Page 97 - DEUSA DAS LETRAS
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A Deusa das Letras
Por certo tempo, meu tio-avô - um dos filhos do fundador
do lugar - foi morar em São Paulo. Ao retornar à terra natal, a
filha do farmacêutico já morava lá.
A garota - vinda com a família das promissoras terras dos
Montes Claros - tinha, então, 14 anos da mais pura mocidade.
E um brilho inteligente no olhar.
O coração do meu tio-avô decretou na hora: apaixonado!
Para ela escreveu sublimes poemas de amor. Versos retira-
dos das entranhas, lapidados com suor.
Não foi difícil à filha do farmacêutico corresponder aos
sentimentos do jovem enamorado. Com jeitinho, se desviou do
rumo traçado pelos pais: os estudos em Montes Claros, privilé-
gio das moças educadas de então, para ficar por lá. Assim, fez
opção pela terra do eleito, terra primitiva, tão docemente atrasa-
da quando comparada à promissora cidade onde nascera.
Primitiva, sim, mas ali estava aquele que seu coração es-
colhera. Além disso, havia na primitiva cidade um vento vian-
dante que encantava todas as coisas: fazia subir em redemoinhos
a poeira das ruas; despejava assobios nas águas cristalinas que
passavam sob a ponte da estrada; propiciava bailados a um im-
ponente coqueiro, altaneiro dentre a vegetação rasteira. E sabia
contar histórias.
A filha do farmacêutico, também artista como o eleito,
com tintas coloridas transferiu para uma tela a beleza do co-
queiro. Com ritmos e palavras, cantou a ponte, testemunha de
encontros e murmúrios. E entendeu a linguagem do vento.
O tempo, que não para de passar, trouxe o dia 20 de junho
de 1933 para coroar o encantamento: a filha do farmacêutico e
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