentro. O percurso entre
o seminário e a cidade natal do padrinho da menina Yvonne,
feito a cavalo, levava de 3 a 5 dias, dependendo das condições
do tempo, da qualidade dos animais empregados no transporte
e das paradas da tropa. Mas o padrinho da menina Yvonne
pouco se importava com a distância e o tempo. O que ele fazia
com gosto era observar a natureza robusta e bruta que o cercava,
especialmente quando atingia as maiores altitudes da serra do
espinhaço e de lá observava um mar de picos, serras e vales que
se derramavam a leste, oeste, norte e sul. Ficava ele imaginando
como o homem se apropriaria de tantos recursos ali disponíveis.
Próximo a Conceição, o padrinho da menina Yvonne se
interessava pelas histórias que corriam sobre uma das primeiras
fábricas de ferro implantada no Brasil, a de Morro do Pillar. O
ambiente propício aos estudos e reflexões vividos no seminário
e a observação arguta da natureza impeliram o futuro padrinho
da menina Yvonne estudar engenharia de Minas em Ouro Preto,
então capital da província mineira. O jovem estudante de
engenharia, que se chamava Joaquim Cândido da Costa Sena,
imediatamente se destacou na Escola de Minas como aluno aplicado
e inclinado para pesquisas de campo e investigações no
campo da geologia. Graduando em 1880, tornou-se professor
assumindo vários cargos administrativos durante os anos que se
seguiram. Um dos trabalhos valiosos do padrinho da menina
Yvonne revela a repercussão que a técnica de fundição de ferro
implantada em Morro do Pilar teve na região de sua cidade natal.
Ele enumera e detalha as várias pequenas fundições que lá
existia na segunda metade do século XIX. A difusão desta cultura
de fundição naquela região deve-se muito ao casal e filhos alemães que ali chegaram ainda na primeira metade daquele século.
Os Utsch não apenas difundiram a técnica, como também
espalharam com fartura, descendentes diretos. Uma das tias do
padrinho da menina Yvonne, viveu ao lado do filho mais velho
do casal alemão e ele próprio – este filho – havia ainda nascido
na Alemanha. Assim é que, pouco anos depois de sua formatura,
Joaquim recebe notícia que um dos seus primos queridos, Bernardino,
casado com a dona Guilhermina Oliveira, tivera mais
um filho, que fora batizado como Antônio Ferreira de Oliveira.
O ano era 1885 e desde então o filho do primo do padrinho da
menina Yvonne passou a povoar o territorio familiar que orientava
a generosidade de Joaquim Cândido. O menino Antônio
cativava a família e até mesmo o pai do padrinho da menina
Yvonne nutria ternura por ele. É certo que o menino Antônio,
criança ainda, gostou deste sentimento. Sensível, percebeu cedo
que algum mistério perpetrava a alma daquele senhor, uma figura
quase mítica para o povo de Conceição do Serro. Foi assim
que o menino Antônio, aos 8 anos, assistiu as homenagens
que este povo ofereceu ao pai do padrinho da menina Yvonne
quando em 1893 ele faleceu. Joaquim Cândido empreendia sua
bem sucedida carreira como professor e pesquisador renomado
na Escola de Minas de Ouro Preto. Mas o padrinho da menina
Yvonne também herdou do pai o gosto pela política. E sua reconhecida
reputação nas áreas de atuação, outorgou-lhe o direito
de até mesmo recomendar à comissão que escolheria o local para
construção da nova capital do estado, uma localidade em seu
município natal. Propos ele que a nova capital fosse sediada no
arraial de São Francisco do Paraúna. A Comissão escolheu o arraial
de Curral Del Rei, mas para agradar o padrinho da menina
Yvonne deu o nome de Paraúna a uma das importantes avenidas da nova cidade. Ele mantinha sua jornada de sucesso na vida
educacional, científica e política e não se furtou em apoiar seu
primo quando este manifestou desejo que o filho Antônio, já
adolescente, viesse estudar em Ouro Preto. A propósito, o padrinho
da menina Yvonne, assim como seu velho pai falecido,
tinha o mesmo apreço pelo jovem Antônio. Este, fazendo valer
sua proximidade com o respeitado professor J. C. da Costa Sena,
admirava sua competência tanto quanto o intrigava a capacidade
dele – o padrinho da menina Yvonne - vivenciar sua devoção
católica com a busca pelo entendimento profundo da natureza.
O Jovem Antônio desejava mesmo ir estudar em ouro Preto.
