Page 20 - DEUSA DAS LETRAS
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Dário Teixeira Cotrim (Org.)
formações de uma amiga mais velha, mas se casou sem saber por
onde nasciam as crianças. Dona Yvonne e seu Olyntho casaram-
se na casa dela. A noiva não se animou a atravessar a pé, com seu
vestido longo, as ruas cheias de poeira, até a igreja. Perguntada,
não mencionou uma única palavra sobre a lua de mel. Talvez
não tenha ouvido bem a pergunta. Era o ano de 1933, e, como
diz o jargão, a vida não permite ensaios. O conhecimento pode
chegar junto ao ter de fazer, e assim foi. Ficou casada por setenta
e seis anos e não gerou filho, comenta desanimada. É triste sa-
bermos que não será preservada tão interessante genética.
Um cérebro privilegiado como o dela deveria ser estudado,
pois aprendeu Francês, quando jovem, e aprimorou o Português
pela Rádio do Ministério da Educação. Ainda hoje fala de im-
proviso e de pé com tal clareza e voz límpida, que impressiona.
Um feito que muitos, com trinta anos a menos do que ela, não
conseguem imitar. Há dois problemas físicos que ela costuma
mencionar: dificuldade para andar e escutar. Usa o aparelho au-
ditivo, com pouca eficácia, devido ao desgaste do tempo, e anda
pouco. Disse que todos os médicos a mandam caminhar, ainda
que seja em seu amplo quintal. Mas acaba não obedecendo.
Sua rotina começa cedo. Gosta de se levantar, arrumar logo
a cama, trocar de roupa, alimentar-se e cuidar do jardim, coisas
que faz sem ajuda. Não gosta de ir direto para as leituras, para
não ficar muito parada. Não aprova a inércia diante da televisão,
a qual vê pouco, apenas o noticiário. Então, lê alguma coisa, es-
pecialmente os dois jornais da cidade, que assina: Gazeta e Jornal
de Notícias. Após o almoço, recosta para descansar, quase não
dormindo de dia. É quando vem a parte da tarde, horário em
que escreve. No momento está perdida em trovas memorialistas,
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