Gostaria de estar mais tempo possível ao lado do parente ilustre,
que parece compartilhar com ele uma necessidade imensa de
explorar os mistérios da existência.
Na passagem do século XIX para o XX, o padrinho da menina
Yvonne preparava audaciosa empreitada política: candidatou
a vice-presidente do estado em parceria com o candidatado a
presidente, o médico Silviano Brandão. Este, coincidentemente,
havia sido colega de turma do curso médico de José Cândido da
Costa Sena, irmão mais velho do padrinho da menina Yvonne.
Mas o destino não quis poupar Joaquim Cândido de dois sofrimentos
sucessivos: o irmão faleceu em 1901, aos 54 anos, e o
presidente eleito, também aos 54 anos, em 1902. Foi assim que
o padrinho da menina Yvonne tornou presidente do estado em
um mandato tampão de seis meses, até que o novo governador
assumisse. Atento à formação do jovem Antônio, filho do seu
primo, quando podia conversava com este sobre assuntos diversos
e cultura geral e foi numa desta ocasião que o recomendou
a leitura de Aventures d’Alice au pays des merveilles. O sensível e
sonhador Antônio percebeu todo o encanto presente no enredo do livro e não lhe foi difícil dimensionar o poder de criação
presente nas mentes destravadas das crianças. Uma percepção
que orientaria definitivamente seu modo de relação com as suas
e outras crianças. Quando Antônio já se encontrava como estudante
na Escola de Farmácia de Ouro Preto, sua convivência e
afinidade com o padrinho da menina Yvonne se acentuou. Por
um lado ele tinha oportunidade de apropriar da cultura e dos
relacionamentos com gente culta que compunham o círculo de
relacionamento de Joaquim Cândido; por outro lado ele também
era instigado a identificar e compreender as inquietações
existenciais que povoavam a intimidade daquele homem quase
que venerado por onde andava. Certo dia, o padrinho da menina
Yvonne, que tinha um censo muito apurado sobre a natureza,
discorreu espontaneamente para o jovem Antônio sobre certezas
e incertezas da vida. Finalizou a preleção repetindo para ele uma
frase que teria ouvido em viagem à Espanha: A linha reta é uma
invenção do homem. A natureza não nos apresenta nenhum objeto
monotonamente uniforme. Antônio, então, tentou aprofundar o
significado da sentença criando uma analogia da mesma com o
enredo de Aventures d’Alice au pays des merveilles. O padrinho da
menina Yvonne percebeu e elogiou a sensibilidade do raciocínio
do jovem estudante de Farmácia e recomendou que ele lesse o livro “A educação do homem” obra clássica de F. Fröbel, educador
alemão que defendeu o brinquedo e a atividade lúdica para formação
das crianças. Antônio viria a ler a obra, até porque como
neto de alemão gostava de se esforçar a ler neste idioma. Mas o
tempo universitário de formação e festejos vividos por Antônio
em Ouro Preto chegava ao seu final. O ano era 1909 e ele tornava-se farmacêutico, voltando à sua Conceição do Serro para
iniciar vida profissional. Dali mantinha correspondência com o padrinho da menina Yvonne dando-lhe notícias da cidade, da
família, mas sobretudo de suas próprias incertezas e insatisfações
com a vida profissional em sua cidade. Então, em 1912, o
jovem farmacêutico recebeu apoio para uma decisão que vinha
sendo examinada: transferir-se de sua secular e antiga Freguesia
de Nossa Senhora da Conceição do Serro da Vila do Príncipe do
Serro Frio para uma cidade em um sertão longínqua, Montes
Claros. Em 1913, nem bem estabelecido com firmeza na nova
cidade, Antônio recebe notícia da morte do pai, Bernardino, e
passa a pensar no sofrimento da mãe, Guilhermina, agora sem o
companheiro pai de seus oito filhos. Sua dor foi em parte consolada
pela jovem mulher que conheceu e se apaixonou em Montes
Claros, Cândida Peres e com se casaria em breve. Depois de
casados eles enfrentariam uma viagem desgastante e cansativa
até Conceição do Serro. Lá ela conheceria a sogra, cunhados,
mas descobriria também que se encontrava grávida. Já de volta a
Montes Claros, no dia 30 de dezembro de 1914 Antônio e Cândida
tornam-se pais de uma saudável criança, que seria a afilhada
do engenheiro, professor, político e ex-presidente do estado Joaquim
Cândido da Costa Sena. Naquele dia Antônio, rememorou
todas suas reflexões influenciadas pela leitura de Aventures
d’Alice au pays des merveilles e pelos diálogos estimulados pelo
seu protetor. Decidiu definitivamente que o padrinho da recémnascida,
que recebeu o nome de Yvonne, seria o parente Joaquim
Cândido.
A origem dos padrinhos é historicamente associada à cerimônia
de batismo, especialmente na tradição cristã. O padrinhoé a figura de um guia, um pai espiritual, que testemunha
o início da vida religiosa de um recém-nascido ou de alguém
convertido. Escolher um padrinho é eleger alguém de confiança e respeito para testemunhar o crescimento espiritual da criança,
e isto significa que este possa influenciar, direta e indiretamente
com base em virtudes ou, eventualmente, concessão material,
esta evolução. Quanto a tudo isto Antônio confiava fartamente
no mestre Costa Sena e o convite foi aceito, mas com uma
ressalva. Era impossível que ele, o mestre, viesse pessoalmente a
Montes Claros para o batismo, pois os afazeres na Escola de Minas
e a saúde um pouco debilitada o impediam realizar viagem
exigente. Emitiu então uma procuração de batismo pela qual ele
e sua esposa, Virgínia, se assumem como padrinho e madrinha
da menina Yvonne. Paralelamente, em uma carta pessoal a Antônio
ele faz uma recomendação expressa: a procuração de batismo
não deveria sobreviver a ele, Antônio. O pai da menina Yvonne
tinha elementos para não tratar este pedido como um mistério,
mas este mesmo pedido reforçava sua convicção de que o seu
agora compadre jamais teve sua alma harmonizada, ainda que
fosse um homem sábio e de grande sucesso profissional. Antônio
passou a considerar que as inquietações de sua própria alma
tinham origens comuns com as do compadre Costa Senna. Mas
inebriado pela presença e vivacidade dos filhos, pela atividade de
jornalista e poeta que abraçara e nem tanto pela de farmacêutico,
Antônio, já então conhecido como Niquinho, driblava reflexões
existenciais e psicológicas mais complexas até que, em 1919,
recebe notícia que seu parente, protetor, conselheiro, amigo e
compadre Joaquim Cândido havia falecido no dia 26 de junho.
Cândida quis deixar o marido vivenciar esta perda, mas via nele
um sofrimento arrebatador de quem perde um cúmplice. Era
um anoitecer de inverno, quando a temperatura prenuncia cair,
quando ela aproximou-se do marido que, enquanto mantinhaão e na outra a folha escrita
que ela identificou logo tratar-se da procuração de batismo do
padrinho da menina Yvonne. Paciente e carinhosa, ela deu motivos
para o marido lhe explicar a razão do pedido do padrinho
da filha, um segredo que poucos sabiam: o pai do padrinho da
menina Yvonne, à margem de sua grande influencia política e
econômica na região de Conceição do Serro, exercia também
grande influência espiritual porque era padre, tomado ora como
cônego, ora como vigário Sena. Niquinho contou à esposa as pequenas
lembranças que tinha deste complexo homem, enterrado
na matriz de sua cidade, falecido quando ele tinha oito anos.
Cândida percebeu a extensão dos sentimentos do marido ao conectar
o fato de que a avó dele, Maria Tereza Costa Sena, era
irmão do Cônego e, como este, católica, que conviveu e gerou
família ao lado de um legítimo protestante alemão. Anos mais
tarde, quando não mais Yvonne era uma menina, o pai reforçou
com ela o pedido do padrinho dela, pedido este que se cumpriu
em 1951: a procuração de batismo foi enterrada junto ao corpo
do farmacêutico, mas sobretudo poeta e sonhador Antônio “Niquinho”
Ferreira de Oliveira que indomavelmente procurava dar à sua vida sentido que correspondesse à sentença que uma dia
lhe foi dito: A linha reta é uma invenção do homem. A natureza
não nos apresenta nenhum objeto monotonamente uniforme.
A Mestra com Carinho
Maria Socorro de Carvalho Silveira
Passam-se os anos e as lembranças insistem em não se apagar.
Voltam sempre nos fazendo infantilmente felizes.
Com a esperteza matreira dos que querem tirar da vida
o que ela tem de melhor, saboreamos das recordações o mel da
alegria e a cor eterna do bem viver.
Nossas lembranças não nos perseguem, elas são o nosso
alimento, o elo permanente que une o nosso passado e as possibilidades de futuro. As pessoas constroem conosco o universo
necessário a sobrevivência da nossa alma, substrato perfeito para
a explosão das nossas emoções.
Admiramos pessoas, rejeitamos outras, nos espelhamos em
algumas, imitamos, amamos e criticamos. Mas existem aquelas
que marcam as nossas vidas e tão somente as suas presenças engrandecem
a nossa existência e enriquecem a nossa história.
Yvonne de Oliveira Silveira, ou apenas Dona Yvonne. Aliás,
a grafia correta do seu nome, só a conheci em março deste
ano. Sintonia perfeita, como uma premonição, entre o querer e
o ser. Foi na Escola Estadual Prof. Plinio Ribeiro que eu a conheci.
Elegante, fidalga mesma, professora de literatura. Culta,
pairava muito acima dos nossos minguados conhecimentos, mas
nos instigava a querer imitá-la e um dia ser como ela.
E, não bastasse o muito saber, tinha hábitos pouco usuais
em mulheres daqueles anos. Dona Yvonne dirigia. Pilotava um
fusquinha, seria verde? Acho que sim. Não era exímia motorista,
mas encantava a todas nós ao volante do pequeno automóvel.
Um dia nos arriscamos a pedir carona. Tenho quase certeza que
a mestra o fez a contragosto, parecia não gostar, era o que todos
diziam. Descemos a Avenida Mestra Fininha até o centro da
cidade. A mestra, já naquela época, morava na Rua Padre Augusto,
em uma casa onde residiu até poucos anos atrás. Ginasiandas
aventureiras, sem medo de ser feliz.
Dos festivais de música da Escola Plinio Ribeiro, idealizados,
dirigidos e coordenados pelo Professor Romildo Mendes
tenho ótimas lembranças. Dias movimentados, muita música e
rock and roll. Competição acirrada, muitos concorrentes e uma
plateia exigente, implacável, vaiando e aplaudindo. Das letras
das músicas compostas por mim e minha amiga Joyce havia
sempre um momento em que a mestra Dona Yvonne enriquecia
as nossas rimas e nos estimulava a competir. Afinal aquela
também era uma manifestação literária. Diferente, original, mas
sonora e genuinamente literária.
Ela nunca me esqueceu e nem eu a ela. O tempo passou.
Ingressei no Rotary e, numa manhã de março a mestra foi nos
falar. O tema era mulher, dia internacional da mulher. Na demonstração
da sua satisfação em estar ali em nossa companhia
nasceu o nosso grande e manifesto desejo de fazê-la nossa companheira
honorária. E assim foi feito. Há quase dez anos renova-se esta titulação, alegria para a mestra, honra para nós. Em
março, numa reunião de Governadores do Rotary dos Estados
de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Distrito Federal,
Dona Yvonne surpreendeu a todos os presentes quando
falou da sua gratidão em estar sendo homenageada pela Instituição.
Aplaudida de pé fez o mais belo discurso que tive oportunidade
de ouvir. No dia seguinte publicou em jornal local um
lindo manifesto lembrando a passagem do seu pai pelo primeiro
Clube de Rotary fundado em Montes Claros. A crônica foi enviada
a todos os participantes do encontro recebendo dezenas de
elogios.
Ainda hoje me surpreendo com ela. Revelou-me ter nova
atividade, pintura. Meio evasiva e reticente declara não estar se
adaptando a pintura moderna. Diz isso apontando para a parede
da sua biblioteca onde está um retrato do seu pai pintado
por ela. Yvonne pintora surrealista, contemporânea? Quem sabe.
Tudo é possível.
Voz firme, raciocínio rápido, presença de espírito, jovialidade.
Assim é Yvonne, Yvonne, Dona Yvonne. De Oliveira,
Silveira, do Brejo das Almas, de Montes Claros, de Minas, de
todos nós.
Nunca a perdi de vista, nossa amizade se fortaleceu na admiração
crescente de quem acredita que somente na luta e na
obstinação se constrói uma verdadeira e grande mulher.
O BREJO
Homenageia a quem melhor interpretou suas almas
Charles Rodrigues Luís
No final da agradável tarde do dia 8 setembro deste ano,
no coração do Brejo das Almas, ajuntaram-se vários brejalminos
para comemorarem o nonagésimo aniversário
de sua terra natal. Não poderia haver melhor lugar: de um lado,
o velho casarão dos “Costa Negro”, ainda atraente; porém, mais
por causa das lembranças e da sua importância histórica do que
pelo seu estado atual. Do outro lado, prédios comerciais erigidos
por famílias tradicionais que fizeram história e fortuna interme-diando negócios. O tempo cuidou de impor nova roupagem a
vários desses prédios, modernizando-os para atrair clientes pela
aparência. Nestes tempos, ao contrário dantes, o que importa é a
marca estampada nas fachadas, a grande maioria não se interessa
mais por quem está atrás do balcão.
Encontrávamo-nos ali onde existiu a pequenina Praça
“Duque de Caxias”, de tantas histórias e alegrias. Aquele logradouro
público recebeu famosos políticos e aplaudiu eloquentes
e importantes discursos. Houve um tempo, não muito distante,
quando não era proibido, sempre aos domingos, os homens ali
se encontravam, com armas em punho e seguidos por incontáveis
cães de caça. O sereno da madrugada e a não presença do
astro rei não impediam que três dezenas de caçadores, semanalmente,
dali partissem para buscar o que não guardaram nos gerais
do Norte de Minas. Ao final do dia, se traziam caça ou não,
não há registro, o que existe é a sólida certeza de uma centena
de casos, piadas e boas gargalhadas, diversos de fatos como esses
foram eternizados nas páginas de livros da homenageada e do
seu amado esposo.
Não há mais a praça! Ainda hoje, vários lamentam sua
destruição para que em seu lugar fosse edificado um mercado
municipal. Os pássaros, as flores, sua música e fragrância, deram
lugar ao barulho dos feirantes e ao odor de temperos, carnes,
folhas... Quis o destino que ali fosse o lugar onde a homenagem
ocorresse, certamente porque o mais popular, democrático e eclético
de nossa cidade. Se ocorresse nos grandes salões a gente
simples não ouviria a voz firme e as poesias que brotaram dos
lábios de quem ainda toca os corações juvenis com a beleza e
musicalidade de palavras magnificamente ordenadas.
A Dama das Letras veio a Francisco Sá, ainda criança,
acompanhando o pai, farmacêutico. Nesta cidade, aos catorze
anos, teve a sensibilidade de escolher aquele que seria o grande
amor de sua vida, o escritor brejeiro Olinto Silveira. O casamento
forjou o elo que nos liga eternamente a essa jovem e talentosa
diva. Se Montes Claros gaba-se de tê-la como filha, não menos
orgulhosa é Francisco Sá que a viu crescer, apaixonar-se e encantar
quem teve o privilégio de com ela conviver. Prova desse
amor são as diversas produções literárias enaltecendo as belezas
naturais e à gente hospitaleira e virtuosa do Brejo das Almas,
assinadas pela sua filha de coração. Todavia, não é desnecessário
ressaltar, que o talento ímpar e a capacidade inigualável de escrever
sobre o que lhe cerca, derrubaram todas as fronteiras e a
homenageada, faz muitos anos, ostenta a condição de cidadã do
mundo.
Nascida em 1914, ano em que o mundo, perplexo, assistiu
ao início da primeira grande guerra mundial, D. Yvonne, foi
um presente de Deus e um instrumento Dele para ensinar-nos
a ver e a compreender o que nos rodeia. Se o pai, farmacêutico,
conhecia os elixires para as dores físicas a filha Yvonne cuidou
de desenvolver o talento de buscar na natureza e no interior do
homem as virtudes e valores capazes de frear a ganância e as vaidades
que levam à discórdia e aos conflitos.
Mesmo com os avanços tecnológicos e a inimaginável rapidez
de comunhão de informações o homem está sedento de
quem os faça trabalhar para conhecer-se e a outrem. O tempo
corre ligeiro. A tecnologia proporciona facilidades e derruba
obstáculos, porém daí veio a apatia que não deixa os moços se
interessarem pelos livros, pela poesia ou teatro. São raros os que leem além das obrigações escolares. Como os músculos físicos
que, se não exercitados, atrofiam; os talentos que recebemos precisam
ser trabalhados e multiplicados, senão perecerão.
Hoje, infelizmente, não são poucos aqueles que se quedam
embriagados perante a lucrativa e apelativa indústria das novelas
que invadiu nossos lares despejando estórias recheadas de vícios,
crimes, traições e dissabores que muitos não estão preparados
para interpretar. Da capital brasileira de televisão são disparados
poderosos petardos em desfavor da família, dos bons costumes e
dos valores imprescindíveis à melhor formação do homem.
Queria que todos vibrassem e se interessassem pelos causos
e descrições de fatos havidos nas ruas empoeiradas e mal iluminadas
do Brejo de três, quatro, cinco décadas atrás. Melhor, desejo,
que pudéssemos trabalhar para que nosso agir merecesse a
lembrança de nossos filhos e dos filhos destes. Todavia, o espaço
para o diálogo diminui dia-a-dia... E a leitura, em família, não
existe mais.
É justamente aqui, na minha acanhada opinião, onde se
encontra a importância de D. Yvonne Silveira para nós todos.
Mais valiosa que sua rica produção literária e os incontáveis educadores
que formou, é a firme, incansável e constante vontade
de demonstrar para o outro que é possível fazer melhor. Não
tive o privilégio de ser seu aluno e nem também de desfrutar do
seu convívio além de raríssimos encontros oficiais. Entretanto,
como eterno aprendiz, tenho procurado identificar as diversas
lições que a Dama das Letras tem arremessado por onde passa.
A poucos meses de completar cem anos, a Dama dos Talentos
traz na face um sorriso contagiante que atesta a alegria de ainda conseguir transmitir conhecimento; sobre os ombros não há peso algum, demonstrando que na matemática da vida
encontrou as variáveis e solucionou os desafios que se lhe apresentaram.
Como o Cerrado conta com as flores do Ipê para fortalecer
a esperança que está próxima a estação das águas, o ser
humano necessita de referências morais e de testemunhar exemplos
virtuosos para prosseguir firme e inabalável na senda.
Esteja certa, D. Yvonne, que também seu “Brejo das Almas”
ficou encantado com a sua visita e eternamente agradecido
pelas honrarias que lhe tem propiciado. Quis o destino que a
Dama dos Encantos fosse homenageada durante as tradicionais
Festas de Setembro. Não somente dos homens ouviu elogios e
aplausos. Cuidou a natureza de espalhar motivos para tornar
esse retorno distinto de qualquer outro. O Brejo das Almas,
durante as festas deste ano, em homenagem ao seu centenário,
principiou suas homenagens pela beleza da “super lua” que, tomando
emprestado o brilho do sol, aclarou a noite de muitos
casais... Claridade que propiciou aos apaixonados ver coração
e alma do elegido. Magnífica lua que suplantou o brilho dos
fogos que foram atirados em sua direção... Lua encantada que,
sem maior esforço, suprimiu os potentes holofotes dos artistas e
reinou inabalável no céu brejeiro. De inigualável beleza, o luar
brejeiro, não se omitiu e fez questão de festejar seu centenário e
o primor de suas obras que tantas vezes o enalteceram.
Também veio para reverenciá-la o vento brejalmino. Ele
que se esforçou para soprar para todos os cantos seus escritos,
poesias e declarações de amor. Eterno solteirão, porém sempre
bem cobiçado, cortejou a lua, tirou-a para dançar e não houve
nuvem que ousasse cobrir a magia daquele encontro. Como bom cupido e amante desejou que outros curtissem o amor...
Por isso, soprou bastante frio e quem quis gozar as festas deste
ano nos logradouros públicos, precisou embrulhar-se nos braços
de outrem. D. Yvonne, esse mesmo vento, na noite em que aqui
esteve, não se cansou de assobiar as mais belas canções que lhe
embalaram o sono e conduziu suas lembranças por todos os cantos
que lhe são inesquecíveis nesta terrinha amada por todos nós.
São eles, Honorável Diva, o vento, a lua, os riachos, a cultura,
a religiosidade, as tradições, o amor, a amizade, enfim, a
gente do Brejo, todos, unidos e com a mesma finalidade: aplaudir
a Grande Dama que sempre lhes homenageou e a sua melhor
e eterna intérprete.
PARABÉNS e Muito Obrigado por tudo que fez em prol
de sua Terra Natal de Coração!
AMIGA DOS MEUS
TEMPOS DE INFÂNCIA
Ana Valda Vasconcelos
Perscrutar o passado é vivificar o presente
A cidade, pequena e poeirenta... nosso querido Brejo das
Almas, a Igreja, antiga e majestosa, e uma criança ainda
pequena, timidamente subia os degraus, inúmeros, que
a levariam ao coro da imponente igreja, para olhar e admirar
aquela bela e destemida senhora, tocando órgão e entoando lindos cânticos que, certamente, não só agradavam aos nossos ouvidos,
como deveriam chegar aos céus, encantando também, aos
anjos e santos celestiais.
Àquela época, não imaginava o futuro, onde eu estaria lado
a lado daquela senhora, em eventos culturais e sociais, nem que a
conduziriam, como amiga motorista, no ano do seu centenário,
muito menos ainda que faria parte da equipe que coordenaria
e programaria todas estas comemorações ao longo deste ano de
2014.
Do ano em que eu cursava a “admissão ao ginásio” (no Ginásio
Mariquinha Silveira, escola se iniciava com o incentivo de
Dr. Eudes Martins Moreira, Eurico Pena da Silveira, Feliciano
Oliveira e dona Yvonne Silveira, além de várias outras pessoas
engajadas no desenvolvimento da cidade) fui sua aluna, voltando
a encontrá-la mais tarde em salas de aula, na Escola Normal
e Fafil, ambas em Montes Claros.
A amizade no âmbito familiar se deu porque meu pai, José
Trindade, e seu Olyntho serem ligados pelo mesmo interesse literário,
uma vez que um dos seus irmãos, o jovem Antônio Trindade,
junto ao seu Niquinho, pai de dona Yvonne, fundaram,
na época, o primeiro Jornal de Montes Claros “O Lapis”. Já a
minha mãe Dasdores Xavier Trindade, se tornara amiga de dona
Yvonne por interesse comuns tais como a costura (minha mãe
era a modista – termo usado na época) e os ofícios religiosos.
Nesse ambiente de cidade pequena e laços efetivos cresci;
o tempo, implacável, levou os meus pais, o seu Olyntho, e em
todos esses momentos de dor, que enfrentamos com fé e resignação,
sempre estávamos lado a lado, dona Yvonne e eu.
O destino, moralmente, nos coloca próximas, no Elos
Clube de Montes Claros, que muitos generosamente me acolheu,
encaminhada que fui pelas “madrinhas” Neuza e Argentina
Dias , quando vim aqui me despedir, no final do século passado
e início do novo século (1999), vindo a ser presidente do referido
clube por duas gestões, em que dona Yvonne é presidente
de honra.
Um fato que sempre relato: conduzia dona Yvonne para
os eventos, que fossem reuniões, exposições artísticas, palestras,
lançamento de livros e festas; certa vez, logo que aqui cheguei,
dona Yvonne me telefona para eu leva-la (já que eu iria também)
numa palestra com a admirável escritora Marina Calassanti, em
sala da Câmara Municipal, de lá, antes do término, fomos para
a Igreja Matriz, onde a autora lírica Clarice Maciel, que eu já conhecia
e admirava, apresentava um lindíssimo concerto; imagine
você que, ao término, dona Yvonne me convida para acompanhá-
la a um aniversário, de dona Dina Paulino, e eu, já exausta,
não conseguia acompanhá-la, eu, “um pouco mais nova” que
ela não consigo seguir o seu ritmo. Sempre ela teve mais de um
evento por noite, e a última a sair das festas. Eu a levo e encarrego
a outros amigos a incumbência de levá-la para casa. O mesmo
se dá com os sapatos altos, não os uso a anos, e ela sempre “no
salto” e eu a aconselhá-la a usar sapatos mais confortáveis, mas
ela a admirável centenária, nunca “desce do salto” e o batom,
sempre a procura-lo na bolsa e ai tem o incansável retoque...
Neste ano do seu centenário, e ao me lembrar dos nossos
tempos de Brejo das Almas, das visitas em que a levo por lá, aos
amigos e comadres, ao Cristo Redentor, aos velórios e enterros,
me sinto emocionada em poder estar ao seu lado, a conduzi-la.
Em algumas dessas ocasiões me emociono até às lágrimas,
como nas diversas homenagens a ela prestadas, como a que o
Elos Clube, e pude trazer à ela vários amigos de Francisco Sá;
na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, numa proposta do
deputado Carlos Pimenta (seu aluno e também meu) sempre
acompanhado pela Dra. Cláudia Borém Pimenta, sua esposa),
no Chá Literário, em Juramento. Na Escola Estadual Francisco
Sá, sob a direção da professora Vera Fernandes e sua equipe, bem
como inúmeros outras homenagens prestadas a ela.
Nesses momentos de intensa emoção, volto o meu pensamento
a Deus em agradecimento por essa grandiosa oportunidade,
estar a seu lado, e, em espírito, juntos todos nós, seu
Olyntho, meus pais Dasdores e Zezinho e você Dona Yvonne,
motivo de orgulho de todos nós, montes-clarenses e brejeiros.
MEUS MIOSÓTIS
SILVESTRES
Zoraide Vasconcelos Teixeira
Todo texto que fala ao coração, permanece na memória.
Lembro-me de ter lido, quando adolescente, num jornal
de Montes Claros, uma crônica que guardei com muito
carinho por sua beleza e sinceridade. Seu título: MEUS MIOSÓTIS
SILVESTRES. Outrora: Yvonne de Oliveira Silveira.
Senti-me orgulhosa por conhecer e conviver com a autora. Dona
Yvonne, como a chamamos, é uma pessoa por quem tenho uma profunda admiração. Conhecendo a sua trajetória, sei que ela fez
da sua vida um testemunho de suas capacidades e de sua força
interior.
No meu entender, ela é aquela que buscou e achou. Buscou
um horizonte mais visto mudando de Francisco Sá para Montes
Claros, onde o ambiente cultural era bem mais condizente com
a sua sede do saber, pois segundo ela, só o saber preserva a consciência
do mundo.
Clarice Lispector, em crônica no Jornal do Brasil (1964)
afirmou que cada pessoa tem uma porta com seu nome gravado
e que só através dela é que podemos nos olhar. Yvonne abriu
a sua porta e por ela penetrou na vida cultural, educacional e
social de Montes Claros, enriquecendo com sua presença, seus
conhecimentos, seu carisma, sua plena atividade, tudo que participou.
Pelo que dela sei, tenho certeza que, para descrever o que
mais lhe agrada mesmo é viver. Viver intensamente porque sabe
que em vida se reparte bastante, que viver é iluminar, desenvolvendo
uma profunda identificação com tudo e com todos.
Prova disso é o seu “Cantar de Amiga” que nada mais é
que a sua sintonia com o mundo, a sua certeza de que cada ser
humano tem uma dimensão única e que é no outro que nos
complementamos. O contato com o outro, através da palavra
escrita e do convívio pessoal, é uma glória.
Por tudo isto, a comemoração do seu centenário é um
marco neste ano de 2014, pois, que a admiramos e amamos,
queremos abraçá-la, queremos comemorar com afeto e com carinho esta data tão significativa; cem anos de existência que não
são “Cem Anos de Solidão”, mas cem anos de realização duradoura
e substanciais.
AGRADECIMENTOS
Queremos agradecer, em nome da professora Yvonne de
Oliveira Silveira, às pessoas que fizeram presentes nas
duas antologias em homenagem ao seu Centenário de
Nascimento. Vejamos os nomes dessas pessoas na sequência:
Afonso Prates Borba, Amelina Chaves, Ana Valda Vasconcelos,
Ariadna Muniz, Carmen Victória Netto, Clarice Sarmento,
Charles Rodrigues Luís, Dóris Araújo, Edson Ferreira Andrade,
Edwirges Teixeira de Freitas, Evany Cavalcante Brito
Calábria, Fabiano Lopes de Paula, Felicidade Patrocínio,
Felipe Gabrich, Filomena de Alencar M. Prates, Gal Bernardo,
Geralda Magela Sena Almeida e Souza, Gilsa Florisbela
Alcântara, Glorinha Mameluque, Itamaury Teles, Ivana Ferrante
Rebelo, José Divino Lopes Filho, José Ferreira da Silva,
Júlia Maria Lima Cotrim, Juvenal Caldeira Durães, Karla
Celene Campos, Luiz Giovanni Santa Rosa, Manoel Hygino
dos Santos, Manoel Messias de Oliveira, Mara Narciso, Márcio
Adriano Moraes, Maria Alice Pereira Ramos, Maria Aparecida
Costa, Maria de Lourdes Chaves, Maria Dione Car
valho de Morais, Maria do Carmo Veloso Durães, Maria Ilca
Terence de Noronha, Maria Luiza Silveira Teles, Maria Ruth
das Graças Veloso Pinto, Maria Socorro de Carvalho Silveira,
Marilene Veloso Tófolo, Marília Pimenta Peres, Maristela
Cardoso Freitas, Marta Verônica Vasconcelos Leite, Neide
Peres Amaral, Palmyra Santos Oliveira, Pedro Arnaldo G.
Peres, Petrônio Braz, Téo Azevedo, Terezinha Campos, Terezinha
Teixeira Santos, Virgínia A. de Paula, Wanderlino Arruda,
Zoraide Guerra David, Zoraide Vasconcelhos Teixeira.
A professora Yvonne Silveira recebeu dezenas de homenagens,
mas certamente que esses dois livros, sobre a trajetória
de sua vida na cultura montes-clarense, ficarão eternizados nas
letras acadêmicas de nossa cidade. A ideia da antologia foi para
promover oportunidade maior dos amigos e amigas em participarem
desta homenagem. Finalizando, desejamos que dona
Yvonne Silveira tenha vida longa para a alegria de todas nós.
Muito obrigado!
Editora Cotrim Ltda.
Impresso na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
E-mail: contato@mileniograf.com.br
Site: www.mileniograf.com.br
Telefax: (38) 3221-6790